O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz ser “muito cedo” para falar em candidaturas ao Planalto em 2018, porém considera que hoje “o novo” no cenário político é representado por figuras como o prefeito paulistano, João Doria, e o apresentador de TV Luciano Huck.
FHC diz que o peemedebista “entendeu que o papel dele ou é histórico ou é nenhum”.
O tucano foi menos cruel do que em dezembro, quando ressaltou aquela que talvez seja a mais precisa definição da gestão Temer, chamada por ele de “uma pinguela”.
A imagem da ponte frágil colou, mas FHC afirma agora que o presidente tem mostrado “mão firme no leme”.
Sobre a sucessão de Temer, tema abordado rapidamente na entrevista que concedeu por telefone na quinta (4), FHC alterna cautela a insinuações de entrelinhas.
Doria surge naturalmente na conversa, já que é estrela emergente no PSDB por ter alta popularidade e não estar associado à Operação Lava Jato como seu padrinho político, o governador Geraldo Alckmin (SP), ou o senador Aécio Neves (MG).
Citados em delações, os até então presidenciáveis do tucanato viram suas intenções de voto derreterem. O PSDB também perde pela associação ao impopular Temer.
Já o nome de Huck, amigo de FHC, foi semeado pelo ex-presidente de forma quase fortuita. Se ele o fez para germinar ou para dividir atenção com o prefeito paulistano, o tempo dirá.
O apresentador da Globo já disse que está na hora de “sua geração” chegar ao poder, mas não confirma pretensões eleitorais e até aqui não está filiado a nenhuma agremiação –foi sondado pelo Partido Novo, sigla neófita em pleitos nacionais.
Num cenário ampliado da mais recente pesquisa do Datafolha com inúmeros candidatos, inclusive dos mesmos partidos, Huck aparece com 3%, e Doria, 5%. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera esse e outros cenários de primeiro turno.
O tucano teceu também considerações sobre a necessidade de reformas como a da Previdência, objeto de acalorada discussão no Congresso, e falou de política.
Também destoando da avaliação geral de que as lideranças políticas tradicionais estão em sua maioria liquidadas pelas denúncias de corrupção e caixa dois presentes nas delações da Lava Jato, FHC lembra que a eleição presidencial de 2018 “é só daqui a um ano meio”.
Há seis meses, o sr. definiu o governo Temer como uma pinguela. Qual sua avaliação do estado dela neste momento?
Fernando Henrique Cardoso – Bom, não é a primeira pinguela que eu atravesso (risos). Eu fui, afinal, ministro da Fazenda de Itamar Franco [1992-94], uma época muito conturbada. Então, para colocar de forma elegante, considero esse um governo de transição. É preciso ter a mão firme no leme. Temer tem dado sinais disso.
Por exemplo?
A mudança da legislação trabalhista [ainda em discussão no Congresso] é um exemplo. Eu sempre achei que seria impossível acabar com o imposto sindical obrigatório. Era algo que parecia inabalável.
Há uma pressão enorme por causa disso agora, como a tentativa de greve geral mostrou.
Sim. Mas um país moderno precisa de sindicatos fortes, e é isso que a nova legislação privilegia. O fato é que quando o sindicato é forte, organizado, ele tem sua expressividade de forma natural. É assim também no lado patronal. O fim do imposto como ele é hoje atinge esses inúmeros sindicatos fantasmas. O fato é que o governo tem feito avanços significativos em várias áreas.
O que não está bom?
A reforma política, para meu gosto, poderia ser mais rápida. A questão é outra. O Temer entendeu que o papel dele ou é histórico ou é nenhum. A sua força está no Congresso, que está numa circunstância muito difícil devido à questão da Lava Jato. Todos, a oposição, o PT, o meu partido, foram atingidos. Mas o balanço é positivo. Veja, o governo vive uma crise herdada, assumindo uma massa falida. Às vezes, ele não tem tempo de se beneficiar dos avanços. Às vezes, tem. Vamos ver.
O sr. faz algum paralelo entre a resistência atual dos sindicatos às reformas e a greve dos petroleiros de 1995 [quando FHC derrotou o movimento contrário ao fim do monopólio da Petrobras no setor inclusive ocupando refinarias com o Exército]?
