A cada minuto do ano passado, três pessoas, em média, receberam atendimento especializado em São Paulo para problemas relacionados a drogas, conforme registros federais. Mesmo assim, o atendimento caiu 15,3% em relação ao ano anterior – embora não existam indícios de redução no consumo de drogas, como mostra a situação atual da Cracolândia. Trata-se de um reflexo da restrição orçamentária – este ano, a área de saúde mental terá R$ 1,2 bilhão da União, ante R$ 1,37 bilhão repassados há três anos.
Em 2015, o Sistema Único de Saúde (SUS) relatou 3.819.947 atendimentos especializados no País. Ano passado, o número geral caiu 5%, para 3.627.826 (quase 7 por minuto). No Estado de São Paulo, a queda foi mais expressiva: de 1.856.369 procedimentos para 1.571.491 no mesmo período. Com menos recursos, a rede também não cresce. Consultórios de rua, considerados uma ferramenta importante para ter acesso a dependentes, não tiveram a expansão desejada. Atualmente, existem no País 104 unidades em funcionamento – 2 a menos do que em 2016.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que uma leve redução no número de procedimentos entre um ano e outro não significa diminuição na assistência de pacientes. “O plano brasileiro para saúde mental não conseguiu ser ainda implementado nos municípios de forma plena”, afirma o consultor de saúde mental da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) Daniel Elia. “Há ainda um longo caminho a percorrer.”
Ele reconhece que o modelo brasileiro, na teoria, é um exemplo no cenário internacional. Para a ONU, uma das melhores estratégias é a que oferece para dependentes de drogas um cuidado permanente, sem fragmentação. Uma política, completa, que está presente nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Ele elogia ainda as unidades de acolhimento para adultos, serviços que oferecem residência temporária para dependentes em situação de rua.
Internação. Marcelo Nagy, de 33 anos, procurou espontaneamente ajuda nesta sexta-feira, 2, no Caps inaugurado há dez dias pela Prefeitura de São Paulo na antiga Cracolândia, no centro da capital paulista. Paulistano de classe media, ele começou com maconha e cocaína aos 20 anos e, há dois, se afundou no crack com a ex-namorada.
O pedido de socorro tem uma única razão hoje. “Meu filho está com 9 meses, logo começa a andar e falar, não quero que ele me veja assim”, conta. O garoto nasceu no ano passado com sífilis e problemas respiratórios, após mais uma noite de delírio do casal em uma cracolândia que fica na Radial Leste.
“Ela (ex-namorada) começou a ter contração e se jogou na avenida de tanta dor. A sorte foi que um cara parou e levou a gente para o hospital.” Por causa do vício, conta Nagy, o menino ficou sob a guarda do Estado por cinco meses e hoje mora com a avó em Mongaguá, no litoral sul de São Paulo.
Elia alerta, porém, que a ideia de que somente a internação pode resolver os problemas é em parte reflexo de um sistema de atendimento que ainda é frágil. “Na medida em que não há uma plena assistência, a internação pode parecer a solução mais fácil.” Ele observa, no entanto, que a medida não resolve. “Tem função dentro do tratamento. Mas não vai ser salvação.”
O consultor considera haver determinantes sociais importantes, como pobreza e violência, que dificultam o trabalho. Elia está convicto, no entanto, que mesmo com o sistema de saúde mental em pleno funcionamento, com número adequado de centros de atendimento, a solução não virá em um curto prazo. “É necessário um esforço intersetorial. Não apenas políticas de saúde, assistência social, moradia, trabalho”, completou.
Com informações O Estado de São Paulo