Desde o início da pandemia do novo coronavírus, os países têm tomado várias iniciativas para conter o avanço da doença. Muitas delas são baseadas no Regulamento Sanitário Internacional (RSI). Esse documento indica em quais situações se deve tomar medidas como a restrição nas fronteiras ou a quarentena, por exemplo.

O RSI é um instrumento jurídico internacional vinculativo para 196 países, que inclui todos os Estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) — entre os quais, o Brasil. O documento estabelece conceitos e ferramentas a serem usados pela comunidade internacional para detectar precocemente e responder a graves riscos de saúde pública que têm o potencial de atravessar fronteiras e ameaçar pessoas em todo o mundo.

Em sua versão original, o RSI foi adotado em 1951, com uma primeira revisão em 1969, e se aplicava somente a três doenças transmissíveis — cólera, peste e febre amarela. A nova versão foi aprovada pela OMS em 2005 e iniciou sua vigência internacional em junho de 2007. Ela traz o conceito de emergência de saúde pública de interesse internacional, no qual a pandemia de covid-19 de se enquadra. Por se tratar de um acordo internacional, o texto foi aprovado pelo Senado em 2009.

O regulamento define os direitos e as obrigações dos países no relato de eventos de saúde pública à comunidade internacional. Entre as obrigações, por exemplo, os países devem notificar à OMS, no prazo máximo de 24 horas, todos os eventos que podem constituir uma emergência de saúde pública de importância internacional. A depender da situação, os países devem proporcionar inspeção sistemática e atividades de controle em aeroportos internacionais, portos e passagens de fronteiras terrestres, designadas para prevenir a propagação internacional de doenças.

Também é no caso das emergências de interesse mundial que o RSI indica a utilização das chamadas medidas não farmacêuticas. Elas vão do estímulo a práticas de higiene pessoal ao distanciamento social, como o fechamento do comércio e de escolas. Chegam até ao isolamento e à quarentena, medidas de restrição à liberdade individual. O regulamento, porém, remete aos países a definição legal para adoção dessas medidas.

Pesquisadoras do tema, as professoras Yara Oyram Ramos Lima e Ediná Alves Costa, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), analisaram, a partir de artigos científicos internacionais, como essas medidas têm sido vistas nos países.  Em um artigo, as professoras explicam que uma questão crucial na última versão do RSI é o equilíbrio entre os direitos coletivos e os direitos individuais que deve haver na relação entre saúde pública e direitos humanos. Uma questão que, segundos elas, envolve concepções de risco, segurança e confiança da sociedade. Exemplo disso seria o isolamento compulsório de hansenianos e tuberculosos no passado, hoje em desuso.

Quanto às restrições às liberdades individuais, as pesquisadoras apontam que os principais problemas abordados nas discussões a respeito se referem a questões de cunho social, econômico e administrativo, uma vez que a imposição dessas medidas não é baseada na doença, mas na sua expectativa. Diversos artigos analisados discutem a real efetividade das medidas de isolamento e quarentena e seus impactos econômicos e sociais com base em experiências de epidemias anteriores. Ainda não existem, porém, consensos ou respostas definitivas. Segundo as autoras, “existem dificuldades na execução de medidas que envolvem restrições de liberdades de forma compulsória, pois, ainda que estas sejam entendidas como necessárias, as consequências de sua utilização não são aceitas de forma pacífica”.

Medidas

Logo que a crise do coronavírus se tornou aguda na China, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei para tratar do enfrentamento da questão (PL 23/2020). A matéria foi aprovada no Senado no dia 5 de fevereiro e sancionada no dia seguinte (Lei 13.979, de 2020). Entre outros pontos, o texto prevê isolamento, quarentena e fechamento de portos, rodovias e aeroportos para entrada e saída do país.

A lei prevê ainda a adoção das seguintes medidas em caso de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus: realização compulsória de exames, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas e tratamentos médicos específicos. Em todos os casos previstos na lei, caberá ao Ministério da Saúde estabelecer como e por quanto tempo elas serão adotadas.

Também poderá haver a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas (hipótese em que será garantido o pagamento de indenização) e autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A lei vai vigorar enquanto durar a situação de emergência internacional.

Estados

Praticamente todos os estados já suspenderam as aulas nas escolas públicas e privadas. O Distrito Federal implantou o teletrabalho para a maioria dos servidores e determinou o fechamento de igrejas, teatros, bancos, cinemas, shoppings e comércios — com algumas exceções, como farmácias e mercados. O objetivo é conter a propagação do vírus, evitando uma demanda além da capacidade nos hospitais.

(*) Com informações da Agência Senado