Depois de 15 anos trabalhando com carteira assinada, Edivânia de Jesus dos Anjos, de 38 anos, perdeu o emprego no começo da pandemia, em 2020. Como a empresa demorou a dar baixa no seu registro profissional, ela ficou sem a renda do trabalho e sem acesso ao Cadastro Único, porta de entrada para benefícios sociais do governo. Há seis meses, conseguiu regularizar a situação e começou a receber o Auxílio Brasil de R$ 600.
No governo Lula, o benefício voltou a ter o nome de Bolsa Família e foi acrescido de novos valores de acordo com a composição familiar. Com ele, Edivânia sustenta a casa com dois filhos enquanto tenta empreender em Santa Luzia, região de ocupação irregular em Brasília, onde mora. Neste mês, passou a receber mais R$ 150 por causa do filho de 10 meses, Roni:
— Esse dinheiro extra ajuda, mas é para fralda. Meu sonho é não precisar mais (do Bolsa Família). Nunca recebi nada, mas quando me vi sem opções, fui atrás da assistência social — conta.
É por esse adicional de R$ 150 pago a famílias com crianças de até seis anos que economistas projetam um forte impacto positivo do Bolsa Família sobre uma das principais bandeiras de campanha do presidente Lula, a redução da pobreza. E também estimam um aumento maior que o anteriormente previsto na renda, elevando o consumo e evitando uma desaceleração maior da economia em 2023.
O economista Daniel Duque, do Ibre/FGV, explica que, no terceiro trimestre de 2022, último dado disponível pelo IBGE, o Brasil tinha 12,47 milhões de brasileiros na pobreza extrema (renda de até R$ 208 mensais por pessoa do domicílio).
Se o novo o Bolsa Família já estivesse em vigor, pelas suas contas, haveria 3 milhões a menos nessa condição. Por isso, ele estima que, neste ano, esse contingente vai recuar para 9,46 milhões de pessoas.
— Com o desenho atual, de R$ 600 por família e R$ 150 por criança, dá para esperar bastante melhora (na redução da pobreza) — diz.
A XP estima que o Bolsa Família terá uma forte influência sobre a massa de renda disponível às famílias. Em relatório da corretora antecipado ao GLOBO com exclusividade, os economistas Rodolfo Margato e Tiago Sbardelotto projetam crescimento de 3,5% do indicador neste ano. Desses 3,5%, 1,4 ponto percentual corresponde à ampliação das transferências com proteção social, no caso o Bolsa Família.
Margato destaca que ele deve ganhar protagonismo em relação a outros programas de assistência social, com forte influência sobre o consumo, importante motor para o avanço do PIB. Com isso, os economistas estimam crescimento 1% da economia em 2023.
— Neste ano, as transferências de renda mais volumosas tendem a prover uma sustentação para o consumo e suavizar a desaceleração em curso do gasto das famílias. A variação do consumo das famílias poderia ser até negativa se não fosse o aumento da renda disponível — disse Margato.
O orçamento do Bolsa Família saltará de cerca R$ 100 bilhões em 2022 para R$ 175 bilhões em 2023. A transferência mensal média era de R$ 608 até ano passado e passará a R$ 670 neste mês, distribuídos para aproximadamente 21 milhões de famílias.
O adicional de R$ 150, para 8,9 milhões de crianças menores de 6 anos, passou a valer em março de 2023, e o acréscimo de R$ 50 para aproximadamente 15 milhões de crianças e adolescentes de 7 a 18 anos e gestantes será distribuído a partir de junho.
Foco nas crianças
Ao recalibrar o Bolsa Família privilegiando crianças, o governo do PT quer repetir o sucesso da fórmula de redução da pobreza . O aumento no tíquete médio, que vai para R$ 714 em junho, e a melhora na focalização terão efeitos quase imediatos sobre vulneráveis.
— Tudo indica que a focalização, apesar da manutenção do piso mínimo, vai melhorar e é razoável esperar uma redução da pobreza, já que o tíquete médio de quem é pobre aumenta com os adicionais por criança —avalia Cecília Machado, economista-chefe do banco Bocom BBM.
Francisca Batista de Oliveira Neta, de 18 anos, mora em Santa Luzia com a filha de dois anos. É do Bolsa Família que tira a renda para sustentar a casa — e pagar inclusive a creche, onde deixa a menina para procurar trabalho:
— Os R$ 150 fizeram diferença. Dá uma folga para comprar as coisas da minha filha, principalmente fralda.
Linha de corte maior
Para Cecília Machado, essa elevação poderá ter um efeito potencial de movimentar a economia, porque as famílias mais pobres precisam gastar esse dinheiro para necessidades básicas. Em cidades menores, onde a economia é menos dinâmica, o giro na economia acaba sendo mais importante. Ainda assim, esse efeito depende da condução das políticas fiscal monetária:
—É um balanço complicado, porque temos políticas fiscal e monetária em direções opostas. Mas vem aí também o reajuste do salário mínimo, mais possibilidades de reajustes salariais pela inflação com a queda do desemprego. A economia segue mais resiliente pela alta da massa salarial, que reflete o aumento da transferência de renda.
Também será retomada a cobrança das condicionalidades, como frequência escolar e vacinação.
— No ano passado, eu não era cobrada, mas acho ótima a cobrança. Nesta semana mesmo já levei meu filho para a pesagem e ele está com o cartão de vacinação em dia — diz Edivânia.
A linha de corte para ingresso no Bolsa Família também passará de R$ 210 para R$ 218, o que vai permitir que mais famílias sejam incorporadas ao programa. Só em março, ingressarão quase 700 mil famílias que atendiam os requisitos, mas estavam fora porque não havia espaço no orçamento para pagá-las.
A entrada dessas famílias faz parte de um pente-fino do governo no Cadastro Único, que tem o objetivo de retirar aquelas que não atendem aos critérios do programa. Até agora, foi identificada e removida cerca de 1,5 milhão de famílias.
Na avaliação do pesquisador do Insper Alysson Portella, é por esse ajuste fino que o governo vai conseguir ter ganhos na redução da pobreza.
— Desde a crise de 2014/2015, o desemprego subiu e os salários ficaram estagnados, entramos em outro período de recessão, piorado pela Covid. O Bolsa Família vai tentar socorrer essas pessoas.
A eficiência do novo programa só vai ser mensurada na prática, na avaliação de Marcelo Neri, diretor da FGV Social, quando se determinar quantos vulneráveis serão atingidos e mantidos no programa.
—Um programa mais pró-pobre é socialmente mais efetivo e gera impacto macroeconômico maior, mas a complicação disso tudo é esse piso de R$ 600 vinculado por família — diz Neri, que considera essa uma herança ruim do governo Bolsonaro.
(*)com informação do Jornal Extra