Em carta escrita do próprio punho, o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que está preso em Curitiba, afirma que o parecer do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi submetido, antes de sua abertura, ao presidente Michel Temer.

No documento conhecido nesta segunda-feira, 17, Cunha afirma que Temer não disse, em entrevista realizada no sábado, 15, a “verdade” sobre o ocorrido num encontro realizado dois dias antes da abertura do processo de afastamento da petista. Alvo da Lava Jato, o ex-deputado está no Complexo Médico Penal, em Pinhais.

Na conversa com jornalistas da Rede Bandeirantes no sábado, Temer foi questionado do papel de Cunha no impeachment e respondeu retratando um episódio em que ambos teriam conversado a respeito do encaminhamento do processo na Câmara. “Vou contar um episódio que foi o seguinte: uma ocasião ele foi me procurar, isso era umas duas horas da tarde mais ou menos, dizendo: ‘olhe, hoje eu vou arquivar todos os pedidos de impeachment da presidente, porque – e eram 10 ou 12 pedidos, não é – porque prometeram-me, ele estava lá no Conselho de Ética, prometeram-me os três votos do PT no Conselho de Ética’. Eu disse: ‘ah que bom, muito bom, assim acaba com essa história de você estar na oposição etc.’, disse Temer.

Agendamento. Na carta, Cunha afirma que foi outro o teor das conversas, realizadas na varanda do Palácio do Jaburu, residência oficial do então vice-presidente. Segundo o ex-deputado, na ocasião, Temer teve acesso ao parecer de abertura do processo de impeachment e deu aval sobre o conteúdo do mesmo. “O verdadeiro diálogo ocorrido sobre o impeachment com o então vice-presidente, às 14h da segunda-feira 30 de novembro de 2015, na varanda do Palácio do Jaburu, 48 horas antes da aceitação da abertura do processo de impeachment, foi submeter a ele o parecer preparado por advogados de confiança mútua. Foi debatido e considerado por ele correto do ponto de vista jurídico”, diz Cunha.

O deputado também afirma que Temer se “equivocou nos detalhes” quando tratou na entrevista à Band sobre um encontro com ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial Márcio Faria da Silva. Em depoimento gravado no âmbito das investigações da Lava Jato, Silva disse que o encontro se deu no escritório político de Temer, em Alto de Pinheiros, em São Paulo, em 15 de julho daquele ano. Segundo Silva, Temer comandou reunião de acerto de propina de US$ 40 milhões. “O deputado Eduardo Cunha, na época me disse: ‘olhe, há uma pessoa que quer colaborar, quer contribuir com o partido, mas ele quer pegar na sua mão, quer cumprimentá-lo.’ E daí, ajustamos um dia que eu estava em São Paulo. Eu até confesso que cheguei um pouco atrasado na reunião, estavam os três já reunidos, e eu me sentei, e lá ele disse: ‘olha, eu queria muito conhecê-lo etc’ … Eu disse: ‘muito obrigado, espero que nós possamos continuar a fazer pelo País’. Não tratamos de absolutamente nenhuma questão de valores, nada disso, porque o objetivo central era este”, disse Temer na entrevista.

“Com relação a reunião com o Executivo da Odebrecht, o presidente se equivocou nos detalhes. A referida reunião não foi por mim marcada, embora tivesse tido várias outras reuniões sobre doações marcadas por mim. Nesse caso, o fato é que estava em São Paulo, juntamente com Henrique Alves e almoçamos os três juntos no restaurante Senzala, ao lado do escritório político dele após outra reunião e fomos convidados eu e o Henrique a participar dessa reunião já agendada diretamente com ele”, afirma Cunha. O ex-deputado não contesta, contudo, a versão de Temer de que no encontro não se tratou de valores. “Efetivamente na referida reunião não se tratou de valores nem referência a qualquer contrato daquela empresa. A conversa girou sobre a possibilidade de possível doação e não corresponde a verdade o depoimento do executivo”.

Procurado, o Palácio do Planalto afirmou que não vai se manifestar sobre o assunto.

Íntegra da carta de Cunha:

Com relação a entrevista do sr. Presidente da República à Rede Bandeirantes no último sábado, dia 15 de abril, repetida no domingo, tenho a esclarecer o que se segue:

  1. Lamento que nesta data, onde se completa um ano da votação da abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, comandada por mim, tenha de vir a público desmentir o presidente que assumiu o cargo em decorrência desse processo.
  2. Não existiu o diálogo descrito pelo presidente com relação aos fatos sobre o impeachment e o meu livro detalhará todos os fatos reais sobre o impeachment em ordem cronológica com farta comprovação.
  3. O verdadeiro diálogo ocorrido sobre o impeachment com o então vice-presidente, às 14h da segunda-feira 30 de novembro de 2015, na varanda do Palácio do Jaburu, 48 horas antes da aceitação da abertura do processo de impeachment, foi submeter a ele o parecer preparado por advogados de confiança mútua, foi debatido e considerado por ele correto do ponto de vista jurídico.
  4. Com relação a reunião com o Executivo da Odebrecht, o presidente se equivocou nos detalhes. A referida reunião não foi por mim marcada, embora tivesse tido várias outras reuniões sobre doações marcadas por mim. Nesse caso, o fato é que estava em São Paulo, juntamente com Henrique Alves e almoçamos os três juntos no restaurante Senzala, ao lado do escritório político dele após outra reunião e fomos convidados eu e o Henrique a participar dessa reunião já agendada diretamente com ele.
  5. Efetivamente na referida reunião não se tratou de valores nem referência a qualquer contrato daquela empresa. A conversa girou sobre a possibilidade de possível doação e não corresponde a verdade o depoimento do executivo. 

Com informações O Estado de São Paulo