Candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, que termina neste ano seu sétimo mandato como deputado federal, ao longo de 27 anos como parlamentar no Congresso, ganhou a simpatia do mercado financeiro graças às promessas de apoio ao ajuste fiscal. Uma análise de seus votos, porém, revela convicções diferentes das que ele vem sustentando.
Bolsonaro votou contra as principais tentativas de reforma da Previdência e contra as grandes privatizações, como o fim do monopólio do petróleo e o das telecomunicações nos anos 1990. Ao mesmo tempo, apoiou benefícios aos servidores, isenções fiscais a setores específicos e medidas que elevaram o gasto público, mesmo em períodos de restrição orçamentária. Quando questionado sobre o assunto, o candidato, que é líder nas pesquisas de intenção de voto, costuma responder que sua fama de estatizante vem de sua oposição ao Plano Real, que estabilizou a moeda em 1994.
Diz ainda que se converteu de vez após conhecer seu guru, Paulo Guedes, economista egresso da Universidade de Chicago, reduto liberal. Mas seu histórico de votos, até mesmo mais recente, prova que não é bem assim. Mesmo no governo Michel Temer, quando suas ambições presidenciais já estavam claras, suas posições econômicas continuaram ambíguas. Bolsonaro votou a favor do teto de gastos em outubro de 2016, mas, um ano e meio depois, deu seu aval para o Congresso apreciar em regime de urgência a criação de centenas de municípios — medida que, se aprovada, certamente elevará as despesas públicas.
Em abril de 2017, o deputado votou a favor da reforma trabalhista, que reduziu o custo da mão de obra para o empregador, mas, em maio do ano seguinte, disse não ao cadastro positivo, outra medida importante para os economistas liberais que dizem acreditar que pode facilitar a redução da taxa de juros no país. Bolsonaro também se posicionou contra reformas estruturais para resolver o caos das dívidas estaduais.
Ele rejeitou um projeto de lei que suspendia o pagamento dos débitos dos estados superendividados, caso do Rio de Janeiro, seu berço político, por causa das contrapartidas exigidas, como elevação da contribuição previdenciária de servidores.
“A transformação do Bolsonaro em um liberal não foi completa. Ele continuou muito ambíguo e até um pouco oportunista e amador. Esse amadorismo em temas econômicos é muito preocupante em um governo”, diz Fernando Abrucio, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
As mudanças no sistema de Previdência, que são apontadas por analistas como as mais urgentes para o ajuste das contas públicas, sempre sofreram oposição do deputado, cuja base eleitoral eram os servidores, em especial os militares.
Em 2003, Bolsonaro votou contra a reforma da Previdência do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que acabou com a aposentadoria integral dos funcionários públicos que ingressavam na carreira. Em 2012, ele se opôs à regulamentação do fundo de previdência complementar dos servidores e, em 2015, foi favorável ao fim do fator previdenciário, que desestimulava a aposentadoria precoce.
A postura do candidato em relação à Petrobras também é confusa e mudou depois dos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato. Ele era defensor do monopólio do petróleo em 1994 e votou a favor da capitalização da estatal no governo Lula. Já em 2016 aprovou o fim da obrigatoriedade de a Petrobras ser a única operadora do pré-sal e deu seu aval para que a empresa venda áreas contratadas no regime de cessão onerosa.
Recém-saído do Exército, Bolsonaro chegou ao Congresso em 1991, eleito pelo Partido Democrata Cristão para defender os interesses militares. Passou por nove partidos, como PP, PPR, PPB e PTB, e ficou conhecido por propor o porte de armas e pelo conservadorismo em temas sociais.
Ele se ausentou na votação em primeiro turno da emenda que pune o trabalho escravo e se opôs à emenda que estendeu os direitos trabalhistas para os domésticos. Para Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria, a economia nunca foi uma preocupação para Bolsonaro.
“A impressão que passa é que ele seguia seus instintos e a orientação do partido em que estava. Sua visão não é liberal, mas obviamente não chega a ser de esquerda. É um político que defende corporações e funcionários públicos, e acha que o estado tem de estimular alguns setores.”
Bastante sensível a demandas setoriais, o deputado apoiou diversas isenções fiscais nas últimas duas décadas, a despeito de ter ajudado a aprovar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000.
Um exemplo é a desoneração da folha de pagamento das empresas, instituída pelo governo Dilma Rousseff (PT) e engordada pelo Congresso, que provocou um rombo de R$ 25 bilhões nas contas públicas no seu auge em 2015. Em julho de 2012, Bolsonaro votou a favor da ampliação do número de setores beneficiados pela medida, que chegou a atingir 56.
Em junho 2015, quando já estava claro que o governo havia cometido um erro, o deputado foi contra a tentativa do então ministro Joaquim Levy de acabar com a desoneração. Bolsonaro aprovou a criação do InovarAuto, programa de incentivo à fabricação de veículos no Brasil, que custou R$ 5 bilhões em cinco anos aos cofres públicos e acabou condenado na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ele também votou a favor da extensão, por mais 50 anos, da Zona Franca de Manaus, que deve significar uma perda de arrecadação de R$ 24,7 bilhões ao governo no próximo ano. O deputado foi seguidamente favorável ao Simples, regime tributário especial para pequenas e médias empresas, que custa cerca de R$ 87 bilhões à União por ano.
Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, explica que defender isenções fiscais para alguns setores não é uma agenda liberal clássica, que, ao contrário, prioriza a redução de impostos de forma igualitária. “Essa agenda corporativista é o que chamo de Brasil velho”, afirma o economista.
O levantamento feito pela Jornal Folha de São Paulo também revela que, em sua época de deputado, Bolsonaro votou várias vezes a favor de medidas que provocariam rombo nas contas públicas, porque eram de apelo popular ou de interesse de estados e municípios. Em 2007, por exemplo, votou a favor do fim da CPMF, o “imposto do cheque”, que agora Paulo Guedes, indicado como seu futuro ministro da Fazenda, cogita recriar.
“Há dois Bolsonaros: o deputado cuja pauta sempre foi corporativista e que votava o restante dos temas de forma meio displicente. E o candidato que encontrou uma janela de oportunidade dentro de um liberalismo radical, que, na verdade, ele mesmo nunca professou”, diz Carlos Mello, professor do Insper. A campanha de Jair Bolsonaro não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.
Com informações do Jornal Folha de São Paulo