O Presidente da República, Jair Bolsonaro, durante sobrevoo da região atingida pelo rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG.

O programa de transferência de renda para atingidos da tragédia de Brumadinho (MG), que irá substituir um auxílio emergencial mensal, possibilitará que 30 mil pedidos negados pela Vale sejam reavaliados. As novas análises deverão ser realizadas com base nas novas regras que serão definidas, conforme estipula o acordo firmado em fevereiro que estabeleceu as medidas reparatórias.

A informação foi obtida pela Agência Brasil junto à Vale. Segundo Marcelo Klein, diretor especial de reparação e desenvolvimento da mineradora, 108 mil atingidos foram considerados elegíveis para receber o auxílio mensal e cerca de 30 mil solicitações não foram aprovadas por não preencherem os requisitos necessários. “Não participamos da discussão sobre quais serão os novos critérios”, esclarece ele. 

A tragédia de Brumadinho completa hoje (25) exatos dois anos e meio. No episódio, o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão causou uma destruição de grandes proporções na área rural do município e deixou 270 mortos. Conforme o acordo firmado em fevereiro, serão destinados R$ 37,68 bilhões às medidas reparatórias. As negociações envolveram a mineradora, o governo de Minas Gerais, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG). 

Diversas medidas foram previstas, entre elas o programa de transferência de renda no valor de R$ 4,4 bilhões. Conforme o acordo, a elaboração das novas regras ficaram sob responsabilidade do MPMG, do MPF e da DPMG.

O valor do auxílio mensal era de um salário mínimo por adulto, a metade dessa quantia por adolescente e um quarto para cada criança. Inicialmente, faziam jus ao benefício todos os moradores de Brumadinho, sem distinção. Nos demais municípios atingidos, o auxílio foi concedido a pessoas que residem até um quilômetro de distância da calha do Rio Paraopeba. Ainda no fim de 2019, ocorreu uma alteração: o critério para acesso ao benefício foi mantido, mas o valor foi reduzido pela metade para quem não residisse em comunidades diretamente afetadas pelo rejeito.

Para elaborar as novas regras, o MPMG, o MPF e a DPMG assumiram o compromisso de consultar os atingidos. Algumas reivindicações já eram públicas. A Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) chegou a apresentar à Justiça mineira um levantamento onde foram listados 38 grupos socioeconômicos que teriam sofrido comprometimento de renda em decorrência da tragédia. A entidade é uma das assessorias técnicas escolhidas pelos próprios atingidos e atua em seis municípios: Brumadinho, Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Betim, Igarapé e Juatuba.

Embora a Vale não participe da decisão, a mineradora já tomou conhecimento de dois ajustes. Um deles envolve as comunidades que eram atravessadas no meio pelo critério de um quilômetros de distância do Rio Paraopeba. Esses locais, onde apenas uma parte dos moradores era contemplada, deverão ser considerados na integralidade. Outro critério já acertado beneficia familiares dos mortos que vivem em outros municípios. Até então, apenas aqueles parentes que moravam nas cidades afetadas recebiam o repasse mensal.

Uma das principais queixas dos atingidos sobre o auxílio mensal está ligada ao fato de a Vale ter o poder de decidir quem tem direito ao benefício. Além disso, diversos casos de suspensão repentina dos repasses foram questionados pelas assessorias técnicas. A mineradora, no entanto, não terá mais participação nesse processo. O MPMG, o MPF e a DPMG abriram no mês passado um edital público para a seleção de um empresa ou entidade que assumirá a operacionalização do programa de transferência de renda. Caberá a ela fazer, com base nos novos critérios, a reanálise dos pedidos anteriormente negados.

Indenização

Os auxílios mensais e os repasses que serão feitos pelo novo programa não se confundem com as indenizações individuais que devem reparar danos morais e materiais dos atingidos. Esse assunto vem sendo discutido em processos judiciais e extrajudiciais específicos, já que o acordo firmado em fevereiro se debruçou apenas sobre os danos coletivos.

Como a maioria dos mortos eram trabalhadores da própria Vale ou de empresas terceirizadas que atuavam na mina, há um volume grande de indenizações individuais discutidas na esfera trabalhista que possuem particularidades. “Tem questões relacionadas à expectativa de vida. O dano patrimonial é calculado imaginando que a pessoa vai viver até 75 anos. Então tem pessoas que receberam uma projeção dos salários para 40 anos”, explica Klein.

De acordo com a mineradora, dos 5.260 acordos firmados até o momento, 1.408 são trabalhistas e envolvem 2.429 pessoas. Outros 3.852 acordos, que abrangem 8.269 atingidos, têm natureza cível. Assim, pelos números da Vale, 10.698 pessoas ao todo já foram indenizadas.

Klein estima que até o próximo ano novos acordos devem envolver mais mil ou dois mil atingidos. “Passados dois anos e meio, as pessoas que reagem em busca de indenização por terem sido afetadas já estão se pronunciando. Então não imagino que esse número cresça muito mais”.

Negociação

Uma queixa recorrente das comissões de atingidos envolve a falta de margem para negociação. A Aedas e outras entidades que prestam assessoria técnica aos atingidos elaboraram uma matriz de danos para cada região afetada. São documentos que listam os prejuízos sofridos e atribui valores a eles, possibilitando o cálculo da indenização. Estes parâmetros, no entanto, não são considerados pela Vale.

“Os valores unitários estão definidos nos acordos de compromisso. Então a margem de negociação está muito no entendimento, no reconhecimento de que uma lógica trazida para a indenização faz sentido. Às vezes faltam documentos, mas a gente flexibiliza, comprova por entrevista. Por exemplo, uma pessoa vendia picolé e agora ela não consegue mais vender. Todo mundo sabe disso. Então a gente valida mesmo sem ter um documento. Mas até por segurança jurídica e por isonomia, temos que preservar a integridade e a robustez dos acordos firmados”, diz Klein.

Esses acordos de compromisso a que ele se refere foram negociados meses após a tragédia. O primeiro foi firmado em abril de 2019 com a DPMG. Ele trouxe parâmetros para o pagamento da indenização de danos morais, danos materiais, lucros cessantes, perda de capacidade produtiva, perda de renda, entre outros. Foram definidas as bases para calcular, por exemplo, valores da terra nua, das benfeitorias e dos imóveis.

As tratativas resultaram em atritos entre as diferentes instituições de justiça. A DPMG defendeu a negociação individual de cada atingido com a mineradora como o caminho mais rápido e eficaz para obter o direito à indenização. Já o MPMG era favorável a um processo construído de forma coletiva, por entender que as tratativas individuais deixam as vítimas mais vulneráveis.

Em julho de 2019, houve também um entendimento com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Conforme o acordo, pais, cônjuges ou companheiros e filhos dos trabalhadores mortos deveriam receber, individualmente, R$ 500 mil por dano moral. Já os irmãos receberiam R$ 150 mil cada um. Além disso, a título de dano material, cabe à Vale pagar uma pensão mensal para os familiares que dependiam financeiramente da vítima.

O acordo, que chegou a receber críticas da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão (Avabrum), assegura que dependentes de cada morto não devem receber menos que R$ 800 mil, ainda que o cálculo fique abaixo desse valor.

(*) Com informações Agência Brasil