A queda de um avião de pequeno porte em Gramado, no Rio Grande do Sul, na manhã do último domingo (22), deixou 10 mortos de uma mesma família, além de 17 feridos nas proximidades do acidente. As condições meteorológicas eram desfavoráveis para voo no momento da tragédia, com alta nebulosidade, mas as causas ainda serão investigadas pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Aeronáutica.

Quem são as vítimas

O governo do Rio Grande do Sul confirmou a morte do empresário Luiz Cláudio Salgueiro Galeazzi, de 61 anos, que era dono do avião e pilotava a aeronave. Também morreram no acidente sua mulher, as três filhas adolescentes do casal, sua sogra, cunhada e concunhado — Bruno Cardoso Munhoz Guimarães, diretor da empresa de Galeazzi —, além de duas crianças. Apenas os nomes de Galeazzi e Guimarães foram divulgados.

A família morava em São Paulo e teria ido ao Rio Grande do Sul para participar das festividades de Natal. Em nota ao EXTRA, a Galeazzi & Associados, companhia da qual o empresário era CEO, informou que todos os registros e autorizações da aeronave estavam devidamente em ordem e que pretende acompanhar as investigações conduzidas pelas autoridades competentes.

O trajeto e a queda da aeronave

O avião havia decolado de Canela, no Rio Grande do Sul, às 9h15 do último domingo (22), com destino a Jundiaí, em São Paulo, mas sofreu a queda minutos depois em Gramado, cidade vizinha, após bater na chaminé de um prédio próximo à Avenida das Hortênsias, segundo a Secretaria de Segurança Pública e a Infraero. Em seguida, a aeronave atingiu o segundo andar de uma residência e caiu sobre uma loja de móveis. Os destroços ainda alcançaram uma pousada, que agora está sob risco de desabamento.

Avião de pequeno porte decolou de Canela, no Rio Grande do Sul, com destino a Jundiaí, em São Paulo — Foto: O GLOBO
Avião de pequeno porte decolou de Canela, no Rio Grande do Sul, com destino a Jundiaí, em São Paulo — Foto: O GLOBO

Os feridos

De acordo com o governo gaúcho, 17 vítimas que estavam em solo receberam atendimento médico após o acidente, a maioria por inalar a fumaça do incêndio. Do total, cinco foram atendidas e liberadas pelo Hospital de Canela e 12 ainda permaneciam internadas até a noite de domingo. Valdete Maristela Santos da Silva, de 52 anos, e Lizabel de Moura Pereira, de 56, funcionárias da pousada, foram transferidas para Porto Alegre. Elas sofreram queimaduras pelo corpo.

Outros hóspedes da pousada atingida tiveram que deixar o local e foram transferidos para outras acomodações em Gramado. Testemunhas do acidente relataram ao EXTRA que ouviram um estrondo e que se formou um corredor de “fumaça e neblina” na região. O gestor comercial Vinicius de Moraes, turista de Curitiba, contou que chegou a sentir um tremor no hotel onde estava hospedado.

A investigação

A Força Aérea Brasileira (FAB) informou que investigadores da área de Canoas, no Rio Grande do Sul, foram acionados para investigar o caso. Paralelamente, a Polícia Civil conduz a coleta dos dados e a apuração dos fatos que levaram ao incidente.

Segundo o perito responsável pelo caso, Valmor Gomes, o avanço das investigações depende da “retirada de elementos estruturais da aeronave”, que pertenceriam à fuselagem do avião, e cuja remoção depende da estabilização do local da queda. A área foi isolada pelas autoridades na manhã de domingo, mas devido ao calor provocado pela explosão, as remoções só começaram no meio da tarde.

— Estamos com uma frente da Divisão de Porto Alegre e com um equipamento de scanner 3D para fazer todo o levantamento possível, subsidiar da melhor maneira possível a delegacia da Polícia Civil na solução desse inquérito — disse Gomes.

Possíveis causas do acidente

As imagens já divulgadas do momento em que a aeronave decolou mostram um cenário de nebulosidade em Canela, de onde o voo partiu. Gerardo Portela, doutor em Gerenciamento de Riscos e Segurança pela UFRJ, está coincidentemente em Gramado, onde houve a queda. Em entrevista à Globonews, ele afirmou que o dia era de “visibilidade mínima”.

— Diria que, com minha experiência, há entre 100 e 150 metros de visibilidade, em solo. Nessas condições, não é possível fazer um voo visual, precisaria fazer um voo por instrumento ou do suporte do aeroporto para isso. A condição climática é forte indicador para acidente como esse — afirmou.

O especialista acrescentou que o piloto tem a responsabilidade de planejar o voo com base nos boletins meteorológicos:

— Mas a condição pode mudar até o momento da decolagem. Mas se percebe na hora do voo que não há mais visibilidade, ele deveria desistir. Se o piloto fica numa nuvem, sem visão de horizonte, sem noção de altitude, pode perder a consciência situacional, como se tivesse andando no escuro. Isso pode ter acontecido.

Rolland de Souza observa que, pelos vídeos, a neblina parecia “relativamente espessa” no aeroporto.

— Não causa invisibilidade total, mas causa uma invisibilidade parcial até considerável. Então, pensamos na hipótese de desorientação espacial do piloto, pois as referências visuais estariam prejudicadas — explica o piloto, que também é médico e completa: — Sabemos que raramente um acidente é causado por apenas um fator. Em 99,99%, são causados por cadeia de eventos. Tem que pegar o fio da meada, para saber onde começou o erro.

Coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da PUC-RS, Lucas Fogaça destaca que a condição climática é um fator a ser investigado, para que se esclareça se a situação na hora da decolagem permitia ou não um “voo visual” ou se demandava instrumento.

