O ex-governador Adauto Bezerra morreu, neste sábado, aos 94 anos, de falência múltipla dos órgãos provocada pelas complicações da Covid-19. Ele estava internado há pouco mais de 10 dias no Hospital Monte Klinikum, em Fortaleza, e não resistiu à doença. Adauto formou, ao lado de Virgílio Távora e César Cals, a tríade de coronéis que dominou a política do Ceará ao longo de 20 anos.

Dos três principais personagens da política cearense, entre a segunda metade dos anos 60 e meado da década de 80, Adauto era o único que estava vivo. Diferente de Virgílio e César, foi o único dos três coronéis que conciliou a atividade pública com negócios privados, destacando-se, ao longo da trajetória política, na indústria têxtil e na área financeira, com o antigo Banco Industrial e Comercial (BIC), fundado, em 1938, pelo pai de Adauto, José Bezerra, como Cooperativa de Crédito em Juazeiro do Norte.

HERDEIRO DE JOSÉ BEZERRA

Adauto Bezerra recebeu a missão da família para dar sequencia à carreira política do pai, José Bezerra, saiu do Exército para, em 1958, concorrer, pela primeira vez, a um mandato eletivo. Foi eleito, pela UDN, à Assembleia Legislativa, sendo reeleito deputado estadual em 1962, 1966 e 1970. Em 1974, filiado à Arena, foi eleito, de forma indireta, governador do Ceará. A escolha era feita pela Assembleia Legislativa após o nome surgir do consenso e respaldo do presidente da República.

Adauto sucedeu ao então governador César Cals, escolhido, também, pelos militares. Em 1978, Virgílio Távora, de forma indireta, volta ao Governo do Estado. Os anos de convivência geraram divergências entre os três coronéis e, nas eleições de 1978, o racha estava configurado: Adauto se prepara para concorrer ao Senado, mas foi barrado por Virgílio que tinha, nesse contexto, o apoio do então presidente da República, Ernesto Geisel. Sem brigar, mas guardando os dissabores que os acordos políticos impõem, Adauto se elegeu deputado federal.

COMEÇO DO FIM DO CICLO

Os conflitos internos davam sinais de fragilidade ao grupo dos três coronéis, mas a união – mesmo sem unidade, era imprescindível para a manutenção do poder. Foi, assim, que, em 1982, elegeram, pelo PDS, o então professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e funcionário de carreira do Banco do Nordeste Gonzaga Mota, para governador. A eleição de 1982 foi a primeira, após o início militar de 1964, de forma direta, com a participação dos eleitores nas urnas.

Gonzaga era o último elo que os unia e, ao mesmo tempo, representou, em definitivo, a abertura do caminho para encerrar, em 1986, o ciclo dos chamados três coronéis. A derrocada da aliança começou nos primeiros meses da gestão de Gonzaga Mota, iniciada em 1983. Gonzaga, que tinha como vice-governador Adauto Bezerra, não aceitara as imposições de divisão do poder e acabou rompendo com o então vice-governador.

O cenário nacional já dava, também, sinais de novos ventos com o processo de reabertura política com reflexos diretos no Ceará: rompido com os coronéis, Gonzaga Mota anuncia apoio a um candidato de oposição ao regime militar à Presidência da República. Ele se abraçou com Tancredo Neves, eleito, em 1985, de forma indireta, pelo Colégio Eleitoral, contra o candidato dos militares, Paulo Maluf.

Com graves problemas de saúde, Tancredo é internado no dia 14 de março de 1985, véspera da posse e, em seu lugar, assume o vice-presidente José Sarney. Tancredo não resistiu à gravidade da doença e morreu no dia 21 de abril daquele ano.

VENDAVAL NA POLÍTICA EM 1986

No Ceará, as mudanças na política nacional chegaram como vendaval e, em 1986, o ciclo do coronelismo – já antecipado com o rompimento de Gonzaga Mota, acaba sendo sepultado nas urnas, com a vitória do jovem empresário Tasso Jereissati (PMDB) ao Governo do Estado. Tasso impôs a derrota a Adauto Bezerra, um novo ciclo político começava e, a partir de 1987, instituiu no Estado o modelo de gestão herdado da iniciativa privada, com uma máquina menos inchada e sem o loteamento dos cargos na administração estadual.

Fora do poder e sem mandato, Adauto comanda o PFL, se mantém presente nos bastidores políticos e mergulha nas atividades empresariais. Em 1989, participa da campanha vitoriosa do então candidato eleito à Presidência da República, Collor de Mello. A disputa por mandatos eletivos faz parte do passado.

Adauto assume, na gestão Collor, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). O cargo, esvaziado, não deu o fôlego que os aliados imaginaram para a retomada do poder político no Ceará. Os tempos de mudança, sob a liderança de Tasso Jereissati, ofuscavam o ciclo dos três coronéis e, aos poucos, Adauto Bezerra deixava a vida partidária e política para se concentrar, exclusivamente, ao lado irmão gêmeo Humberto, em sua principal atividade empresarial: o BIC Banco, vendido, para o China Construction Bank.

OS TRÊS CORONÉIS

VIRGÍLIO

Dos três coronéis, Virgílio Távora era o mais velho: nasceu no dia 29 de setembro de 1919 na cidade de Jaguaribe, e morreu no dia 3 de junho de 1988, aos 68 anos de idade, após complicações de um câncer na próstata. Virgílio estava no sexto ano do segundo mandato de senador conquistado nas eleições de 1982.

O primeiro suplente, empresário José Afonso Sancho, herdou o mandato, abrindo, por quatro meses, a vaga para a segunda suplente, Alacoque Bezerra, irmã de Adauto.

CÉSAR CALS

Ex-governador e ex-senador, César Cals nasceu no dia 30 de setembro de 1926 e faleceu de ataque cardíaco no dia 10 de março de 1991. Dos três coronéis, César foi quem deixou, por mais tempo, herdeiros políticos – com César Neto, deputado federal em dois mandatos e prefeito tampão de Fortaleza, e Marcos Cals, que exerceu seis mandatos de deputado estadual, entre 1986 e 2010.

ADAUTO BEZERRA

Deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa e governador, Adauto foi o único dos três coronéis que não exerceu mandato de senador. Adauto nasceu, em Juazeiro do Norte, no dia 3 de julho de 1926 e, na madrugada deste sábado, dia 3 de abril de 2021, veio à óbito por complicações da Covid-19.

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