O empréstimo consignado com garantia do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) está travado no setor financeiro, mesmo tendo sido lançado com alarde pelo Governo e pela Caixa Econômica Federal (CEF).
Grandes bancos, principalmente os privados, questionam as cobranças de taxas e os custos impostos pela Caixa para que outras instituições possam bloquear o dinheiro do trabalhador e oferecer esse tipo de crédito. O banco público lançou o produto nessa quarta-feira, 26 e, mantidas as atuais condições, complica a entrada dos demais bancos nesse nova modalidade de empréstimo.
Pela regra que desagradou ao mercado, a Caixa, que administra o FGTS, cobrará R$ 4.500 por mês das instituições concorrentes que quiserem acessar o sistema para oferecer a nova linha de consignado, segundo executivo do mercado financeiro que preferiu não se identificar.
A mensalidade daria direito a realizar 600 consultas aos dados das contas dos trabalhadores e outras 400 averbações (o bloqueio do valor) ou o total de 800 operações completas de concessão de crédito nessa modalidade. O custo por crédito concedido ficaria em R$ 5,60, bem acima da média de R$ 2 por operação hoje no mercado.
Caso o banco ultrapasse os 800 empréstimos por mês, precisará pagar R$ 10 por operação (entre consulta e bloqueio dos recursos). Nas outras modalidades de consignado que não incluem o uso do FGTS, o processo de averbação é necessário para evitar que o trabalhador comprometa um percentual maior da renda com empréstimo que o permitido por lei.
Além de questionar o custo elevado, os concorrentes da Caixa reclamam também que a escala (usar mais vezes o serviço) encarece o produto em vez de torná-lo mais barato.
A percepção das instituições financeiras é que a diferença entre a tarifa praticada hoje pelo mercado e o custo cobrado pela Caixa pode tirar a competitividade do produto e limitar a queda da taxa de juros dessa linha. Isso inviabilizaria o principal objetivo do uso do FGTS como garantia ao empréstimo.
Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander vão negociar com a Caixa na Febraban (federação dos bancos) na tentativa de conseguir tarifas mais competitivas. A pauta deve ser debatida em encontro nesta quinta-feira, 27.
A Caixa nega que seus concorrentes tenham criticado o custo para acesso ao FGTS. “Todas as manifestações, até então, ratificaram a assertividade do novo modelo face às necessidades operacionais dos bancos interessados em oferecer este novo produto”, disse o banco em nota.
Procurados, os grandes bancos disseram que planejam oferecer o produto, mas estão em fase de adaptação tecnológica. A exceção é o Santander, que afirma ter realizado testes nos últimos anos, mesmo sem a garantia da Caixa. O crédito consignado com garantia do FGTS foi criado por MP (medida provisória) no fim do governo Dilma Rousseff (PT), em 2016.
O produto visava estimular a concessão de empréstimos a taxas mais baixas em um período em que a economia já tinha desempenho negativo. O consignado é uma das linhas de crédito mais baratas do sistema financeiro porque permite o desconto das parcelas diretamente do salário do trabalhador.
No setor privado, o risco de demissão e a alta rotatividade sempre mantiveram as taxas médias em patamares mais elevados do que as cobradas de servidores públicos e beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A lei estabeleceu que o trabalhador pode dar em garantia do empréstimo até 10% do saldo do FGTS ou 100% do valor da multa rescisória, caso seja demitido sem justa causa.
Com o instrumento, o governo pretendia dar às instituições financeiras instrumentos para reduzir a taxa de juros cobrada dos trabalhadores, minimizando o risco relacionado à demissão. O sistema ajudaria também a elevar o montante concedido pelos bancos a esse segmento de trabalhadores. Hoje, o consignado do setor privado representa cerca de 10% do volume emprestado aos servidores públicos.
Mesmo virando lei, a linha não deslanchou porque dependia da Caixa adaptar o sistema do FGTS para que o saldo fosse bloqueado e a garantia passasse a ser efetiva, o que só passou a ocorrer agora.
Bancos também criticaram, nos bastidores, a resistência da Caixa em investir nesse sistema, que entra no ar dois anos após a criação da linha de crédito, e reclamam por terem ficado de mãos atadas por não conseguirem oferecer o produto com o qual tinham interesse em trabalhar.
Há ainda a queixa antiga dos grandes bancos contra o monopólio que a Caixa detém sobre o bilionário FGTS desde os anos 1990. Os depósitos de dinheiro dos trabalhadores no FGTS somavam, no fim de 2017, R$ 383,7 bilhões, que ficam sob a gestão da Caixa.
Além disso, há ainda o controle do governo sobre o conselho curador do FGTS, que é quem decide como os recursos serão investidos. Os recursos do fundo são geralmente destinados a obras de saneamento e habitação.
Apesar da demora da Caixa, o governo afirma que faltava também fixar o juro máximo que poderia ser cobrado na linha, assim como ocorre nas outras modalidades de consignado.
O percentual foi estabelecido em agosto em 3,5% ao mês, acima dos 2,08% máximos que podem ser cobrados de beneficiários do INSS —a taxa Selic está em 6,50% ao ano.
A Caixa lançou oficialmente a linha de crédito na noite desta quarta em cerimônia no Palácio do Planalto, apesar de desencontro de informações entre o Ministério do Trabalho e o banco público na véspera.
A Caixa ainda trabalhava em ajustes técnicos e não teria condições de oferecer o crédito na rede de agências de imediato, como havia anunciado o ministério.
A primeira contratação, segundo o governo, foi efetivada no Planalto, durante a cerimônia, fora do horário de expediente bancário.
No lançamento, a Caixa afirmou que a linha de crédito ficou disponível a 36,9 milhões de trabalhadores. O Ministério do Trabalho calcula concessão de mais R$ 126 bilhões com o uso do instrumento.
Para acessar essa modalidade, no entanto, é preciso que o banco tenha um convênio firmado com empregadores, para o desconto do empréstimo do salário.
“Esse trabalho que a Caixa Econômica está fazendo, com os Ministérios do Trabalho e da Fazenda em favor do trabalhador tem também uma vertente econômica. Isso significa a circulação do dinheiro, e é isso que ajuda a economia nacional”, disse o presidente Michel Temer.
Como vai funcionar o consignado com FGTS
– O trabalhador poderá dar em garantia 10% do saldo do FGTS ou 100% do valor da multa rescisória, paga em caso de demissão sem justa causa;
– Para contratar a linha, o trabalhador precisa estar empregado em uma empresa que tenha convênio com um banco que ofereça o crédito;
– O valor das prestações do consignado é descontado mensalmente do salário;
– Em caso de demissão, o banco pode bloquear o valor para quitar o empréstimo e evitar um calote;
– 3,5% ao mês é a taxa máxima que os bancos podem cobrar na linha.
Com informações do Jornal Folha de São Paulo