Considerada a maior operação contra a corrupção da história do Brasil, a Lava Jato completou três anos nessa sexta-feira (17). O conjunto de operações realizadas pela Polícia Federal (PF) está em sua 38ª fase, com 202 conduções coercitivas, 78 acordos de delação premiada e nove acordos de leniência.
Nesse período, a investigação tornou populares termos como condução coercitiva, delação e acordo de leniência. Mas você sabe o que cada um deles significa? Confira abaixo a explicação de alguns dos termos que ficaram mais conhecidos com a Lava Jato:
Delação premiada
A delação premiada é um acordo firmado com o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) no qual o réu ou suspeito de cometer crimes se compromete a colaborar com as investigações e denunciar outros integrantes da organização criminosa em troca de benefícios.
O professor de direito penal da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Paulo Castelo Branco, explica que o delator pode fazer parte de uma organização criminosa ou estar fora dela. “A delação diz respeito a um meio de obtenção de provas. O delator não passa de um réu colaborador. Auxiliando a Justiça, ele pode desarticular uma organização criminosa”, conclui.
A delação pode ser proposta pelo Ministério Público, pela polícia ou pela defesa do investigado. Os benefícios variam de perdão judicial, redução da pena em até dois terços e substituição por penas restritivas de direitos. Porém, isso depende da efetividade da colaboração e seu resultado. “O delator normalmente pede a redução da sua pena, da sua condenação. Se ele já foi condenado há uma revisão da condenação, se não foi condenado a colaboração dele faz com que a tipificação possa ser revista para que ele tenha uma pena menor ou não seja apenado”, explica Castelo Branco.
Nos acordos de delação premiada, o colaborador renuncia ao seu direito ao silêncio e fica compromissado a dizer a verdade. Mas a mesma deve apontar provas concretas e não somente a delação em si. O criminalista destaca que o delator precisa comprovar a existência do delito. “Ele tem que comprovar que o que está falando é factível, substancial e necessário ao inquérito. Caso a pessoa não comprove suas informações, ela pode ser responsabilizada penalmente pela prática da pronunciação caluniosa”, explica.
O juiz não deve participar das negociações para formalização dos acordos de colaboração. Apenas o colaborador, seu advogado, o delegado de polícia e o representante do Ministério Público participam. Só então, o termo resultante do acordo é encaminhado ao juiz para homologação com cópia da investigação e das declarações do colaborador. Após a homologação, iniciam-se propriamente as medidas de colaboração. Não há prazo determinado para a coleta de depoimentos, uma vez que o término da delação depende do volume das informações fornecidas.
A primeira lei a prever esse tipo de colaboração no Brasil foi a Lei de Crimes Hediondos. Posteriormente, passou-se a prever a delação premiada também para crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contra a ordem tributária e aqueles praticados por organização criminosa. Contudo, o procedimento em todo seu conjunto foi previsto apenas pela Lei 12.850/2013, que prevê medidas de combate às organizações criminosas.
Acordo de leniência
A medida é parecida com a delação premiada. O acordo de leniência é firmado com a pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, que cometeu ato ilícito contra a administração pública, mas se dispõe a auxiliar nas investigações, em troca de benefícios para sua pena. As definições do acordo de leniências estão estabelecidas na Lei nº 12.846/2013, conhecida por Lei Anticorrupção. O programa de leniência também faz parte do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, conforme a Lei nº 12.529/2011.
O órgão responsável por celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo Federal é a Controladoria-Geral da União (CGU). No entanto, este benefício também pode ser concedido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), como estabelece a lei nº 12.529/11.
“O acordo de leniência envolve uma relação econômica para que possa ser firmado, ele é feito pelo Cade. Se houver colaboração com as investigações e com o processo administrativo nos delitos de ordem econômica, essa empresa que tenta o acordo pode ser favorecida com a não punibilidade das pessoas envolvidas”, destaca Castelo Branco.
