O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirma que o governo está prestes a inaugurar um centro de inteligência para monitorar candidatos apoiados pelo crime organizado. A missão é evitar que eles conquistem mandato no Poder Legislativo, especialmente na Câmara dos Deputados.

Jungmann diz, também, que mudou de opinião sobre a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Antes defendia que o próximo presidente prorrogasse a medida. Agora acha que deve ser suspensa, mas mantida a presença dos militares no estado com base na Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A seguir, os principais trechos da entrevista concedida na sexta-feira(31) após ele se encontrar com Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco, assassinada em março no Rio de Janeiro:

ÉPOCA – O assassinato de Marielle Franco (Psol-RJ) ocorreu há quase seis meses e ainda não foi desvendado. Nesta semana, o senhor teve uma audiência com a viúva de Marielle, Mônica Benício. Como foi?

Raul Jungmann – Ela estava fazendo um périplo. Esteve com Gustavo Rocha [ministro dos Direitos Humanos], esteve aqui e pediu audiência também com Raquel Dodge [procuradora-geral da República]. Ela veio pedir velocidade e eficácia no esclarecimento da morte da Marielle. Está fazendo 170 dias e há a preocupação de que muito tempo se passou e até aqui não houve a elucidação do crime, sobre quem mandou e executou.

ÉPOCA – O que o senhor disse a ela?

Raul Jungmann – Disse que não temos as decisões, não participamos das investigações. Cheguei a sugerir que o governado federal assumisse a investigação, desde que houvesse pedido de deslocamento de competência. Isso, porém, foi entendido que não era necessário. Não disponho de informações adicionais para ajudar. Estamos fora. Podemos ajudar se solicitados.

ÉPOCA – Há críticas de que a intervenção federal no Rio não está funcionando. Como responde a elas?

Raul Jungmann – Acabo de vir da Colômbia, onde estive em Medelín e Bogotá. Medelín foi a cidade mais violenta do mundo, com 382 mortes por 100 mil habitantes. O Brasil tem 30 e não está bem. Eles [colombianos] conseguiram baixar para 25. Mas isso levou aproximadamente duas décadas. Não estou dizendo que o Rio de Janeiro precisa desse mesmo tempo, mas não dá para em 6 ou 7 meses mudar algo que levou décadas para ser construído. Recuperar as forças, treinar, equipar, estabelecer planejamento e logística, rever protocolo, comprar veículo: não é possível com esse tempo fazer as bases para recuperar a segurança no Rio e que se obtenha os resultados que se deseja. Mas os indicadores mostram que há uma redução em vários tipos criminais. Como o nível é muito alto, é como se estivesse com uma febre de 41 graus e abaixasse para 39, ou seja, ainda está com uma febre muito alta. Mas,de todo jeito, o viés é de redução. Tenho certeza de que a intervenção vai deixar um Rio de Janeiro melhor que encontrou.

ÉPOCA – Há registros de aumento de homicídios desde o início da intervenção e aumento do confronto.

Raul Jungmann – Há um copo meio cheio, meio vazio. Na parte vazia, continua havendo tiroteio, milícia, bala perdida etc. Na parte cheia, se reestruturou, trocou os comandantes, está reequipando. Paulatinamente, a parte cheia vai ocupando a vazia. Mas, sem sombra de dúvida, o Rio não está vivendo uma situação normal e regular, ou a que gostaríamos. Ainda vai levar mais tempo.

ÉPOCA – Quanto tempo?

Raul Jungmann – Não sei. Não é possível se delinear até porque a intervenção se conclui em quatro meses. Aí vai depender do que o futuro governante vai querer. Vai querer levar adiante o planejamento? Vai querer que a intervenção descontinue, o que pode ser interesse do presidente para fazer emenda à Constituição [enquanto a intervenção estiver ativa, não é possível tramitar PECs? Vai querer que continue a GLO [ação militar de Garantia da Lei e da Ordem]? Seria racional suspender a intervenção porque ela impede emendar a Constituição, mas manter a GLO – o que significaria disponibilizar todos os recursos humanos, tecnológicos e materiais das Forças Armadas – seria razoável.

ÉPOCA – O senhor é a favor de que a intervenção seja estendida?

Raul Jungmann – Já defendi isso, mas percebi que não adianta insistir nisso, porque a percepção dos militares é que basta seguir o planejamento deles. Então, hoje, suspenderia a intervenção, manteria a GLO e o planejamento.

ÉPOCA – Qual avaliação faz das críticas à intervenção? Há alguma com a qual concorde?

Raul Jungmann – A intervenção lida com uma situação crítica e o Rio estaria numa situação pior sem ela. Mas não é mágica. A minha crítica é à comunicação. Poderia ter um fluxo maior de informação, mais proximidade por parte da intervenção. Do restante, estão dando o melhor de si e fazendo um bom trabalho. Pessoas precisam saber como as coisas estão se dando no dia-a-dia.

ÉPOCA – E sobre o Ministério da Segurança Pública?

