A última vez que o salário do mês entrou na conta do encarregado de obra Diego Alves de Farias, de 28 anos, foi no dia 20 de novembro. Naquela data, a empreiteira na qual trabalha depositou R$ 720, o adiantamento de novembro, que corresponde a 40% do salário. “De lá para cá não pagaram mais nada: nem salário do mês, 13.º, vale-transporte, tíquete-refeição”, conta. A empresa, segundo Farias, alega que não tem obras e o mandou ficar em casa.
No fim do ano, Farias, pai de duas filhas, com quatro e cinco anos de idade, deu um jeito. “Fiz uns bicos de pintura e manutenção e comprei uma bonequinha para cada uma, não deixei passar o Natal em branco.” A festa de Natal, normalmente com amigos e familiares que ocorria na sua casa, não houve. Desta vez, ele foi para casa de um amigo.
No ano novo não foi diferente. Farias não teve condições de alugar uma quitinete na praia para passar uns dias com a família, como sempre fazia. Acabou indo comemorar a virada na casa da cunhada. “Foi a primeira vez que não recebi o 13.º salário desde que comecei a trabalhar registrado. Isso faz 15 anos.”
O aperto pelo qual o encarregado de obra passa é o efeito dominó da situação crítica em setores chaves da economia. Na construção civil, no comércio e na metalurgia, nunca houve um número tão grande de empresas, a maioria de pequeno porte, que viraram o ano sem quitar integralmente o 13.º salário dos funcionários.
“Este foi o ano que começamos com mais atrasos no pagamento do 13.º”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo, Antonio de Sousa Ramalho. Um levantamento feito pela entidade mostra que 2.150 empresas do setor, de um universo de 27 mil, não pagaram integralmente o 13.º salário de 2016. Em 2015, 87 companhias estavam nessa condição.
Ramalho explica que nas mais de 2 mil empresas devedoras estão incluídas aquelas que não pagaram o 13.º ou parcelaram e atrasaram a quitação do benefício acertado com os trabalhadores. “Vamos mover ação contra essas empresas.” Nas contas do sindicalista, o atraso afetou 30 mil trabalhadores da construção civil da Grande São Paulo. Eles viraram o ano sem receber os vencimentos.
Bomba natalina. Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, diz que os indícios de que o ano não terminaria bem apareceram em dezembro, quando a média diária de homologações no sindicato de trabalhadores dispensados, com mais de um ano de casa, aumentou muito. “Fiquei surpreso com dezembro, foi uma bomba natalina”, diz ele. Patah faz referência ao grande número de homologações ocorridas naquele mês. Elas atingiram 6 mil trabalhadores num período que tradicionalmente o comércio não dispensa funcionários por causa do Natal.
Na sequência desse resultado ruim do emprego no comércio no fim de 2016, o sindicato contabilizou mais 200 empresas denunciadas pelos trabalhadores neste início de ano porque não pagaram integralmente o 13.º salário. “E esse número pode ser maior”, calcula Patah.
Ele destaca que, nos últimos anos, a quantidade de varejistas que não honrava integralmente as obrigações passava despercebida, de tão pequena. Mas, em 2016, esse quadro mudou e, nas suas contas, cerca de 2 mil trabalhadores do comércio paulistano teriam sido afetados pela falta de pagamento integral do 13.º.
O ano também começou ruim para os metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes. “Neste início de ano é bem maior o número de empresas que não pagaram o 13.º integralmente”, afirma o presidente do sindicato, Miguel Torres. Um levantamento da entidade, com base nas reclamações feitas pelos trabalhadores, mostra que 60 empresas deixaram de fazer o pagamento integral, um número bem maior que o registrado nos anos anteriores. Isso prejudicou cerca de 1,3 mil pessoas.
Empresas menores. As pequenas e microempresas, que são os maiores empregadores do País, são as que mais enfrentam dificuldades para pagar o 13.º salário dos trabalhadores, por conta da recessão, segundo relatos dos sindicatos de trabalhadores nas metalúrgicas, no comércio e nas empresas de construção civil. Esse problema já tinha sido captado pelas duas últimas pesquisas do Sindicato da Micro e Pequena Indústria no Estado de São Paulo (Simpi).
Em novembro, 45% das pequenas e microindústrias achava que teria maior dificuldade para pagar o 13.º salário em 2016 em relação ao ano anterior, e mais da metade delas (57%) se viam muito prejudicadas pela crise e com risco de fechar, apontou a pesquisa do Simpi. E a percepção desses empresários se confirmou no mês seguinte. Na pesquisa de dezembro, com mais de 300 empresas, 19% deixaram de pagar as despesas do mês. Em dezembro de 2014 e 2015, essa fatia tinha sido de 15%.
“Me arrisco a dizer que o volume de pequenas e microempresas que estão devendo o 13° hoje nunca esteve tão alto”, diz o presidente do Simpi, Joseph Couri. Ele relata que as pequenas e microempresas são as que mais sofrem com a falta de capital de giro. “Hoje ninguém paga ninguém e falta crédito. Enquanto o acesso ao crédito não for destravado, o emprego não vai aumentar.”
A pesquisa dezembro do Simpi revela que 49% das empresas sofreram calote em dezembro, e 10% pretendem demitir este mês. Em dezembro, 43% das empresas consideraram o seu faturamento péssimo ou ruim. Um resultado que destoa é que 55% acham que 2017 será melhor do que 2016. “Mas essa melhora é uma torcida”, diz Couri.
Fonte Estadão Conteúdo