O Nordeste possui três regimes de chuvas em condições normais. Na região mais ao norte, que inclui Ceará e partes de Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão, o período mais chuvoso é entre fevereiro e maio. Mais ao sul, o que inclui Bahia e norte de Minas, as chuvas se concentram entre novembro e fevereiro. Já na faixa costeira, que vai do sul da Bahia ao Rio Grande do Norte, as chuvas ocorrem entre abril e julho. Neste período e região, choveu.
O resultado, porém, é que, mesmo com um volume maior de precipitações do que em anos anteriores, a maioria dos reservatórios do semiárido ainda tem restrições de uso -cenário que mantém estagnada a atividade econômica dos municípios atingidos.
Dos açudes no semiárido monitorados pela Agência Nacional de Águas (ANA) na região, que enfrenta sete anos consecutivos de estiagem, apenas 10% atingiram uma cota de água suficiente para garantir os seus usos múltiplos – da irrigação ao abastecimento humano – nos próximos 18 meses.
Os demais 90% dos açudes monitorados têm algum tipo de restrição para captação de água – 62% deles estão no chamado estado hidrológico vermelho, situação considerada de escassez hídrica que impacta não só a atividade econômica mas também a pequena agricultura e até o abastecimento das cidades.
O Castanhão, maior açude para usos múltiplos da América Latina, localizado no sertão do Ceará, resume bem a situação da segurança hídrica da região. Em fevereiro deste ano, o açude atingiu o nível mais baixo de sua história – com 6,7 bilhões de metros cúbicos de volume útil, chegou a 2,04% de sua capacidade e atingiu o volume morto.
Com as chuvas que caíram entre fevereiro e abril, o açude ganhou volume. Foi a 8,8% em abril. Mas, desde então, vem perdendo volume dia após dia. Na terça-feira, 28, estava em 6,8% de sua capacidade.
“Estamos perdendo entre três e quatro centímetros de lâmina d’água por dia com abastecimento e com a evaporação”, diz Fernando Pimentel, administrador do Complexo Castanhão. Ao todo foram cerca de 400 milímetros de chuva na região no primeiro semestre deste ano, o dobro do registrado no mesmo período de 2017. “Foi pouco. A chuva veio em um volume pequeno e muito irregular”, diz Pimentel.
A situação não é diferente em outras regiões do semiárido. Na Paraíba, o açude Epitácio Pessoa, conhecido como Boqueirão, chegou a 34,3% de sua capacidade em julho após o ciclo de chuvas e a chegada das águas da transposição do rio São Francisco, em abril de 2017. O volume de água fez com que o racionamento para consumo humano fosse suspenso em Campina Grande.
Contudo, ainda há restrições do uso da água para indústrias e para irrigação. Segundo a ANA, a água está liberada apenas para agricultura de subsistência em áreas plantadas de até meio hectare. No sistema Curema-Mãe D’Água, no sertão da Paraíba, o nível da água chegou a 18,8% no açude Curema e 9,7% no açude Mãe D’Água.
O volume, contudo, foi insuficiente para a retomada dos perímetros agrícolas da região. “Foi um respiro. Os barreiros e pequenos açudes voltaram a encher. Mas ainda está longe de termos água para produzir”, afirma o agricultor Francisco Honorato Filho, 63, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Sousa (440 km de João Pessoa).
A cidade é o polo de fruticultura Alto Piranhas, que engloba mais de dez municípios da região e ganhou fama por produzir uma das águas de coco de melhor qualidade do país. Desde 2012, o acesso à irrigação foi sendo paulatinamente suspenso na região.
Dono de um lote no perímetro irrigado, Honorato chegou a ter mais de 2.000 coqueiros plantados em suas terras, mas viu todas as árvores morrerem nos últimos seis anos por falta de água. “Foi um prejuízo absurdo”, diz.
Já no rio São Francisco, o nível do reservatório de Sobradinho – que há um ano era de 9,3% – chegou a 29,1%. Com isso, o uso da água para os perímetros irrigados foi flexibilizado. A irrigação que estava suspensa um dia por semana – todas as quartas-feiras – passou a ser interrompida apenas uma vez a cada 15 dias desde julho deste ano.
Ainda assim, os produtores dos perímetros de fruticultura da região de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) reclamam de prejuízos. “Temos uma perda de cerca de 15% da safra. É uma situação que gera um desestímulo a novos plantio e faz com que a região não cresça”, afirma José Gualberto de Freitas, presidente da Valexport, entidade que congrega produtores e exportadores de frutas da região.
Também houve flexibilização no uso da água para fins industriais e de mineração: as empresas que captam água do São Francisco por mais de 13 horas por dia, que vinham reduzindo o volume de água usada em 14%, atualmente são obrigadas a reduzir apenas 7%.
Se as chuvas caíram de forma esparsa no semiárido, houve chuva acima da média em algumas regiões do litoral nordestino, sobretudo nas regiões sul e do recôncavo baiano. O resultado é que os reservatórios que abastecem as maiores regiões metropolitanas, que há um ano estavam à beira do colapso, voltaram a encher.
Na região metropolitana de Salvador, o reservatório Joanes II, que em maio de 2017 atingiu 8% de sua capacidade, em julho deste ano chegou a 94%, afastando a possibilidade de racionamento na capital baiana. O mesmo aconteceu com reservatórios que abastecem a região metropolitana do Recife, como os açudes de Botafogo, Goitá e Duas Unas.
Com informações do Jornal Folha de São Paulo