— A condição, pelo menos nas imagens que circulam, parece bem hostil, com neblina, nuvem baixa, chuva. Pelo vídeo, sugere que precisava ser um voo por instrumento e não visual, mas não sei dizer a condição naquele momento.

Aeroporto sem instrumentos

O aeroporto de Canela é homologado pela Infraero, mas é de pequeno porte e somente voos visuais são realizados. Quando um aeroporto opera por instrumento, é porque ele possui procedimentos de subida e descida, com equipamentos instalados, para que a aeronave consiga sair e chegar com segurança, sem depender de referências visuais para decolagem e pouso, explica Fogaça. Nesses casos, são realizados mapeamentos do entorno do aeroporto, com margem de segurança.

Os instrumentos podem ser coordenadas geográficas para GPS, homologadas pela FAB, ou sinalizações no chão e antenas com sinais de radiofrequência.

— Quando o local está coberto por nuvem, o piloto literalmente faz um voo cego. Assim, se fizer decolagem em aeroporto que não opera por instrumento, está subindo sem referência nenhuma e as chances de acidentes são muito grandes — diz Fogaça, que explica que a presença de obstruções pode impedir a possibilidade de operação por instrumento no aeroporto: — Se tiver muita obstrução no entorno, pode ser que só se permite decolagem por visual.

Gerardo Portela destaca a limitação do aeroporto de Canela:

— Numa condição climática como essa fica mais difícil ainda. A condição climática não era das melhores, e equipamento tem suas limitações. A maior responsabilidade é obviamente do piloto, já que o aeródromo é extremamente limitado.

Altitude baixa no momento da queda

O acidente aconteceu apenas três minutos após a decolagem, em um local a poucos quilômetros do aeroporto de Canela. Por isso, a pane certamente ocorreu logo depois da decolagem, segundo os especialistas. Isso explicaria o fato de o avião estar em uma baixa altitude no momento do acidente. A colisão teria sido, primeiro, em uma chaminé de um prédio em uma das avenidas mais movimentadas de Gramado.

— A baixa altitude era normal, porque tinha acabado de decolar. Então, ainda estava ganhando altitude e velocidade. Nós, pilotos, sabemos que o momento mais crítico do voo é a decolagem, porque ainda está com baixa altitude, baixa velocidade e com a aeronave vencendo a inércia — afirma Rolland de Souza, que prossegue: — Para ter decolado de Canela e caído logo em Gramado, em uma distância de 6, 7 quilômetros, é porque a pane ocorreu logo após a decolagem.

O modelo do avião

O modelo Piper PA-42 1000 Cheyenne, da fabricante Piper, é considerado bastante seguro. Isso aumenta a suspeita sobre um fator externo de impacto.

— Esse avião é confiável, potente, rápido, muito usado para aviação executiva. É uma aeronave muito segura, tem uma configuração de potência que consegue se manter em voo mesmo se falhar um dos motores. São múltiplas camadas de segurança, dificilmente cai por falha de um sistema só — explica Lucas Fogaça.

Gerardo Portela ressalta que a aviação privada oferece condições seguras, mas os requisitos para voos são mais flexíveis em comparação com a aviação comercial:

— O avião era bimotor, seguro, mas por ser de menor porte requer condições melhores de voos. E a aviação privada não é como um voo comercial, em que só vai decolar mediante um protocolo mais robusto, pois transporta mais gente.

Combustível errado?

O relato de testemunhas do acidente sobre um “forte cheiro de querosene” levantou suspeitas em grupos de pilotos sobre a possibilidade de um abastecimento equivocado como causa do acidente, de acordo com Rolland de Souza. Ele lembra de um acidente no Rio, em 2008, após uma decolagem no aeroporto de Jacarepaguá, em que o motivo da queda foi justamente o combustível errado.

Naquela tragédia, que matou quatro pessoas, o laudo da investigação concluiu que o avião foi abastecido com querosene, em vez de gasolina de aviação (AVGAS).

— Essa aeronave de hoje em geral não usa querosene e, sim, gasolina de aviação. Há uns anos, tivemos acidente no aeroporto de Jacarepaguá causado por isso. Então, essa questão de combustível errado não é tão incomum assim — diz Souza, que explica como um combustível errado resulta na pane do motor: — É igual abastecer carro com combustível errado. Nos primeiros minutos até funciona, porque dentro do encanamento, que leva combustível do tanque à câmara de combustão do motor, ainda vai ter um pouco do combustível adequado. Só que, logo depois, acaba o combustível original e a bomba começa a puxar o novo combustível. E começam os problemas. Primeiro, é a perda de potência. Em seguida, vem a falha do motor.

Segundo Lucas Fogaça, existem modelos Cheyenne que funcionam com querosene.

Essa hipótese, porém, demanda uma investigação mais aprofundada, que vá além do relato de testemunhas, destaca o especialista. Pois é preciso considerar a possibilidade de as pessoas confundirem os cheiros.

— Quem trabalha com esse tipo de coisa percebe facilmente a diferença do cheiro. Mas um leigo, uma testemunha na rua pode não saber distinguir cheiro de querosene para cheiro de gasolina de aviação civil.

Local do acidente

O local do acidente fica numa área central de Gramado, que recebe a maior quantidade de turistas neste período, devido às celebrações de Natal. A Avenida das Hortênsias tem pouco mais de 9 km e começa na Avenida Borges de Medeiros, indo até a cidade de Canela. A via retomou este ano o Grande Desfile de Natal, parada de carros alegóricos e alas que representam personagens característicos da celebração.

(*)com informação do Jornal Extra