Na madrugada do dia 12 de março de 2022, exatos sete dias após o meu parto, minha neném estava dormindo, chorando muito; então, tirei ela do carrinho e peguei no colo para acalmá-la. Quando olhei para o rostinho dela, percebi que estava babando sobre o olhinho dela e pensei: “Meu Deus, que loucura”.
Com a neném no colo, fui até o meu closet, onde tinha um banquinho para sentar e evitar babar nela, mas, no caminho, tropecei. Perdi a força na perna esquerda, mas, ainda assim, continuei andando. Cheguei ao banquinho, sentei e dei colo para ela de novo, mas, ao me aproximar, babava novamente. Na minha cabeça, o que eu sentia era só cansaço, afinal, estava nos primeiros dias com a bebê e com uma rotina de privação de sono.
Fui até o quarto dela para sentar na poltrona, que era mais confortável. No caminho, perdi a força do lado esquerdo novamente, mas me apoiei do lado direito e continuei andando. Não conseguia refletir sobre o que estava acontecendo, só conseguia pensar na minha neném. Acreditava que era algo natural do cansaço no puerpério, apesar de ser minha segunda filha. Na época, meu filho, Francisco, estava com 6 anos.
Os médicos me avaliaram e disseram que tudo estava bem, mas eu sabia que não estava. Ainda assim, confiei no diagnóstico e fui para casa. Mas as dores de cabeça começaram a ficar intensas. Meu marido ajudou muito nesses momentos, porque eu tinha crises de dor tão fortes que qualquer ruído, até a respiração das crianças, aumentava minha dor. Ele tirava as crianças de perto e cuidava delas, porque era insuportável.
Na segunda ida ao hospital, a ginecologista que me atendeu, fez uma análise da minha barriga, olhou os exames da minha última consulta, solicitou exame de sangue e pediu uma avaliação do neurologista. Fiz testes de força nos braços e pernas, além de movimentação do rosto e também de fala.
Segundos depois, refizeram os testes, solicitaram outro exame e quando saí da sala já havia dois enfermeiros me aguardando com uma maca, para me levar à uma ressonância de crânio de urgência.
“Eu não sabia sequer o que era um AVC.”
Ao sair da sala da ressonância, passaram a conectar vários fios e instalaram um monitor em mim. O diagnóstico veio após algumas horas: AVC hemorrágico. O médico informou que eu precisaria ficar internada por algum tempo na UTI. Eu não sabia sequer o que era um AVC e ir para a UTI era uma realidade que nunca passou pela minha cabeça.
No segundo dia, uma nova ressonância do crânio e, para a minha tristeza, dois novos AVCs. Um deles tomando quase 1/4 do lado direito do crânio. O médico veio me explicar novamente a gravidade do meu estado de saúde e as possíveis consequências, mas eu já não ouvia e entendia nada. Tentava manter o pensamento positivo, somente.
Ao longo dos dias, recebia remédio na veia para controlar a pressão do crânio e também para a dor de cabeça. Nada coincidia com um AVC, sendo eu tão jovem e com bons hábitos de vida. Todos os dias, eu também fazia uma nova ressonância para avaliar os AVCs e até hoje carrego essas marcas no corpo.
Os dias se passavam e eu continuava restrita à cama. Usava fraldas, já que não podia ir ao banheiro, e tomava banho na maca com lenços.
Quando fui liberada para andar, não conseguia ficar em pé. Minhas pernas tremiam, perdia a força e eu caia em cima de quem estava ao meu lado. Era desesperador. Todos os dias chorava de saudade, de medo de não ver mais meus filhos e marido.
Aos poucos fui melhorando clinicamente. A fala voltou, as pernas firmaram mais, passei a fazer caminhadas no corredor com a fisioterapeuta. Com isso, chegaram à conclusão de que se tratava da síndrome da vasoconstrição cerebral reversível, pois eu estava melhorando e, se fosse uma infecção, eu não melhoraria sem antibióticos.
Tal síndrome é rara, acontece somente no pós-parto, causa dor de cabeça enlouquecedora e AVC, no entanto, depois de um tempo, se reverte. Treze dias após a internação recebi a notícia da alta. A experiência me afetou profundamente.
Minha filha, ainda recém-nascida, ficou muito apegada à minha mãe e ao meu marido, que cuidaram dela enquanto eu estava internada. Quando ela precisa de conforto, é o papai que ela chama. Eu sou a mãe, ela me ama, mas o vínculo dos primeiros dias foi impactado.
Além disso, não tive uma licença maternidade tranquila, não consegui curtir os primeiros meses com ela. Tinha que levá-la ao hospital para minhas consultas e fisioterapia, mas fiz questão de estar ao lado dela. Mesmo doente, amamentei exclusivamente no peito; não era uma opção dar fórmula.
Minha família viveu esse período crítico comigo. Enquanto estive internada, eles cuidaram das crianças e da casa. Minha cunhada, que também amamentava, chegou a amamentar minha filha algumas vezes, para que ela não perdesse o estímulo de sucção, já que eu queria muito voltar a amamentar.
Sinto que adquiri uma nova personalidade. Minha saúde mudou porque decidi cuidar dela de forma rigorosa. Hoje, sigo uma dieta, faço muita atividade física, bebo água, procuro o médico sempre que sinto algo. Quero ver meus filhos crescerem, estar bem para acompanhá-los. A Daniela de hoje não é a mesma de antes dos AVCs.
O maior desafio na recuperação foi mental, porque quase não tive sequelas físicas. Mas, mentalmente, enfrento várias dificuldades até hoje. Acredito que as pessoas não entendem que sequelas mentais são complexas, mesmo que pareçam invisíveis. Estou mais lenta e vou de um extremo emocional ao outro rapidamente. Às vezes, não tenho o freio que as pessoas costumam ter para segurar o que vão dizer ou fazer. É muito difícil conversar com as pessoas e não conseguir me expressar como gostaria.
Para todas as mulheres que passaram ou estão passando por um pós-parto, eu digo: se sentir dor ao se movimentar ou dificuldade de mexer as pernas, vá ao hospital e exija exames.
O AVC não é só uma doença de idosos, ele pode ocorrer em qualquer idade.
Muitas vezes, a pessoa que está sofrendo não consegue identificar o que está acontecendo, então é importante que todos conheçam os sinais de um AVC. Salvamos vidas cuidando uns dos outros.
(*)Com informação do site Terra