Ao menos 569 dos mais de 28 mil candidatos inscritos nas eleições deste ano vão testar a hipótese de que a fé move montanhas de votos. O número é o montante, entre os que buscam cargos de deputados estadual e federal, Senado, governos e Presidência, que incorporou algum título religioso no nome de urna. É o caso do deputado Pastor Marco Feliciano (Podemos-SP), em busca da segunda reeleição. Apresentar-se assim, “tal qual uma marca ou logotipo, de forma simples, remete o eleitor ao caráter do candidato”, diz.
As designações preferidas são ligadas a igrejas evangélicas, como pastor, irmão e missionário e suas inflexões femininas. Não que sejam tantas assim: mulheres são ainda mais raras nesse nicho: 24%, contra 30,7% no bloco total. O levantamento feito pela Jornal Folha de São Paulo aponta para um grupo com perfil bem distinto do quadro geral — um estrato mais masculino, mais velho e com menor grau de estudo.
E também menos branco. Enquanto 52,67% do total de candidatos declararam ter essa cor, no quinhão religioso o percentual é de 36,73%. Esse bloco espelha a atual bancada evangélica na Câmara. Também ela é menos diplomada, menos branca e mais nova do que a média de parlamentares. A idade média entre os 80 deputados que compõem a frente evangélica é de 50 anos; a do total da Casa, 54. Entre os candidatos de 2018, os que carregam nomenclatura religiosa têm, em média, 47,8 anos; a faixa etária geral fica em 49,7 anos.
Quase metade dos inscritos no pleito (que ainda podem ter a candidatura impugnada) possui ensino superior. Só 26,5% dos religiosos o têm. Aspirantes à Câmara e às assembleias legislativas estaduais são maioria. Só oito concorrem ao Senado, entre eles o Pastor Everaldo (PSC-RJ), único presidenciável a ostentar o título religioso num pleito nacional — amealhou 0,75% dos votos na corrida de 2014.
A legenda com mais adeptos de nomes de fé é justamente o PSC de Everaldo: 12,8% do total. Em seguida vêm Patriota (do presidenciável Cabo Daciolo), PHS, PROS, PRTB e PRB, todos na casa dos 5%.
Em 2016, o PRB emplacou na Prefeitura do Rio Marcelo Crivella, sobrinho do líder da Igreja Universal, que tem na sigla seu braço político. No livro “Plano de Poder” (2008), Edir Macedo alerta para uma inércia “nociva” no eleitorado cristão, em parte por uma “interpretação errônea de que Deus fará tudo sem que a pessoa precise mover uma palha”.
“Maquiavel definiu [a política] como ‘a arte de governar e estabelecer o poder’ (‘O Príncipe’). Sendo assim, do ponto de vista de Deus, com quem você acha que Ele desejaria que estivesse esse poder e domínio? Nas mãos de Seu povo ou não?”, o bispo escreveu.
A Missionária Edilaine Pires (Patri-SP) quer estrear na “arte de governar”, e para tanto “não teria como eu abortar nome tão nobre”, diz a candidata a deputada. “Não foi uma escolha [para a urna], já é uma condição da minha vida.”
Adotar codinomes de fé não é um mal em si, diz André Lemos Jorge, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral paulista. Compara: “Na urna, o militar também usa capitão, major”. No meio evangélico não costuma haver embaraço em escolher nomes entre os seus para entrar na política. Católicos são mais reticentes à ideia. Há 18 candidatos que incluíram “padre” na alcunha eleitoral. Para se ter uma ideia, só os pastores na lista somam 352.
Muitos desses clérigos são ligados a partidos à esquerda, como PT, PDT e PSB. O petista Padre Honório disputa seu segundo mandato como deputado estadual capixaba. A desproporção entre nomes católicos e evangélicos no pleito, para ele, é simples de explicar: a Igreja Católica não é muito entusiasta dessa ideia.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) diz ao Jornal Folha de São Paulo que não existe “qualquer orientação” para proibir voos eleitorais de sacerdotes. Incentivo também não há. O Código de Direito Canônico diz que o clero “não pode ter parte ativa nos partidos políticos”, salvo quando, “a juízo da competente autoridade eclesiástica”, promova “a defesa dos direitos da Igreja ou a promoção do bem comum”.
Outra diretriz: que “clérigos evitem aquilo que, mesmo não sendo indecoroso, é alheio ao estado clerical”. “Mas, apesar disso, o direito canônico não prevê punição alguma a religiosos que forem contra as determinações”, diz a CNBB.
Cada caso é um caso, decidido dentro das dioceses. O bispo de Jundiaí, dom Vicente Costa, emitiu uma nota após um dos padres sob sua guarda, Silvio Andrei (PR-SP), candidatar-se à Câmara em 2018. Ele foi afastado de suas funções sacerdotais pois, “como instituição eclesial”, a Igreja não pode apoiar partido y ou candidato x, “causando com isso divisão entre os seus fiéis”.
“Vale recordar as palavras do apóstolo Paulo”, pediu dom Vicente. “Irmãos, vos exorto, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, a que estejais todos de acordo no que falais e não haja divisões entre vós.”
Padre Honório foi outro que teve de se licenciar de sua paróquia —o que não impede que celebre missas dominicais em Mantena (MG), onde ninguém é seu eleitor. “Até mesmo pelo ambiente [político] ser extremamente delicado, é importante que eu esteja amparado espiritualmente e faça a celebração.”
Com informações do Jornal Folha de São Paulo