Quatro anos depois da primeira delação da Operação Lava Jato e mais de três anos desde a abertura dos 22 primeiros inquéritos para investigar autoridades com foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal, apenas uma investigação levou um réu à condenação – o deputado Nelson Meurer (PP-PR), neste ano.
Nos outros dez casos encerrados ocorreu o arquivamento do inquérito, a rejeição da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou a absolvição no julgamento final. Em seis processos, os próprios investigadores apontaram falhas nas delações ou admitiram não ter conseguido levantar as provas necessárias, solicitando o arquivamento. Em três casos, foi o STF que julgou como insuficientes a denúncia apresentada pelo Ministério Público.
Se a denúncia é aceita — o que já ocorreu em oito ocasiões —, o inquérito vira ação penal. Só no fim é que há julgamento para definir a culpa. Até agora, dois processos já chegaram a esse ponto. Meurer foi condenado em maio e em junho a Segunda Turma absolveu a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo.
Os inquéritos analisados se basearam, geralmente, nas duas primeiras delações da Lava-Jato: a do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e a do doleiro Alberto Youssef, fechadas em 2014. Elas ajudaram a revelar o cartel das empreiteiras que dividiam entre si os contratos da Petrobras e a desvendar a dimensão do esquema de corrupção que beneficiava vários partidos.
No caso dos processos arquivados pelo STF, a falta de provas foi o principal motivo para a rejeição das acusações. Para que alguém seja condenado, não basta que um delator aponte um crime, ou que outro colaborador corrobore a versão inicial. É preciso conseguir provas. No processo de Gleisi e Bernardo, o relator, ministro Edson Fachin, votou a favor da condenação pelo crime de caixa dois, mas pela absolvição no caso de corrupção passiva, uma vez que Gleisi ainda não tinha poderes para oferecer contrapartidas à suposta propina na data do suposto crime, em 2010. A maioria da Segunda Turma acabou absolvendo-os de todas as acusações.
Meurer, por outro lado, foi condenado a 13 anos, nove meses e dez dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No caso dele, depósitos fracionados em conta bancária em datas compatíveis com os relatos dos delatores, depoimentos de testemunhas, e dados sobre contatos telefônicos, viagens e estadas em hotéis ajudaram a formar a convicção dos ministros.
Crítica às delações
Os números permitem leituras diferentes dependendo do ponto de vista. No STF, sempre que uma acusação é rejeitada, alguns ministros fazem questão de atacar o trabalho dos investigadores. Gilmar Mendes, por exemplo, costuma criticar a abertura de um inquérito que mancha a imagem do investigado, mas, depois, é arquivado. Já um integrante do Ministério Público ouvido pelo Jornal O Globo apontou que é preciso investigar quando um fato parece ser ilícito, mas que não há como garantir que o desfecho será a condenação e que não é “desproporcional” um número significativo de processos terminar sem punição. Dos 22 inquéritos, em 15 já houve a apresentação de denúncia.
Edvandir Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), critica a forma como o MPF faz suas delações. Ele discorda da prática de se negociar antecipadamente a pena com o colaborador. Para Paiva, isso deve ser feito pelo juiz e somente se a colaboração for efetiva. Há uma disputa de poder entre a PF e o Ministério Público em torno das colaborações premiadas – a polícia quer participar mais ativamente dos acordos.
“Não basta a palavra do colaborador. Ele precisa apresentar documentos ou elementos de prova, ou dizer onde estão para que a polícia possa ir buscar. Em algumas colaborações premiadas, se contentaram com a palavra do colaborador”, disse Edvandir. “Pode ter ocorrido tudo o que o colaborador falou, pode ser verdade, mas, se não consegue provar, não adianta nada”, acrescentou.
As provas exigidas na hora de analisar o recebimento da denúncia não precisam ser tão fortes quanto no momento do julgamento final. Seis ações penais aguardam a análise definitiva. Cinco delas continuam na Corte, enquanto uma, envolvendo o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), foi enviada para a primeira instância.
No começo de 2015, haviam 26 inquéritos da Lava-Jato no STF. Quatro deles, porém, foram anexados a outros dessa lista.
PGR pediu arquivamento em seis casos
Dos dez inquéritos em que o investigado se livrou da acusação, em seis casos a própria PGR entendeu que deveria haver arquivamento. No caso do senador Edison Lobão (MDB-MA) e do deputado Simão Sessim (PP-RJ), por exemplo, o então procurador-geral da República Rodrigo Janot disse que as informações prestadas por Paulo Roberto Costa eram “verossímeis”, mas, apesar da investigação, não houve provas para corroborá-las. Já no inquérito do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), a PGR destacou divergências nos relatos de Youssef e do policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o Careca, apontado como entregador de dinheiro do doleiro.
Um dos arquivamentos pedidos pela própria PGR se deu por razão mais simples. Foram abertos dois inquéritos para investigar o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) pelo mesmo fato: a suposta intermediação para que o ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra recebesse propina de empresa investigada numa CPI. Assim, um deles foi arquivado enquanto o outro continuou a andar.
Mesmo quando o inquérito sobrevive a essa primeira etapa e a PGR oferece denúncia no STF, ele pode morrer quando os ministros da Segunda Turma a analisam. Foi o que ocorreu em três casos, um deles justamente o segundo inquérito de Eduardo da Fonte A PGR entendeu que havia elementos suficientes para a continuidade dos processos, transformando os investigados em réus. Mas a Segunda Turma avaliou que não havia provas para corroborar as delações. Em dois casos, a própria PGR já apresentou recurso contra a decisão. Um deles foi negado.
Há ainda quatro inquéritos que geraram denúncias, ainda não analisadas. Por fim, o inquérito mais atrasado é o do senador Humberto Costa (PT-PE). A Polícia Federal chegou a solicitar o arquivamento, mas a PGR não endossou pedido e, depois, apontou a existência de depoimentos convergentes e extratos bancários que exigem o aprofundamento da investigação. Com o julgamento concluído em maio no STF restringindo o foro privilegiado, a PGR pediu que o caso vá para a primeira instância, mas não houve decisão ainda.
Com informações do Jornal O Globo