Após cerca de três meses da primeira reunião do Grupo de Trabalho Interministerial para discutir a regulamentação de trabalhadores por aplicativos de delivery e transporte, a primeira proposta de remuneração está na mesa, mas ainda longe de atender aos desejos da categoria. A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) — que reúne iFood, Uber, Lalamove, 99, Amazon e outras plataformas — propôs valores mínimos para a hora trabalhada, considerando apenas o tempo gasto efetivamente fazendo entrega ou conduzindo um passageiro, e não todo o período em que o trabalhador fica à disposição logado no app.
Para os motoristas de aplicativo, a proposta de remuneração mínima é de R$ 15,60 por hora. Para os entregadores, o valor depende do meio de transporte utilizado: R$ 6,54 para quem trabalha de bicicleta; R$ 10,86 para os que usam carros; e R$ 10,20 para os que utilizam motocicletas. No documento apresentado, a Amobitec alega que os valores mínimos são, no âmbito do transporte privado individual de passageiros, o equivalente a 262% do salário mínimo nacional vigente (R$ 1.320), e no âmbito do delivery o equivalente a 170% (para o modal motocicleta), 181% (carro) e 109% (bicicleta). Todos são maiores do que o salário mínimo, que equivale de R$ 6 por hora.
Do outro lado da negociação, porém, a Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (AMABR) considera os valores baixos e o formato de cálculo injusto.
— Baseiam no salário mínimo, mas geralmente quem ganha o mínimo não faz um investimento inicial para trabalhar, não tem uma ferramenta para manter e que em algum momento vai ter que trocar. Desconsideram que a profissão de motofretista é reconhecida como profissão de risco pelo Ministério do Trabalho. O piso da categoria em São Paulo é R$ 1.950 e já é desfasado, porque cerca de 30% a 35% são gastos com gasolina — aponta Silva, que também é um dos fundadores da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos (Anea).
Usando como referência o piso da categoria em São Paulo, a AMABR calcula que os trabalhadores deveriam ganhar, no mínimo, R$ 18,35 por hora que estiver logado. Mas o desejo é chegar à remuneração de R$ 45 por hora, considerando gastos associados a entregas e transportes e custeio de itens de segurança.
— As empresas humanas têm que valorizar quem carrega a empresa nas costas — diz o presidente da associação.
A próxima reunião do Grupo de Trabalho Interministerial está prevista para o próximo dia 29. Ao longo desses 15 dias de intervalo entre a última reunião (em 14 de agosto, quando foi apresentada a proposta das empresas de remuneração mínima) e a próxima, haverá discussões entre trabalhadores e apps sobre ganhos mínimos e tabelas de custos referentes à operação da atividade. O governo federal pretende concluir as negociação para regulamentar a atividade profissional até o fim desse ano.
Se não houver acordo, governo vai interferir
Na discussão, o governo quer garantir o que chama de “transparência algorítmica”, ou seja, que o trabalhador saiba o que determina sua remuneração. Apesar de todas as partes comemorarem o avanço das negociações em três meses, diante do impasse posto no momento, Gilberto Carvalho, secretário nacional de Economia Popular e Solidária do Ministério do Trabalho, já previu que pode ser necessário o governo tomar a frente.
— Começamos esse diálogo. Não é fácil, porque há interesses contraditórios, mas uma decisão do presidente Lula é que daqui para frente esse trabalho será regulamentado — disse o secretário: — Havendo um acordo, maravilha. Não havendo acordo, o governo vai tomar providências para que haja de fato regras mínimas que assegurem os direitos dos trabalhadores e naturalmente condições para que as empresas possam continuar servindo no Brasil.
Próximo passo é discutir previdência
O cadastro e a regulação do trabalho para esses aplicativos é uma promessa de campanha do presidente Lula. Em novembro do ano passado, a equipe de transição do governo já havia explicado que a estratégia seria fugir da discussão sobre existência ou não de vínculo empregatício — considerada polêmica em todo o mundo — e focar no conceito de relação de trabalho. O plano era garantir condições de segurança para o exercício das atividades, direito a seguro, jornada diária máxima e negociação coletiva com as empresas.
Após a última reunião, realizada dia 14, Gilberto Carvalho apontou que, após se chegar a um acordo sobre a remuneração mínima, será possível destravar outros temas entre trabalhadores e aplicativos, como a contribuição para a previdência. Atualmente, o trabalhador não tem qualquer assistência.
Saiba mais
Os trabalhadores – Antes mesmo de instaurar o GT, o Ministério do Trabalho e Emprego divulgou que estimava ter 3,05 milhões de trabalhadores nessas plataformas no Brasil. Um dos intuitos era criar um cadastro único para a categoria, com o objetivo de identificar os trabalhadores e criar políticas voltadas a eles).
Quem são – Estudo feito pelo Cebrap, que analisou dados de corridas e entregas fornecidos por 99, iFood, Uber e Zé Delivery, empresas associadas à Amobitec, calculou que o contingente de pessoas que atuam com os aplicativos é de cerca de 1,6 milhão no Brasil, sendo 274.281 motoristas e 385.742 entregadores. Quase a totalidade é do sexo masculino (97% dos entregadores e 95% dos motoristas). A média de idade é de 33 anos (entregadores) e de 39 anos (motoristas). A maior parte tem ensino médio completo ( 60%) e se declaram pretos ou pardos (62% dos motoristas e 68% dos entregadores).
O GT – O grupo de trabalho foi estabelecido por decreto no dia 1º de maio. Conta com 15 representantes do governo, 15 dos empregadores e 15 dos trabalhadores.
Prazo – Os trabalhos do comitê para estabelecer a regulamentação podem acontecer durante 150 dias, prorrogáveis pelo mesmo período. O intuito inicial, porém, era concluir a proposta de regulamentação do trabalho de apps até início do segundo semestre deste ano.
Outros países – Na Espanha, a regulação impôs às empresas de aplicativos a contratação dos trabalhadores, até então autônomos, como empregados, com direito a férias e descanso remunerados. No Reino Unido, por decisão judicial, o tempo de jornada do trabalhador não é contabilizado apenas quando em viagem, e sim a partir do momento em que liga o aplicativo e enquanto estiver disponível para serviço. Na Califórnia, nos Estados Unidos, há uma lei desde 2019 que obriga a contratação com natureza empregatícia desses trabalhadores.
(*)com informação do Jornal Extra