O advogado Djalma Pinto, com longa trajetória na vida acadêmica e no Direito Eleitoral, definiu como ‘Degola’ a ameaça de cassação dos mandatos de deputados de oposição no Ceará. Djalma faz referência às deputadas estaduais Dra. Silvana e Marta Gonçalves e aos deputados estaduais Carmelo Neto e Pastor Alcides, integrantes da bancada do PL na Assembleia Legislativa.

O PL responde a uma ação movida pelo Ministério Pública Eleitoral por fraude na cota de gênero. O processo, que teve a votação suspensa no Pleno do TRE, recebeu quatro votos favoráveis pela anulação dos votos e cassação de mandatos dos parlamentares do PL. Dois votos são contrários à cassação. Entre os julgadores, falta apenas o voto do desembargador Inácio Cortez, presidente do TRE.

Segundo o jurista Djalma Pinto, ‘’A ameaça de cassação dos mandatos dos candidatos de oposição, no Ceará, acabará por reeditar o sistema de Degola, que prevaleceu na Velha República de 1889 a 1930, sendo uma das causas da Revolução de 30 devido a supressão do mandato de deputados federais de Minas e da Paraíba’’.

Djalma, em seu artigo, que você pode ler, aqui, nesta página, destaca o texto do relator desembargador Raimundo Nonato Silva Santos que ‘demonstrou ser injustificada a cassação, com base em um único depoimento, prestado em juízo por uma das candidatas, por ser contraditório e insuficiente para respaldar a supressão de mandato de todos os parlamentares de uma agremiação’. Abaixo, íntegra do artigo de Djalma Pinto.

Oposição “degolada” no Ceará *Djalma Pinto

A ameaça de cassação dos mandatos dos candidatos de oposição, no Ceará, acabará por reeditar o sistema de Degola, que prevaleceu na Velha República de 1889 a 1930, sendo uma das causas da Revolução de 30 devido a supressão do mandato de deputados federais de Minas e da Paraíba.

No sistema de “Degola”, os parlamentares de oposição, mesmo eleitos pelo povo, eram submetidos a uma Comissão de Verificação de Poderes para análise de regularidade de sua investidura. Isso permitia que os opositores aos governantes estaduais fossem “degolados”. Ou seja, impedidos de exercer o mandato outorgado pelo povo.


No livro, Coronelismo, Enxada e Voto, assinala o festejado Victor Nunes Leal, ex-Ministro do STF nomeado por Juscelino: “[…] o número de votos depositados nas urnas era de pouca significação no reconhecimento, desde que houvesse interesse político em conservar ou afastar um representante.”

(LEAL, 2012:114). José Maria Bello é mais cáustico: “[…] desprezava-se previamente qualquer indício de vitória eleitoral das oposições nos Estados; os candidatos apresentados pelos governos locais eram automaticamente reconhecidos. A velha comédia das eleições democráticas no Brasil recebia a sua consagração oficial…” (BELLO, 1972:167).


No Ceará, a sessão do TRE, disponibilizada no Youtube, mostra o voto do Desembargador Raimundo Nonato, deixando bem claro a total ausência de fraude, de vontade deliberada para comprometer a cota de gênero, inclusive, por inexistir “um padrão de comportamento do partido em benefício de um dos gêneros em detrimento de outro”, como exige a jurisprudência pacificada na Corte para a configuração dessa fraude (Rec.El. 0600406.50.2020.6.06.0048, Dje,01.10.2021).


Demonstrou o Corregedor Eleitoral ser injustificada a cassação, com base em um único depoimento, prestado em juízo por uma das candidatas, por ser contraditório e insuficiente para respaldar a supressão de mandato de todos os parlamentares de uma agremiação. Guardadas as proporções, se prevalecer a cassação das deputadas e deputados cearenses, ter-se-á um caso típico de “Degola na Nova República”.
Com o espantoso paradoxo de uma norma, editada para proteção e estímulo ao ingresso de pessoas do sexo feminino na política, ser invocada para cassar mulheres, muito bem votadas, que integram a oposição. Sem falar na ofensa à razoabilidade e à proporcionalidade, princípios de observância obrigatória no Direito Eleitoral.

As mulheres serão afastadas para que suas cadeiras sejam ocupadas por homens. Sim, homens cujo excesso de protagonismo, na política, motivou a criação de “cotas” para garantir a presença do gênero feminino no Parlamento. Enfim, mulheres, que contribuíram com mais de 40% dos sufrágios obtidos pelo partido (204.608 votos), serão “degoladas”, cedendo seus lugares, no parlamento, para candidatos que não receberam o aval dos eleitores. É o machismo preponderando, fundamentado na “proteção da mulher para estimulá-la” a ocupar espaço na representação popular.

*Advogado, Mestre em Ciência Política e autor de diversos livros