As críticas do senador eleito Cid Gomes (PDT) direcionadas abertamente ao PT, e sua cobrança de um pedido de desculpas por parte do partido pelos erros cometidos no passado, repercutiram entre representantes da esquerda brasileira.

Para alguns, a fala enfática do irmão do candidato à Presidência do PDT derrotado no primeiro turno, Ciro Gomes, em meio às eleições não poderia ter sido em pior momento para a candidatura de Fernando Haddad (PT), que busca alianças para reverter a vantagem de Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno da eleição presidencial.

No entanto, políticos e especialistas ouvidos pela reportagem concordam em um ponto: o discurso foi uma espécie de desabafo diante do racha existente na esquerda e de ressentimentos com os petistas. A surpresa, disseram, foi pelo fato de ter vindo tão explicitamente a público.

Na segunda, 15, em evento organizado pelo PT no Marina Park Hotel, em Fortaleza, Cid Gomes disse que o PT “vai perder feio a eleição” e que isso é merecido pelos erros cometidos pelo partido à frente da Presidência da República – o PT governou o Brasil entre 2003 e 2016 com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Cid ainda pediu que o PT faça uma autocrítica e responsabilizou, em parte, o partido pelo sucesso de Bolsonaro. No mesmo dia mais cedo, a presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann, havia dito que o PT não deve desculpas a ninguém por ter chegado ao segundo turno nem pode ser acusado pela posição que alcançou no pleito.

Antes mesmo do primeiro turno, pedetistas se mostravam descontentes com o tratamento que vinham recebendo pelo PT. No primeiro semestre, apesar de conversas prévias de união, o PT ajudou a isolar Ciro na composição de coligações pelo país. Na corrida eleitoral, o presidenciável tentou se viabilizar como alternativa a quem rejeita a polarização PT/Bolsonaro, mas acabou em terceiro lugar.

Oficialmente, o PDT declarou um “apoio crítico” a Haddad. Na prática, a ação não deverá surtir efeito e fica muito aquém do que os petistas esperavam. À reportagem do Portal Uol Notícias horas antes mesmo da votação de 7 de outubro, pedetistas já diziam encarar com desconfiança qualquer nova aliança com o PT no segundo turno por não enxergarem reciprocidade, independentemente do resultado. Nessa terça, 16, ao Jornal Folha de São Paulo, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, respaldou a fala de Cid e disse que as críticas “representam majoritariamente o sentimento da sigla”.

Fala veio no “pior momento” possível

Um dos líderes da chamada “frente democrática” composta por PT, PSB, PC do B, Psol, PROS e PCB, que busca alianças para Fernando Haddad, o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, afirmou que a crítica ao PT tem um “fundo de verdade”, mas “não foi o melhor momento” para ser dita.

Para ele, o tema da autocrítica deve ficar “fora de foco” diante do que “a realidade impõe”, referindo-se a Bolsonaro. “Foi o pior momento, né? O momento agora é outro. É uma coisa que, embora tenha um fundo de verdade, não me parece que neste momento seja oportuno trazer à tona?”, disse Siqueira.

Questionado se a falta de autocrítica prejudica possíveis alianças com outros partidos, Siqueira disse que a postura do PT se dá pelo “perfil” da legenda e pela onda de conservadorismo no país. Ele defendeu que o PT acertou ao não apoiar integralmente Ciro no primeiro turno por contar com candidato próprio. Para o presidente do PSB, o fato “já passou”, embora reconheça que, naturalmente, há consequências.

“Se o clima já não estava bom, piorou bastante, né? Evidencia que não vai ter engajamento deles na campanha, obviamente”, falou. “[Na volta de Ciro ao Brasil, que viajou ao exterior,] seria bom que repensasse isso, mas não tenho muito mais esperança não.”

Resposta “nua e crua” ao tratamento do PT

Para o presidente do PPS, Roberto Freire, as declarações de Cid são uma “resposta nua e crua à realidade” do tratamento dispensado pelo PT aos aliados ao longo dos últimos anos. Segundo ele, o partido trabalha impondo a “subordinação” de aliados e classifica como “direita” e “traidor” quem não concorda com esse posicionamento.

“Não tenha dúvidas de que isso que ocorreu com o Ciro, e o Cid é resposta a posturas hegemônicas do PT”, disse. “Ou é subalterno, ou é excluído.” “A esquerda sempre foi dividida. Nunca foi unidade, não. Na maioria das vezes, tinha unidade só no processo eleitoral. Mas o PT criou problemas porque sempre jogou muito na base da subordinação. Nunca foi um relacionamento entre iguais”, completou Freire.

