O maior medo da brasileira Vanice é ser deportada dos EUA e deixar para trás o seu filho de 6 anos. Sem parentes no país, ele poderia ser colocado sob a tutela do Estado, uma situação que é rara, mas não impossível. Para se precaver e reduzir sua angústia, Vanice – o nome é fictício – decidiu elaborar um documento que autoriza uma amiga a ficar temporariamente com a criança e levá-la para o Brasil em caso de deportação da mãe.
As novas diretrizes para deportação anunciadas pelo governo de Donald Trump na terça-feira 21 provocaram pânico em comunidades de imigrantes e levaram muitos brasileiros a confrontar questões práticas sobre o destino dos filhos que nasceram no país e são cidadãos americanos. A providência mais imediata é o registro das crianças como brasileiras em um dos dez consulados espalhados pelos EUA. Com a medida, os pais comprovam que o filho tem dupla cidadania e um vínculo com o Brasil. Vanice foi além e consultou advogados para elaborar a procuração que confere os cuidados do filho temporariamente à amiga.
Outras mães que conversaram com o Estado não quiseram se identificar, por estarem em situação irregular nos EUA. “Eu sempre tive medo de ser deportada, mas quando meu filho nasceu o receio ficou muito maior”, disse Cristina A., mãe de um menino de 6 anos que é cidadão americano. “Tinha ataques de pânico quando saía de casa e pensava que poderia não voltar.” Após a vitória de Trump, em novembro, ela começou a fazer terapia a cada 15 dias para controlar o medo.
Cristina disse que o primeiro pensamento que teve com o anúncio das novas diretrizes para deportação foi o de que o seu filho não estava registrado como brasileiro. “Eu não achava que tinha razão para fazer isso, já que não vamos ao Brasil”, disse a mineira, que não pisa no país de origem há 16 anos. Sem documentos, ela agora não tem garantia de que voltará aos EUA caso viaje ao exterior.
Dados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil mostram que 2.406 crianças foram registradas nos consulados desde novembro, quando Trump venceu a eleição, até quarta-feira, dia seguinte à edição das novas diretrizes para deportação, o que representou alta de 7% em relação a igual período de 2016.
Mas o número de registros deve aumentar. “As pessoas estão desesperadas”, disse Juliana Silva, que trabalha no Brazilian American Center em Framingham, cidade próxima a Boston que tem uma das maiores concentrações de brasileiros nos EUA. A entidade auxilia a comunidade na preparação de pedidos para o consulado. Juliana disse que na quarta-feira foram solicitados 150 documentos, o triplo do normal. Com as novas regras, quase todos os imigrantes em situação irregular estão sujeitos à deportação. O único grupo protegido são os que entraram no país com menos de 16 anos de idade no período anterior a 2007.
Reviravolta. “Eu trabalho, pago meus impostos e nunca me envolvi em problema”, disse Natalia, mãe de um menino de 3 anos nascido nos EUA. “Meu maior medo é ser deportada e não conseguir levar meu filho.” Depois do anúncio das novas diretrizes, Natalia decidiu registrar o filho no consulado e solicitar um passaporte brasileiro para ele, o que evitará a necessidade de pedido de visto em uma viagem para o Brasil.
Apesar de criar dificuldades burocráticas, a ausência do registro da criança nos consulados não impede que elas sejam repatriadas com os pais. O risco de os filhos serem colocados sob tutela do Estado ocorre no cenário em que os pais são deportados de maneira imediata e não possuem parentes ou guardiões nos EUA.
Levantamento em 22 dos 50 Estados dos EUA realizado em 2011 pela entidade Race Forward indicou que havia 5.100 filhos de pais deportados sob tutela governamental. Fora dos EUA, os pais têm de atender a uma série de exigências para reaver os filhos americanos. Em casos extremos e raros, as crianças são postas para adoção. Se são presos antes da deportação, os pais também podem enfrentar dificuldades para administrar a vida dos filhos e encontrar guardiões provisórios caso não tenham parentes nos EUA.
Jennifer Elzea, assessora de imprensa do órgão responsável pela aplicação das regras de imigração, disse à reportagem que o objetivo do governo é evitar que os procedimentos de detenção e deportação interfiram de maneira “desnecessária” no exercício do pátrio poder.
Segundo ela, cabe aos pais decidir se os filhos devem acompanhá-los na eventual remoção do país. Elzea disse que a instituição permite que os pais detidos tenham contato com autoridades consulares e membros da família para adotar os procedimentos essenciais para a eventual retirada rápida de seus filhos dos EUA.
Deportações. Pouco mais de 5 milhões de menores de 18 anos vivem nos EUA em famílias nas quais pelo menos um dos pais é imigrante irregular. Desse universo, 4,1 milhões são cidadãos americanos. A eventual deportação de um dos adultos pode colocar em risco sua segurança financeira, alimentar, educacional e de moradia.
Entre 2009 e 2013, 500 mil pais de crianças nascidas nos EUA foram deportados. Neste período, 3,8 milhões de ilegais foram expulsos. “Esses jovens integram famílias já expostas a algum tipo de trauma, seja cruzando a fronteira seja vivendo em uma situação de incerteza nos EUA”, disse Randy Capps, diretor de pesquisa para os EUA do Migration Policy Institute, fonte desse levantamento.
Segundo ele, os imigrantes sem documentos são submetidos a relações de trabalho precárias, com horários irregulares, falta de autonomia e baixos salários. Os homens são mais visados pelos serviços de imigração. Sua eventual expulsão priva a família da principal fonte de renda. Mãe e filhos são obrigados muitas vezes a viver com outros e a se mudar com frequência.
Em sua opinião, ainda é cedo para saber se as novas diretrizes sobre imigração levarão à deportação em massa. Para que isso ocorra, o governo terá de contratar grande número de juízes e agentes de imigração, afirmou. “A menos que o Congresso libere recursos, não será fácil acelerar o processo de maneira dramática.”