Ali, como agora, ou eu ganhava ou eu perdia. Há outros fatores também. O mercado não entende o Congresso, e o Congresso não entende o mercado. São tempos diferentes, expectativas diferentes. Os brasileiros estão inquietos, mas a questão é que se não fizermos nada, o país vai virar a Grécia, vai virar o Rio de Janeiro.
O governo enviou um projeto mais duro para poder negociar, mas a impressão é de que a cada grito de setores atingidos há um recuo. O que o sr. acha?
Pois é. O recuo às vezes é ou não justificado. Sempre há risco de perder, mas o ponto é que tudo vira crise. O problema maior, na minha opinião, é a impressão de que possam ser mantidos privilégios.
Houve defeito na comunicação do governo sobre as reformas?
Não tenho dúvida. Mas ainda há tempo de explicar que o texto a ser votado não é aquele texto inicial [enviado pelo governo e modificado ao ser aprovado semana passada na comissão especial que o analisou], que tinha pontos injustificáveis, como no aumento do tempo para aposentadoria rural.
O governo é impopular, e aparentemente isso é fator central para a impopularidade dos presidenciáveis do seu partido, além de, naturalmente, as delações na Lava Jato. O PSDB errou em entrar no governo?
Não. Era inevitável a entrada. Se não entrássemos, seríamos acusados de irresponsabilidade. Seríamos criticados de qualquer modo, mesmo se ficássemos de fora. Sempre há um preço a pagar. Eu posso, de toda maneira, fazer um comentário quase cínico: a eleição é só daqui a um ano e meio. Isso não significa que vamos apoiar, como partido político, ou fazer uma reforma qualquer. Não faremos. Por exemplo, a proposta de um deputado do meu partido [Nilson Leitão, do Mato Grosso] de mexer com as relações trabalhistas rurais, aquilo é uma loucura [a ideia aventada permite algo que críticos chamam de trabalho escravo legalizado, com pagamento na forma de alimentação e estadia]. Não pode ser assim.
Sobre 2018, como o sr. vê o quadro fragmentado atual, com lideranças tradicionais esvaziadas e a emergência de nomes pouco convencionais, como o do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ)?
Infelizmente, os partidos são muito descolados dos interesses da sociedade brasileira. As pessoas vão votar, no fim, em figuras que encarnem seus interesses. A sociedade contemporânea é muito fragmentada.
E Lula? Como o sr. lê o crescimento do apoio a ele, apontado pelo Datafolha [em todos os cenários de primeiro turno, o ex-presidente petista lidera a corrida presidencial]?
O Lula crescer eu achei um pouco estranho. Novamente, falando nas figuras: o PT virou o Lula. Isso é ruim para ele, é ruim para o partido. E o Lula perdeu a classe média e o pessoal do dinheiro, isso não volta mais. A credibilidade está muito arranhada. Fora isso, nós temos de pensar que ainda haverá a pressão da campanha, os temas da campanha, se ele for candidato e se chegar ao segundo turno.
A Lava Jato atingiu duramente nomes fortes do PSDB, e hoje a impressão é de que todos no partido olham para João Doria como uma espécie de tábua de salvação. Ele é uma incógnita?
É. Mas veja: o PSDB, ao contrário do que dizem, sempre teve muitos quadros. Sempre tivemos três, quatro possíveis candidatos. A questão é que o sistema político brasileiro não favorece a formação de líderes nacionais. Fora de campanhas, quem aparecia nacionalmente? O ex-presidente, o presidente e um ou outro candidato a presidente. Quando alguém chamava atenção? Só os mais bizarros conseguiam. Isso agora mudou, está mudando. O Doria está fora [desse esquema anterior], o Luciano Huck está fora. Eles são o novo porque não estão sendo propelidos pelas forças de sempre. Temos de ver como isso se desenrola. Eu hoje acho cedo perguntar quem vai ser candidato. Temos de ver como o processo anda, como a sociedade está absorvendo todo o impacto da Lava Jato.
Com informações Folha de São Paulo