A invasão do crack atinge quase todos os 184 municípios do Ceará. Era noite de uma quarta-feira e a Polícia Civil de Alagoas recebeu mais uma denúncia. Foi até uma passarela que ajuda pedestres a atravessarem a BR-101 no distrito de Luziápolis, no município de Campo Alegre (a 101 km de Maceió). No local, jovens usuários de crack faziam bloqueios e cobravam um pedágio entre R$ 2 e R$ 5 de quem quisesse passar.
“Com medo ou sem dinheiro para pagar, muitos pedestres estavam preferindo se arriscar a atravessar”, conta o delegado da cidade, Sidney Tenório. “Precisamos fazer uma ação para acabar com isso.” Pequenos municípios do país começam a viver o processo chamado de interiorização do crack.
A droga é distribuída a partir das capitais e causa uma série de impactos sociais em locais com menos recursos. Com 25 mil moradores, o distrito é um retrato dos problemas relacionados ao consumo da droga, que atinge pelo menos 86% dos municípios brasileiros, de acordo com levantamento do Observatório do Crack, criado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Segundo os dados da entidade, 4.813 dos 5.568 municípios relataram ter registrado problemas ligados ao crack. Em mais de 20% deles, o nível de gravidade desses problemas é classificado como alto.
Crack chega às segundas e às quintas
A reportagem foi realizada pelo portal UOL Notícias visitou o distrito considerado mais problemático em Campo Alegre em relação ao consumo de crack. Já se sabe que, em Luziápolis, a droga chega às segundas e às quintas-feiras, vinda da cidade vizinha, São Miguel dos Campos – ponto central de distribuição do crack para a região. A violência se tornou rotina da pacata e pobre população do distrito.
Na última sexta-feira, 2, um assassinato e um sequestro foram registrados nas imediações. As duas vítimas teriam problemas envolvendo o uso de entorpecentes. Em agosto, na mesma região, um usuário foi retirado de casa e morto: Laerte Pereira, 21. Sob a sombra do tráfico, vê-se no local muitas casas com placa de vende-se ou aluga-se. Apenas uma lei é cumprida à risca: a do silêncio.
Durante visita do UOL, na quarta-feira, 7, só um grupo de crianças conversou sobre a realidade local. “Usam droga direto aqui”, contou à reportagem um menino de 9 anos. “O cara que morreu usava droga. Quis depois se fazer de bonzinho, dizer que era crente, mas ele aprontava”, comentou o garoto, citando a morte de Laerte.
Combustível de problemas
Segundo Mariana Boff Barreto, consultora do Observatório do Crack, não há dúvidas de que o problema se espalhou rapidamente pelas pequenas cidades do país, que têm dificuldade de enfrentar as consequências do tráfico e do consumo da droga. “O crack é uma droga de alto poder ofensivo e um combustível para vários tipos de violência”, diz a pesquisadora. “Nessas cidades, cresceu muito o número de furtos, roubo, latrocínios, crimes também contra o próprio dependente, ou seja, vários tipos de violência correlacionada.”
A consultora acrescenta que, embora a base para o crack não seja produzida no Brasil, praticamente todas as outras etapas do processo que envolve a droga são realizadas no país. “Há lacunas em todas áreas, como pouca fiscalização na fronteira”, avalia. “A gente faz fronteira com os maiores produtores de cocaína e maconha do mundo. Além disso, dentro dos municípios, tem o problema para trabalhar com o dependente e com o familiar.”
Plano sem propostas
Em seu plano de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) classifica a epidemia de crack, que diz ter sido “introduzido no Brasil pelas filiais das Farc”, como um problema urgente. Mas não há qualquer menção à política que será adotada no enfrentamento do problema. Em entrevista em setembro, o novo presidente do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC), Alfredo Gaspar de Mendonça, afirmou que o crack se tornou um problema grave e é responsável direto pelo aumento do número de mortes violentas nos estados das regiões Norte e Nordeste.
“O Norte e o Nordeste se tornaram o quintal do crime organizado que veio do Centro-Sul. Aqui se encontrou muita gente desempregada, muito jovem sem direção, que viu nas facções uma parcela de poder”, disse Mendonça. “A reboque, o Norte e o Nordeste foram os maiores depositários do crack.” “O que o mercado do Centro-Sul não consumia, porque não era bom, mandaram para cá”, acrescentou. “Foi uma mola propulsora [dos altos índices de violência].”
Com informações do Portal UOL