O Brasil é o país com a maior taxa de juros do cartão de crédito do mundo. No ano passado, segundo levantamento da Proteste com base em dados dos bancos centrais de diversos países, a média anual da taxa do rotativo — aplicada quando se paga o mínimo da fatura do cartão — era de 352,76%, enquanto em países da América Latina não atingia nem 50% ao ano. Já em 2018, considerando os cinco principais bancos do Brasil, a média chega a 231% ao ano, segundo uma pesquisa feita por Filipe Pires, professor do MBA em Finanças do Ibmec. Na Argentina, que fica em segundo lugar no ranking das mais altas taxas do cartão, a média é de 53,20%.
A redução foi consequência de uma norma do Banco Central (BC) que estabeleceu o limite de 30 dias para o rotativo. A partir desse período, as instituições financeiras entram em contato com os clientes para oferecer um parcelamento, que costuma ter juros reduzidos (em média, 154% ao ano). Na opinião de Pires, a mudança foi interessante, já que, antes, o consumidor que tinha uma dívida de mil reais, quando sujeito a juros anuais de 400%, por exemplo, via seu débito se multiplicar para R$ 125 mil ao fim de três anos. Mas a queda ainda não é proporcional à diminuição da inadimplência.
“Nossa taxa é absurdamente cara, comparada a países emergentes ou até do primeiro mundo. Se utilizarmos como parâmetro todas as emissoras de cartão de crédito, a média sobe mais, chegando a 337%”, explica Filipe Pires.
Segundo o professor, mesmo que a taxa básica de juros no Brasil (Selic) esteja estacionada em seu valor mínimo histórico (6,5%), ela ainda é alta, quando comparada à média de economias maduras (0,8%), e torna qualquer crédito mais caro. Outro fator para o Brasil ter taxas tão mais elevadas é que os principais bancos continuam aumentando a Provisão para Devedores Duvidosos (PDD), baseado em um risco elevado do crédito, já que a inadimplência das faturas em aberto chega a 33%.
Além disso, há concentração de quase 80% das operações de crédito no país em cinco grandes bancos, que têm 75% das agências do país . Isso permite o alinhamento das taxas sem nenhuma legislação que estabeleça limites, ao contrário dos Estados Unidos e da Venezuela, por exemplo.
Nos Estados Unidos, há 60 dias de carência — sem correr nenhum juros– e, a partir daí, o sistema americano impõe teto 29,99%. Já no país latino, a taxa máxima do rotativo é de 29%. “Banco é banco, esteja o país em crise ou em plena economia, ele sempre vai lucrar!”, opinou Pires.
Dívida que compromete a família
O diretor executivo do Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Ricardo Vieira, considera incorreto mencionar uma taxa anual depois das novas regras estabelecidas pelo BC para o rotativo do cartão. Ele ainda acredita que a comparação entre o Brasil e outros países não é válida porque são realidades bem diferentes. “Austrália, Peru e Venezuela não têm parcelamento pelo lojista, ou seja, sem juros. No Brasil, essa modalidade equivale a mais de 50% das compras”, argumentou.
Embora os cartões de crédito de nações diferentes sejam produtos distintos, porque estão submetidos a impostos diversos e inseridos em realidades singulares, o diretor executivo de Estudos e Pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel de Oliveira, ratifica que as taxas de juros no Brasil ainda são altas.
Ricardo Vieira defende que, apesar das taxas alcançarem 9,8% ao mês, elas são aplicáveis, e esse patamar se justifica por que os emissores assumem todo o risco da operação, enquanto a única despesa que o comércio tem, proveniente do cartão, é a taxa de credenciamento, que é menor que a de devolução.
Superendividado precisa de ajuda para ter boa renegociação
Cerca de 20,5% das famílias brasileiras têm mais da metade da renda comprometida por dívidas, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) este mês. O levantamento da CNC ainda mostrou que o cartão de crédito representa o principal tipo de dívida para 77,7% dos entrevistados.
Em 2017, as famílias brasileiras gastaram R$1,36 trilhão em compras no cartão, sendo R$ 842,6 bilhões no crédito, segundo a Abecs e o BC.
A partir de momento em que há comprometimento de mais de 30% das receitas com dívidas, segundo o coordenador do Programa de Apoio ao Superendividado do Procon-SP, Diógenes Donizete, a pessoa já começa a ser considerada superendividada, pois o pagamento das contas compromete a manutenção de gastos essenciais, como alimentação, moradia e saúde.
“O superendividado fica emotivo, vulnerável e tende a aceitar propostas absurdas do credor, com juros abusivos. Por isso, é preciso procurar ajuda”, alertou.
Em São Paulo, o Procon tem o Programa de Apoio ao Superendividado que analisa os gastos do devedor, residente na cidade, e encontra um valor de referência para negociação. Já no Rio de Janeiro, a Defensoria Pública tem um Núcleo de Defesa do Consumidor, que oferece aulas de educação financeira, organiza audiências de reconciliação e renegocia dívidas.
Com informações do Jornal Extra