A insatisfação dos brasileiros com a política impôs a maior renovação desde a redemocratização brasileira, em 1986, na Câmara dos Deputados no primeiro turno das eleições deste ano. Partidos tradicionais perderam espaço e emergiram novas forças. As mudanças foram profundas, mas será inescapável ao próximo presidente, seja Jair Bolsonaro (PSL) ou Fernando Haddad (PT), negociar com legendas que apoiaram todos os governos desde a redemocratização.
O chamado Centrão — PP, PR, PSD, PRB, PTB, PROS, SD e PSC — e o MDB, siglas que formaram a base dos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer, perderam 15% de suas bancadas, de 244 para 207 deputados. Juntos, no entanto, esses partidos ainda representam uma força indispensável.
Quando somados aos 52 deputados eleitos pelo PSL de Bolsonaro ou aos 56 eleitos pelo PT de Haddad, têm votos suficientes para garantir maioria ao futuro governo na aprovação de projetos de lei na Câmara. Para dispensar o Centrão, tanto o PSL quanto o PT precisariam negociar com partidos de campos políticos antagônicos aos seus, o que reduziria as chances de sucesso.
“O fiel da balança serão sempre os grandes partidos. Perderam poder, mas têm votos e articulação”, analisa o cientista político Leandro Machado, um dos fundadores do movimento de renovação política Agora!. Para emendar a Constituição, a exigência de votos é maior, de 308 deputados. Se quiserem cumprir as promessas de reformas, Bolsonaro e Haddad terão de reorganizar e ampliar os respectivos campos políticos. Na esquerda, o petista poderia contar com PSB, PDT e PCdoB. Com os votos do Centrão, alcançaria o quórum necessário. Já Bolsonaro teria de recorrer à centro-direita, DEM, PSDB, PPS e ao estreante NOVO.
Além da aritmética, porém, na busca por governabilidade os dois lados vão enfrentar fortes dificuldades e cobranças do eleitor. O cientista político Octávio Amorim Neto, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da FGV, lembra o fato de Bolsonaro dizer que pretende dispensar instrumentos clássicos para ter maioria no Congresso.
O candidato já anunciou que reduzirá o número de ministérios e preencherá o primeiro escalão sem indicações políticas e com militares — que, desde o governo Temer, vêm recuperando o protagonismo político e a presença na mesa de decisões do Executivo.
Cotado para a chefia da Casa Civil, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) defende negociações individuais com parlamentares, no “varejo”, ignorando o colégio de líderes. O cientista político diz que a redução e o aumento de ministérios são cíclicos.
“O presidencialismo de coalizão tem sido tratado como a causa de nossos males. Mas dar a um partido um ministério em troca de apoio não é necessariamente sinônimo de corrupção ou de clientelismo. É um acordo típico em qualquer democracia multipartidária”, afirma Amorim, que compara a estratégia do candidato àquela usada por Fernando Collor, em 1990. “Collor reduziu o número de ministérios, e depois teve que ir aumentando para sobreviver. E, ao fim e ao cabo, não sobreviveu”.
O Centrão e o Centro
Presidente do DEM, o prefeito de Salvador, ACM Neto, que declarou voto em Bolsonaro, acha que o futuro eleito terá de ter responsabilidade de compor um governo de qualidade e com respaldo da sociedade. Só depois, afirma, deverá procurar os políticos. “Sem isso, cairá nos mesmos erros que os demais cometeram”.
Hoje, uma das vantagens de Haddad sobre Bolsonaro na hora de formar um governo, destaca Amorim, é ter base social mais ampla. Mas a forma de relacionamento, com movimentos e entidades, assinala o cientista político, terá de ser diferente daquela mantida pelo PT de Lula e Dilma. “Não se trata apenas de cooptar os movimentos sociais”, pondera.
Nos últimos governos, a relação entre Planalto e Congresso foi lastreada pela liberação de verbas. O uso de recursos orçamentários, porém, pode se chocar com a ortodoxia do economista Paulo Guedes, provável ministro da Fazenda em eventual governo Bolsonaro.
Numa administração petista, avalia Amorim, Haddad poderia ser tentado a repetir o padrão da era Lula, que se aliou à direita usando cargos e emendas. Corre o risco de esbarrar numa direita em processo de mudança, e mais ideológica. A eleição mostrou uma reação do eleitor a esse tipo de barganha com dinheiro público. Para o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que encerra seu 11º mandato e perdeu a eleição para o Senado, o Centrão se sobrepôs ao chamado centro democrático, que perdeu votos, por causa das opções do Executivo.
“As relações com o Congresso dependerão do comportamento do presidente da República. Se houver conduta austera, sem loteamento, poderá se restabelecer o ‘centro temático’. Se o governo se compuser com a cooptação de parlamentares com cargos e com a administração orçamentária, o Centrão sobreviverá. Não existe Centrão sem a cumplicidade do Executivo”.
A cara do novo Congresso está sujeita ainda à reorganização partidária que deve ser provocada pelos efeitos da cláusula de barreira, que excluirá algumas legendas. “Se Bolsonaro ganhar, os pequenos partidos devem migrar para o PSL. Será um partido enorme e disforme. E o restante entrará no sistema de cooptação, de adesão. Seja quem for o vencedor, haverá problema. Esse modelo se exauriu”, prevê o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Com informações do Jornal O Globo