Na avaliação de Freire, o PDT foi limado da aliança petista no primeiro turno por não ter aceitado todas as condições propostas pelo PT. “Eles [os petistas] não fazem autocrítica de quando estavam no governo e agora também não a fazem de seu relacionamento com o Ciro”, falou.

“Foi por isso que nos afastamos há muito tempo. O Ciro ficou imaginando que ia ser atendido pelo PT. Não se subordinou e está aí. Veio uma bela resposta.” Outro problema político do PT, aponta Freire, foi a insistência na candidatura de Lula, preso desde abril em Curitiba após condenação em decorrência da Operação Lava Jato.

Com a iniciativa, avaliou, os petistas afastaram potenciais aliados contra Bolsonaro, mas que defendem a prisão de Lula. Questionado sobre a efetividade da “frente democrática”, Freire riu ao saber do nome dado e disse que o grupo deveria ter mais “respeito” com a democracia. “Eles acham que não cometeram nenhum crime. O Lula está na cadeia por quê?”, questionou ironicamente.

Para Boulos, não são “esquerda”

O presidenciável derrotado do PSOL, Guilherme Boulos, disse que está em jogo a disputa entre a democracia e um “projeto de ditador”. Portanto, na avaliação dele, não há espaço para ficar em cima do muro. “Nós temos muitas críticas ao PT, eu mesmo tive a oportunidade de colocá-las na campanha. Agora, ter um arroubo antipetista num momento como este favorece o Jair Bolsonaro”, considerou.

Indagado se enxerga a esquerda brasileira dividida, afirmou que “quem é esquerda de verdade no Brasil está envolvido na campanha para derrotar o Bolsonaro e eleger o Haddad”. “Alguém que não esteja envolvido na campanha para derrotar o Bolsonaro não merece o nome de esquerda”, disse Boulos.

O cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Sérgio Praça, admite ter ficado surpreso com o fato de a fala de Cid Gomes ter sido tão dura e ter acontecido ainda no meio do segundo turno. Ele esperava que as rusgas fossem debatidas após o processo eleitoral, como de costume. “Não esperava uma ruptura tão drástica agora. Mas o PT fez por merecer. Tratavam muito mal, com muita arrogância, o Ciro e o PDT. E o Ciro e o Cid já foram ministros de governos petistas. Torna o tratamento pior ainda”, declarou.

“Estava claro que essa ruptura mais evidente ia acontecer […] O Bolsonaro ganhou o dia hoje, né? Tudo o que ele tem de fazer é ficar quieto, na dele. PT e PDT brigarem é incrível para ele.”

Na avaliação de Sérgio Praça, o PT nunca precisou se unir ao restante da esquerda para ganhar eleições, e ele lembrou que o partido, inclusive, já se aliou à direita com sucesso. No entanto, afirma, deveria ter buscado alianças partidárias diversas e acenado à moderação, mesmo que de forma tímida, como o faz agora, desde o primeiro semestre.

Praça acredita também que o partido nunca deveria ter desenvolvido a retórica de perseguição judicial. “Isso tinha que ter sido feito muito antes. O PT está numa situação complicada, o que o partido pode fazer? Confessar os crimes? Chamar crimes de erros é ridículo. As pessoas percebem isso, não são bobas. Tem gente na cadeia por isso. Ninguém vai para a cadeia porque errou. Vai porque cometeu crimes. É uma estratégia que não tem sustentação”, afirmou.

Ele ressalta não ver atualmente novos líderes dentro do PT com capacidade de unir a esquerda brasileira. Possíveis herdeiros de Lula, analisa, foram descartados pelo sistema político, como Dilma Rousseff, ou pelos escândalos de corrupção, como Antônio Palocci. Para Haddad suceder a Lula, disse, primeiro precisa tomar controle do partido – hoje sob o comando de Gleisi Hoffmann, a quem considera fraca.

Embora enxergue a situação eleitoral do PT à Presidência e a renovação interna com pessimismo, Praça diz que o partido não foi dizimado. “Elegeu a maior bancada [na Câmara], é bastante significativo. Elegeu pelo menos três governadores populares. Não vai perder relevância tão cedo, mas vejo dificuldades para sobreviver sob o Lula.”

Com informações do Portal Uol Notícias