O professor explica que esse tipo de acordo teve origem no direito norte-americano, com o objetivo de coibir a prática de infração à ordem econômica. Em troca de colaboração nas investigações, os direitos dos acusados são: ter suas penas amenizadas, pagar multas menores ao Estado e continuar a poder participar de licitações públicas. Além disso, há a possibilidade de sequer existir punição, isentando a empresa ou a pessoa de responsabilidade criminal.
Condução coercitiva
A expressão ficou mais conhecida quando em março do ano passado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado para depor. A medida foi autorizada pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, sob a justificativa de que serviria para proteger o próprio Lula. Após ser liberado, o ex-presidente afirmou que não foi intimado previamente, garantindo que, caso tivesse sido convocado, teria comparecido voluntariamente.
A condução coercitiva não se trata de prisão em nenhuma de suas modalidades, que são flagrante, temporária ou preventiva. É um instituto processual presente no artigo 218 do Código de Processo Penal. Os requisitos para a condução coercitiva são a intimação ou comunicação regular para comparecimento ao ato e a recusa injustificada de quem foi intimado e não compareceu. O instrumento prevê a competência do agente policial de conduzir pessoas para prestar depoimentos, respeitando-se suas garantias legais e constitucionais.
Até o momento, a Lava Jato teve 202 conduções coercitivas. Para Castelo Branco, ela também é uma medida de caráter cautelar, que objetiva a colheita de provas necessárias à fundamentação de uma condenação ou absolvição de uma pessoa.
“O juiz manda conduzir coercitivamente uma pessoa, mas não pode prendê-la por mais de 24 horas, porque isso geraria o abuso de autoridade. Ninguém pode ser preso se não for em flagrante de delito ou ordem escrita da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória ou no curso de investigação ou do processo em virtude de prisão temporária e preventiva”, destaca o criminalista.
Offshore
Offshore, palavra cujo significado em inglês é “afastado da costa”, é um termo utilizado para se referir a contas bancárias ou empresas abertas no exterior, geralmente em paraísos fiscais, onde os titulares buscam melhores condições em relação ao seu país de origem, como isenção de impostos e sigilo fiscal. A abertura de uma empresa offshore é permitida pela legislação brasileira, desde que seja declarada à Receita Federal e ao Banco Central, em caso de patrimônio superior a US$ 100 mil.
Para o Ministério Público Federal (MPF), trata-se de empresa criada em um paraíso fiscal no qual as leis dificultam a punição de crimes e a identificação do real beneficiário. “Embora possa ser utilizada para fins lícitos, é comum o seu uso para propósitos criminosos, caso em que funciona como uma empresa de fachada” segundo o MPF.
Quando criada para fins ilícitos, a offshore é registrada em nome de “laranjas” do país em que é constituída, os quais outorgam procuração ao verdadeiro dono com amplos poderes de gestão da instituição de fachada. Esse verdadeiro dono pode ser, por exemplo, um agente público corrupto que, no momento seguinte, usará a offshore para abrir uma conta em algum outro país, onde esconderá o dinheiro sujo.
Embora constituída em um paraíso fiscal no exterior, essa empresa nunca desenvolve negócios reais no exterior, não possuindo, usualmente, mais do que uma caixa postal para o recebimento de correspondências. “No caso Lava Jato, o uso fraudulento de offshores foi identificado. Descobriu-se, por exemplo, que funcionários da Petrobras abriram contas para receber propina, em vários países, as quais estavam em nome de empresas offshores. Doleiros, igualmente, usaram offshores para, em nome delas, esconder dinheiro sujo no exterior”, diz o MPF.
Usufrutuário
A palavra foi usada pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao se defender da acusação de ser o titular de contas milionárias na Suíça. Ele alega que é “usufrutuário em vida” de ativos geridos por um truste (monopólio de empresas). Usufrutuário é aquele que não é dono, mas tem direito, por lei, de usar determinado bem.
Declínio de competência
Para os casos de políticos e demais pessoas que perderam o foro privilegiado, como os integrantes do governo Dilma, por exemplo, o Ministério Público fez 211 pedidos de remessa de trechos das delações para instâncias inferiores da Justiça. Isso é chamado “declínio de competência”, já que o inquérito seria retirado do Supremo Tribunal Federal (STF).