Antonio Célio, 33 anos, não sabia ler nem escrever quando estava em liberdade. Ele conta ter perdido a chance de bons empregos por não saber nem mesmo assinar o próprio nome. Preso há dois anos, hoje o interno recolhido no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis) sabe ler e não precisa mais marcar com a digital os seus documentos. A alfabetização ocorreu dentro da unidade.
“Eu não sabia ler nada, nem assinar meu nome. As cartas e documentos chegavam para mim e eu tinha que pedir alguém para ler. Agora eu leio tudo”, diz Célio. “A professora escreve na lousa e eu já vou lendo tudo antes dela pedir. Fico lendo qualquer coisa que está na minha frente”, complementa. Célio ainda precisa cumprir cinco anos de prisão, mas já adianta que quer seguir com os estudos. “Assim como a gente pode escrever e apagar o que escreveu errado, na vida a gente pode consertar. É assim que se aprende”, conclui.
Enem PPL
A Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado (Sejus) mantém hoje, nas penitenciárias e cadeias públicas do Estado, cerca de 140 turmas ativas, que vão da alfabetização ao Ensino Médio, incluindo a preparação para o Exame Nacional do Ensino médio para pessoas privadas de Liberdade (Enem PPL).
Os números do Enem PPL são animadores dentro das unidades. Desde 2015, 71 pessoas foram certificadas no Ensino Médio por meio do exame e 45 passaram nas universidades públicas e particulares com o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e o Programa Universidade Para Todos (ProUni).
F.A.P.S., 52 anos, fez o Enem PPL duas vezes, obteve aprovação e não conseguiu autorização judicial para cursar. Desta vez, a equipe de educação da Sejus matriculou o interno na modalidade de Ensino a Distância (EaD). O interno fez a prova novamente, foi aprovado e desta vez ele tem a certeza de que conseguirá cursar Serviço Social de dentro da unidade.
“É gratificante lutar por um objetivo em meio às dificuldades. Todos sabem como é difícil a vida dentro de uma penitenciária. Mas foi através da perseverança que eu alcancei meu objetivo, foi necessário que viesse para dentro de uma prisão para eu aprimorar meus estudos. Que seja aqui dentro, então. Vocês vão ouvir muito falar de mim ainda. E bem!”, festeja o interno.
Apesar de já ter o segundo grau, F.A. voltou a se interessar pelos estudos dentro da prisão, quando começou a ler os livros da biblioteca da unidade e participar do projeto Livro Aberto, que possibilita a remição pela leitura. Este é o caso também de Wesley Moreira, 20 anos, recolhido no Cepis. Ele fez neste mês mais uma resenha para solicitar remição de pena.
Wesley, que já leu Dom Casmurro, de Machado de Assis, fez o resumo do livro Deus me Livre, de Luiz Puntel, comparando à nossa realidade. “Eu achei que parece muito com o que a gente vive agora, que a força do dinheiro é que tem vez, que as pessoas destroem tudo e não pensam no amanhã. Mas que bom que sempre tem alguém que quer evitar essa destruição”, explica o leitor, que faz um apelo “estou aguardando o teste de nível aqui da unidade para voltar para a sala de aula. Eu só tenho o nível fundamental e quero muito voltar a estudar”.
Educação no sistema prisional
Socorro França, titular da Sejus, indica que só através dessas oportunidades no âmbito educacional é que internos e internas do sistema penitenciário serão ressocializados. “Não há outro caminho para trilharmos. A educação é a ponta de lança para que eles possam se capacitar e assim, voltar refeitos da realidade prisional para a sociedade”, sentencia a secretária.
Com a parceria da Secretaria da Educação do Estado, responsável pelos professores da Escola de Ensino Fundamental e Médio Aloísio Leo Arlindo Lorscheider, as salas de aula dentro das unidades prisionais contam hoje com 1.749 alunos matriculados.
Para Rodrigo Moraes, assessor de Educação da Sejus, é preciso citar Paulo Freire para que se possa explicar o que é ensinar dentro dos presídios. “Paulo Freire falava que a educação não transforma o mundo, são as pessoas que, em contato com a educação, transformam a sua realidade. É isso que tentamos fazer todos os dias dentro das unidades prisionais, porque essas pessoas estão sendo modificadas nessas salas de aula”, diz o assessor.
Com informação da A.I