Raul Jungmann – É uma decisão que tardou. O Brasil nunca teve um sistema nacional de segurança pública, uma política nacional. Todas as Constituições não atribuíram ao governo federal a segurança pública. Tinha o que eu chamo de um federalismo acéfalo. Todos os estados que se virem. Só que o crime se nacionalizou, se transnacionalizou. Não tem como fugir de um federalismo compartilhado. Então criamos o ministério e tomamos decisões. Aprovamos o sistema único, cujo conselho será instalado no dia 17. Carimbamos recursos permanentes para a segurança, criamos a Escola Nacional de Segurança Pública e Inteligência, o BNDES criou um programa chamado ProSegurança, com R$ 40 bilhões em cinco anos para investimentos na área, e por fim criamos um programa de trabalho para egressos e presos. O Brasil tem a terceira maior população carcerária e hoje quem predomina no sistema prisional são as facções. Tem uma massa carcerária de jovens negros, pobres e sem estudo que acabam nas mãos das facções.

ÉPOCA – Qual será o papel do ministério nestas eleições?

Raul Jungmann – Junto com o diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, vamos inaugurar nos próximos dias o Centro de Cooperação de Inteligência Eleitoral. No âmbito da PF, estamos criando um centro de inteligência na questão eleitoral, reunindo outros órgãos e entidades.

ÉPOCA – Quando será inaugurado?

Raul Jungmann – Na próxima semana, espero.

ÉPOCA – E o que ele fará?

Raul Jungmann – Será sobretudo a integração das inteligências e informações. Disponibilizamos as nossas informações e os outros órgãos também disponibilizam. Dentre as nossas preocupações está que candidatos apoiados pelas milícias e pelo crime organizado conquistem mandato. Se nós tivermos indícios suficientes, vamos levar à consideração da Justiça Eleitoral para que negue a ele a possibilidade de concorrer. Se alguns deles passar nesse filtro, que a gente possa depois cassá-los, evidentemente com base legal e informações que se tenha. A preocupação é evitar que a bancada do crime organizado se escruste e tenha representantes no Parlamento estadual e federal.

ÉPOCA – O governo reconhece que essa bancada tem representantes?

Raul Jungmann – Sim, não dá para dizer o número. Mas não tem como não ter. O Rio de Janeiro tem em torno de 800 comunidades que vivem sob o controle do crime organizado. Se calcula de 1,1 milhão a 1,7 milhão de cariocas que vivem regime de exceção sem direitos e garantias constitucionais. Quem tem o controle do território, tem controle do voto e elege seu representante. Embora não tenha um número, não tenho dúvida de que existe, sim, representantes do crime que conseguem chegar [ao Poder]. O que queremos é evitar que isso se repita.

ÉPOCA – O foco será no Rio de Janeiro?

Raul Jungmann – O foco é o Brasil. Mas o Rio, obviamente, preocupa pela sua situação excepcional de segurança que vive e por conta daquilo que chamo, apesar de não gostar do termo, de metástase. O que é? É que o crime se espraiou não só pela comunidade, mas pelo Estado, pelo governo e Poder público. É o coração das trevas.

ÉPOCA – Em quais outras frentes o centro atuará?

Raul Jungmann – Estamos à disposição da Justiça Eleitoral para o caso de hackers e de fake news, na medida da nossa possibilidade e disponibilidade tecnológica e humana. Esse problema tende a se aguçar com o crescimento do papel das redes sociais nas eleições.

ÉPOCA – O centro também poderá atuar no caso de ameaças a candidatos?

Raul Jungmann – Depende. Precisa que o candidato faça a denúncia. Já tivemos casos até de magistrados que não quiseram fazer denúncia. Como posso investigar? Não tem a menor chance. Aqueles que se sentem ameaçados, devem procurar fazer a denúncia para que a gente possa, ou a polícia local ou a federal, investigar.

ÉPOCA – Por que o senhor teve a ideia de mandar as Forças Armadas para Roraima neste momento?

Raul Jungmann – Por três motivos. Primeiro, a tragédia humanitária na Venezuela tende a se agravar. Isso significa que o êxodo de venezuelanos também tende a aumentar. Hoje, 2,5 milhões de venezuelanos foram desalojados de suas casas. Isso afeta os países vizinhos. A Colômbia recebeu mais de 1 milhão de imigrantes. O Equador, 400 mil. Segundo, há excedente de imigrantes nas ruas sem emprego e sem colocação, o que gera uma tensão. A população tem temor. E vem o terceiro aspecto: as eleições levaram a um acirramento. Tanto o governo quanto a oposição maximizam o problema. Isso amplia o temor da população e o potencial conflito. Não permitir que voltem a ocorrer episódios como aqueles que aconteceram em Pacaraima [houve violência da população local contra venezuelanos depois que um vendedor brasileiro foi espancado, e a suspeita é que os agressores eram venezuelanos].

ÉPOCA – O governo pretende intensificar a interiorização dos venezuelanos?

Raul Jungmann – Sim, mas é uma operação complexa. Tem que documentar, regularizar, alimentar, abrigar, transportar. A nossa perspectiva é avançar. Mas se tem um grande incremento e mesmo assim se não conseguir enviar mais ao interior que os que entram, há um excedente.

ÉPOCA – O que será do senhor a partir de 2019?

Raul Jungmann – Uns dois anos sabáticos. Estou há 24 anos descansando abacaxi. Não sou candidato, larguei o partido. Continuarei preocupado, mas, com toda franqueza, quero dois anos sabáticos. Não sei se volto em 2020.

 

 

 

Com informação da Revista Época