O uso de antidepressivos tem crescido significativamente no Brasil, especialmente após a pandemia de covid. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram um aumento expressivo do consumo desses remédios, sobretudo após 2019. Especialistas da área de saúde ouvidos pelo Correio afirmam que boa parte da utilização desses medicamentos é feita por jovens. Segundo esses profissionais, o motivo dos mais novos apelarem a essas substâncias se deve a eventuais situações psíquicas e emocionais resultantes das cobranças que enfrentam na escola, no trabalho, em casa e no convívio social, situações que se agravam, em alguns casos, pela falta de apoio familiar.
Vanessa (nome fictício), 21 anos, se enquadra no perfil traçado por especialistas para pessoas que têm recorrido a antidepressivos. Ela começou a usar o cloridrato de sertralina em 2023, devido a ataques de pânico e a um episódio de depressão. “Apesar de fazer terapia desde a infância, percebi que precisava de algo a mais para conseguir me sentir melhor. Nesse momento, receitaram-me o remédio”, contou.
Ela disse que, entre seus amigos, vários usam antidepressivos. “Depois da pandemia, várias pessoas do meu entorno estão mais ansiosas e desanimadas. Parece um adoecimento coletivo”, observou.
Dados do primeiro semestre de 2023, da Anvisa, indicam que, entre os antidepressivos mais receitados, o cloridrato de escitalopram registrou aumento de 81,2% em comparação ao primeiro semestre de 2019, antes da pandemia. Em relação ao receitado a Vanessa, o aumento, no mesmo período, foi de 48,5%. Já o do cloridrato de fluoxetina foi de 8,37%.
Em sintonia com esses indicadores, a pesquisa Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel) mostra que a quantidade de pessoas entre 18 e 34 anos diagnosticadas com depressão saltou de 14,9%, no período pré-pandêmico, para 24,7 no primeiro trimestre de 2023. Esse estudo tem a participação da Universidade Federal de Pelotas.
Cobranças
Para a psicóloga Daniele Fontoura Leal, mestra em psicologia clínica e cultura, algumas das queixas mais comuns entre jovens incluem o desinteresse em atividades que antes os alegravam, a falta de vontade de sair da cama e a sensação de não conseguir cumprir suas responsabilidades. “Desde a infância, já existe uma cobrança muito grande dos pais em relação aos filhos, que precisam aprender novas línguas, tirar boas notas e passar nas melhores universidades. Tudo visando a oportunidades futuras no mercado de trabalho. O dar conta é uma ordem que precisa ser cumprida, mas também é um fator de adoecimento”, explicou.
Ela acrescentou que a sociedade exige funcionalidade e resultados a todo custo. “Vivemos na lógica do conserto rápido. Se por acaso ficamos doentes, precisamos nos recuperar rapidamente para voltar a funcionar. É como um modelo de trabalho, incorporado, desde cedo, a nossa rotina”, completou.
A psiquiatra Danielle Admoni, especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), segue na mesma linha da psicóloga. Ela também acredita que os jovens estejam mais suscetíveis a desenvolver transtornos mentais, devido a serem forçados a assumir mais compromissos do que as gerações anteriores. “Eles (os jovens) sentem que precisam estar sempre à frente. Observo que faltam condições, inclusive relacionadas ao apoio familiar, para que esse grupo consiga lidar melhor com obstáculos que, naturalmente, vão surgir durante a vida”, analisou.
Medicação
Questionada sobre os prós e os contras do uso de medicamentos psiquiátricos, Danielle foi enfática: “só vejo prós. Se a gente tem uma doença, e — ainda bem — há um remédio para tratá-la, isso é muito bom. Os contras são os efeitos colaterais, como ocorre em qualquer idade. No entanto, sabemos que o prejuízo do transtorno, principalmente em uma fase de desenvolvimento, é infinitamente maior do que qualquer efeito colateral. O prejuízo (pior) é não tratar”.
No caso de Helena (nome fictício), 18, iniciar um tratamento com cloridrato de fluoxetina, sete anos atrás, foi completado com consultas ao psicólogo e ao hebiatra (pediatra especializado no tratamento do adolescentes), devido ao receio com os efeitos colaterais que poderia sofrer. “Senti muito incômodo nas mudanças repentinas de humor, em especial, na sensação de não conseguir mais ter emoções”, revelou.
Ao longo do uso do antidepressivo, iniciado em 2017, a estudante chegou a trocar de medicação algumas vezes por não sentir melhoras. “Creio que a parte mais complexa desse processo foi a aceitação dos parentes, principalmente dos meus pais, visto que eu era muito nova e já tomava medicação. Mesmo que os transtornos psicológicos sejam cada vez mais comuns, ainda é um assunto banalizado e não tratado com o devido cuidado”, disse.
(*)Com informação do Jornal CB