Uma em cada cinco crianças e adolescentes no mundo está acima do peso. É o que aponta um estudo, detalhado na revista Jama Pediatrics. Para a pesquisa, os cientistas de diversas universidades chinesas revisaram mais de 2 mil artigos e incluíram, na avaliação, quase 46 milhões de jovens de 154 países e regiões diferentes.
O trabalho de revisão investigou a prevalência global de excesso de peso em crianças e adolescentes, abrangendo o período de 2000 a 2023. Os resultados revelaram uma alta taxa de sobrepeso e obesidade nesse grupo populacional, com variações regionais significativas, destacando a Polinésia com os maiores índices, e África Média e Ocidental, com os mais baixos.
No estudo, diversos fatores foram associados à obesidade em crianças e adolescentes, como idade, sexo, tipo de escola, sobrepeso materno, hábito de tomar café da manhã, número de refeições diárias, tempo de uso do computador, tabagismo da mãe durante a gravidez, peso ao nascer, exercício regular e duração do sono.
O estudo também ressaltou que indivíduos com sobrepeso nessa faixa etária têm maior probabilidade de apresentar comorbidades físicas e mentais, como depressão e hipertensão. Um aumento na prevalência da condição ao longo dos anos ainda foi evidenciado pelos cientistas.
Piores taxas
Conforme os autores, foi relatada maior taxa de obesidade entre crianças e adolescentes em países com pontuações no Índice de Desenvolvimento Humano de 0,8 ou mais e nações de alta renda. Em comparação com 2000 a 2011, foi observado um aumento de 1,5 vez na prevalência da condição entre 2012 e 2023.
O relatório Carga Global de Doenças da Obesidade Colaboradores revelou uma taxa global de 5% para a obesidade infantil, com 107,7 milhões de crianças afetadas em todo o mundo, em 2015. Dados da Federação Mundial de Obesidade indicam que a tendência crescente não foi interrompida e estimam que 254 milhões de pessoas, de 5 a 19 anos, sofrerão da doença em 2030.
A obesidade pode ser resultado de questões comportamentais e ambientais multidimensionais. Dieta desequilibrada e hábitos sedentários parecem ser os principais fatores. Por ser uma doença, tratá-la quando há outras patologias adjacentes, como diabetes, doenças cardiovasculares e distúrbios psicológicos, pode ser mais difícil.
Desequilíbrio
James Barbosa, endocrinologista no Hospital Estadual Carlos Chagas, no Rio de Janeiro, detalha que o desequilíbrio hormonal nos jovens pode contribuir para o ganho de peso de diversas maneiras. “Entre elas está o hipotireoidismo, que resulta no metabolismo mais lento. No caminho inverso, temos a Síndrome de Cushing, em que os níveis elevados do hormônio cortisol aumentam o apetite e o acúmulo de gordura. Outra causa pode ser pelo hormônio do crescimento, que afeta o metabolismo e o armazenamento de gordura.”
Conforme o especialista, níveis altos de insulina, que ocorrem na diabetes tipo 2 e na resistência insulínica promovem o armazenamento de gordura. “Para as meninas, há casos da Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), em sua prática ocorrem desequilíbrios hormonais sexuais que dificultam a perda de peso em meninas.”
Segundo a equipe, a obesidade nessa faixa etária foi associada a uma mistura de influências comportamentais, ambientais e socioculturais que necessitam da atenção e da intervenção comprometida de profissionais de cuidados primários, médicos, autoridades de saúde e do público. Para os pesquisadores, os resultados do estudo indicam que o excesso de peso é comum em crianças e adolescentes, destacando a necessidade de implementação de medidas de controle.
Eliane Cêspedes, pediatra especialista em desenvolvimento e comportamento, em Brasília, frisa que além da questão estética, a obesidade desencadeia dificuldades comportamentais, interferindo, no relacionamento social, familiar e acadêmico da criança.
“São queixas físicas por vezes ‘inexplicáveis’, como dores de cabeça, abdominais, humor depressivo, tristeza, impaciência, irritação, inquietação, choro fácil, além de alteração do sono e do apetite. Quanto mais problemas de comportamento a criança apresenta, maior será a probabilidade de desenvolver um quadro depressivo, por exemplo”, afirma a médica.
O trabalho também destaca que o excesso de peso e a obesidade infantil persistem na idade adulta, e os problemas de saúde relacionados a essa doença podem se cronificar mais tarde na vida. Paula Fabrega, endocrinologista do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, detalha que, com o início da puberdade, várias mudanças no corpo são observadas.
“O ganho de peso deve ser sempre pareado com a altura para avaliar se há uma desproporção ou não. Vemos muitas mudanças de humor que podem ser relacionadas ao aumento da ingesta de alimentos mais calóricos, o que pode resultar em ganho de peso. Conversar com os adolescentes sobre as mudanças que estão por vir ajuda muito”, diz Paula Fabrega.
A especialista reforça que, em caso de sobrepeso por razões endocrinológicas, há correções específicas a se fazer, no entanto, o tratamento da obesidade em crianças e adolescentes é realizado preferencialmente com reeducação alimentar e incentivo à prática de atividade física regular. “Isso associado à correção de causas orgânicas. Quando essas medidas falham, pode-se indicar tratamento medicamentoso.”
Vida moderna
“Podemos dizer que vivemos em um ambiente obesogênico. Crianças e adolescentes estão fazendo cada vez menos atividade física. Vão de carro para a escola, locomovem-se menos, fazem menos caminhada. No dia a dia, ficam isolados em casa, com muito tempo de tela, isso por falta de segurança e de estímulo para realizar atividade física em ambiente adequado. Antigamente, as crianças brincavam correndo nas ruas, nos prédios, algo que não existe mais. Além disso, os pequenos estão mais expostos a alimentos ultraprocessados, com mais calorias e maior quantidade de açúcar e gorduras, menos alimentos naturais, menos frutas, verduras e legumes. Hoje é comum, principalmente pessoas com menos renda, comprarem mais alimentos processados.”
Paulo Rosenbaum, endocrinologista do Hospital Albert Einstein
(*)com informação do Jornal CB