O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) pretende rever a forma como a taxa de desemprego é calculada no País. A declaração, dada por Bolsonaro em entrevista a TV Bandeirantes, nessa segunda-feira, 5, foi criticada por economistas que acompanham os dados de mercado de trabalho. O tema é um dos mais sensíveis na economia, com uma taxa de 11,9% de desemprego, o que significa que 12,4 milhões de pessoas estão em busca de uma oportunidade.
Na mesma entrevista, ele se posicionou em relação a outras pautas econômicas, como a reforma da Previdência, defendendo a medida sem dar detalhes. Bolsonaro criticou a metodologia da taxa de desemprego após ser informado sobre os números recentes, divulgados pelo IBGE. Sem citar o instituto, o futuro presidente disse que o número é “uma farsa”.
“Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil, porque isso daí é uma farsa. Quem, por exemplo, recebe Bolsa Família é tido como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado. Nós temos que ter realmente uma taxa, não de desempregados, uma taxa de empregados no Brasil”.
A taxa de desemprego faz parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que segue as metodologias recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), das Nações Unidas, o que permite que os índices sejam comparáveis com os de outros países. Procurado, o IBGE não comentou a declaração de Bolsonaro.
Simon Schwartzman, presidente do IBGE de 1994 a 1999, afirma que os critérios citados na declaração de Bolsonaro para definir quem está empregado não condizem com os usados na estatística oficial.
“Ele (Bolsonaro) está mal informado. É legítimo o governo levantar a questão, questionar, solicitar estudos, pedir ao instituto que examine sua metodologia e pedir uma proposta de revisão, que deve vir do próprio IBGE. O que não pode é vir uma determinação de cima, impondo como deve ser. Isso tem como consequência a desmoralização e uma descrença nos dados”.
Ele deu como exemplo o que ocorreu na Argentina, em 2006, quando o governo de Néstor Kirchner fez uma intervenção no órgão de pesquisa que causou descrença na taxa de inflação. Depois disso, a revista britânica The Economist deixou de publicar os dados oficiais da Argentina.
Um economista que trabalha com as estatísticas produzidas pelo IBGE explica que em nenhum momento a instituição correu o risco de sofrer interferência. “O IBGE foi criado em 1936, passou pelo Estado Novo e pelo Regime Militar sem nunca ter sofrido qualquer tipo de interferência de um presidente”, disse o economista, que preferiu não se identificar.
Na avaliação de Claudio Considera, ex-diretor de pesquisa do IBGE, mesmo que algum tipo de interferência fosse feita, não há muito como fugir da fórmula da taxa de desemprego. “Existe uma definição de taxa de desemprego. Não tem muito como inventar. Talvez ele esteja pensando em outra forma de medir isso, mas não consigo vislumbrar”.
A metodologia oficial foi atualizada em 2016, quando a Pnad Contínua substituiu a Pesquisa Mensal de Emprego. Ao ser perguntado durante a entrevista sobre críticas a seu governo, Bolsonaro disse que não se preocupa com isso e citou uma possível “renegociação” de dívida, sem dar qualquer explicação sobre o tema.
“Estaria muito preocupado se fosse elogiado por Fernando Henrique Cardoso, que nos botou nessa dívida monstruosa. Foi FHC que, na metade de seu governo de oito anos, botou a Taxa Selic na casa dos 60%. Nós nos endividamos monstruosamente. O próprio Lula, quando assumiu, em 2003, nossa dívida interna era R$ 600 bilhões, pouca coisa, hoje é R$ 3,7 trilhões. Não vou dizer que é impagável, dá pra você pagar isso daí, se você tiver um bom ministro da Economia, como temos o Paulo Guedes, para conduzir essa renegociação de forma bastante responsável, para mostrar a todos no Brasil que estamos no mesmo barco”.
Para Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ e especialista em contas públicas, a declaração do presidente eleito é mais sinal de desinformação do que de interesse em dar um calote. “Renegociação normalmente é um nome pomposo que se dá a moratória. Mas não acho que ele esteja se referindo a isso de jeito nenhum”.
Privatização de empresas
Na entrevista, Bolsonaro afirmou que pretende “privatizar grande parte das estatais (…), mas não abrir mão de todas”. Quando perguntado sobre “estatais estratégicas”, Bolsonaro defendeu que o processo de privatização delas — cujos nomes ele não mencionou — adote o modelo de golden share (ação especial que dá direito a veto em decisões estratégicas), mecanismo já usado na privatização da Vale e da Embraer. Paulo Guedes, futuro ministro da Economia de Bolsonaro, já havia defendido a adoção do modelo.
“Pretendemos fazer em parte das estatais que pretendemos privatizar”, disse o presidente eleito. De acordo com economistas, a estratégia pode aplacar parte das críticas ao programa de privatizações e torná-lo mais palatável à ala militar de sua equipe. “A golden share pode facilitar a aceitação”, afirmou André Perfeito, economista-chefe da corretora Spinelli.
Na entrevista, Bolsonaro indicou que poderia afastar o economista Marcos Cintra da equipe de transição do novo governo. Cintra defende um modelo de imposto sobre transações financeiras que seria usado para custear a Previdência. Ele funcionaria nos moldes da CPMF, comparação que a equipe e o próprio Cintra consideram indevida. Cintra também criticou em artigo outra alternativa de imposto para resolver a questão tributária.
Bolsonaro disse que não admite críticas de dentro de sua equipe e que “quem quiser ser oposição tem que estar fora do meu governo”. Ele reiterou que não recriará a CPMF e criticou Cintra por falar sobre temas que não foram acertados ainda com Guedes. “Esse cara já foi deputado. Está lá na equipe de transição. Já conversei com ele para não falar aquilo que não estiver acertado com o Guedes, comigo”, disse o presidente eleito, completando: “parece que tem certas pessoas, se é verdade a informação, que não podem ver uma lâmpada e se comportam como mariposa. Não pode haver crítica, não interessa quem seja. Não pode um assessor do Paulo Guedes, que ele confia, fazer críticas. Quem critica é oposição”.
Com informações do Jornal O Globo