A Câmara dos Deputados concluiu, nesta semana, a votação das emendas do Senado ao projeto de lei que estabelece novas regras para os processos por improbidade administrativa. As mudanças são interpretadas como retrocesso nas leis criadas para o enfrentamento da corrupção no País. O texto do Projeto de Lei 2505/2021 será submetido à sanção presidencial.
A lei define como atos de improbidade administrativa aqueles que causam enriquecimento ilícito do agente público, lesão ao erário ou violação dos princípios e deveres da administração pública. A principal inovação do projeto está em determinar que a improbidade só poderá ser caracterizada quando houver comprovação de dolo do gestor – ou seja, quando ficar provado que houve intenção maliciosa, e não apenas imprudência ou negligência.
O projeto cria, ainda, prazos de prescrição (“vencimento” da possibilidade de condenar o gestor acusado de improbidade) que devem ser observados durante o processo. Se algum deles for ultrapassado, o processo deve ser arquivado. É a chamada prescrição intercorrente. Atualmente, o único prazo de prescrição possível é antes da abertura do processo.
Pelo texto da lei, o Ministério Público passa a ser o único titular possível de ações de improbidade – hoje, qualquer pessoa jurídica pode fazê-lo. Quando a lei for sancionada, o MP terá prazo de um ano para manifestar interesse em assumir os processos já abertos. Aqueles que não forem reivindicados dessa maneira serão arquivados.
EMENDAS APROVADAS
A Câmara aceitou sete das oito emendas feitas pelo Senado. A única rejeitada foi a inclusão de um dispositivo que dizia que a indicação política para cargos de livre nomeação em que se identificasse nepotismo (inclusive cruzado) seria passível de ação de improbidade, mesmo sem a evidência de intenção dolosa. Com isso, o nepotismo continua sendo um tipo de improbidade, mas é preciso comprovar a intenção de beneficiar o parente.
Senadores críticos da proposta afirmam que o Congresso pensou nos seus próprios interesses ao mudar as regras da improbidade administrativa, uma vez que muitos parlamentares são alvo de processos dessa natureza. O líder da oposição, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), chegou a afirmar que o texto foi feito “por encomenda” e cria uma “anistia” para autoridades investigadas.
‘’Estamos aprovando no Congresso Nacional uma legislação para criar benefícios, e não são benefícios para o conjunto da sociedade, mas o benefício de anistia àqueles que cometeram improbidades’’, criticou Randolfo, enquanto o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) alertou que, ao aprovar a nova lei, o Congresso estaria “maculando” a sua credibilidade.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), durante a votação, listou vários pontos de descontentamento.
‘’Esse texto contém evidentes e graves retrocessos que representam claro prejuízo no combate à corrupção. A questão da prescrição intercorrente, a redução dos legitimados para propositura da ação, a retirada dos partidos políticos do âmbito da lei são injustificáveis do ponto de vista do fortalecimento dessas instituições. Sem falar do dolo específico nas hipóteses em que ele exige isso e exclui a culpa grave’’, descreveu Contarato.
IMPUNIDADE ADMINISTRATIVA
Crítico da reforma da lei de improbidade administrativa, o senador Álvaro Dias (Podemos-PR) usou as redes sociais para lembrar da audiência pública realizada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na qual juízes e procuradores falaram contra o projeto.
“Nos últimos dez anos, a Lei de Improbidade puniu mais de 20 mil autoridades públicas. Infelizmente, com a aprovação do projeto, teremos a Lei de Impunidade ao invés de Lei de Improbidade’’, protestou Álvaro Dias.
A mudança na lei, segundo, ainda, Álvaro Dias, teve como objetivo conceder a impunidade a agentes públicos que vinham sendo alcançados pela legislação com condenações por improbidade.
‘’Tivemos o retrocesso. Houve uma flexibilização exagerada, uma abertura das portas para a improbidade administrativa dos agentes públicos. Esta foi a consequência de se legislar em causa própria, de pensarem em seus próprios interesses”, afirmou.
PROTEÇÃO CONTRA PERSEGUIÇÃO
Defensores da proposta argumentam que o novo texto estabelece regras mais previsíveis para os gestores públicos, além de protegê-los de perseguições judiciais com motivações políticas. Foi o que disse o senador Rogério Carvalho (PT-SE), durante a votação do texto no Plenário do Senado.
‘’Governar é um ato muito difícil. Devemos pressupor que [os gestores públicos] têm honestidade como guia na sua atuação. Este projeto define claramente o que pode ser caracterizado como improbidade’’, disse Carvalho, para, em seguida acrescentar: ‘’Isso é fundamental para o melhor funcionamento do nosso sistema de justiça e para que os gestores tenham liberdade e condição de exercer o seu papel, fruto da vontade popular’’, observou.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) disse que a prescrição intercorrente será uma ferramenta para agilizar os processos e impedir que prosperem aqueles que só foram abertos para atacar a reputação de adversários.
‘’É óbvio que a legislação precisa ser atualizada, é eivada de subjetividade. Fala-se aqui em impunidade, mas não é razoável que alguém que responda por alguma coisa fique por 10, 15, 20 anos, com uma espada sobre a sua cabeça. É preciso que a lei coloque limites objetivos, e é o que nós estamos fazendo’’, destacou.
O relator do projeto, senador Weverton (PDT-MA), disse que os maiores abusos cometidos com a atual lei de improbidade acontecem em pequenos municípios. Ele usou o exemplo desses locais como argumento para adaptar as regras a um formato em que a abertura e a condução de processos sejam um pouco mais restritivas.
PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DO PL 2.505/2021
Dolo | Os atos de improbidade administrativa passam a depender de condutas dolosas. Foi suprimida a modalidade culposa. Exclui-se a necessidade de dolo específico dos atos de improbidade decorrentes do descumprimento da legislação de acesso à informação. |
Nepotismo e promoção pessoal | Inseridos como novos tipos de improbidade o nepotismo (inclusive cruzado) até o terceiro grau para cargos de confiança e a promoção pessoal de agentes públicos em atos, programas, obras, serviços ou campanhas dos órgãos públicos. |
Rol taxativo | As condutas consideradas como improbidade são apenas as listadas no texto da lei (hoje, a lista é considerada exemplificativa). |
Sanções | Prazo máximo de suspensão dos direitos políticos sobe para 14 anos (hoje o máximo são 8 anos); Valor máximo das multas aplicáveis cai em todos os casos. |
Regras de prescrição | A ação para a aplicação das sanções prescreverá em oito anos (prazo único), contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. Antes o prazo era de até cinco anos após o fim do mandato do acusado. |
Prazo do inquérito | Aumento do prazo do inquérito para um ano, prorrogável por mais uma única vez. |
Ministério Público | O MP passa a ter exclusividade para propor ação de improbidade. |
Transição | A partir da publicação da lei, Ministério Público terá um ano para manifestar interesse no prosseguimento de ações em curso. Processos sem essa providência serão extintos. |
Sucumbência | Ressalvou-se a condenação em honorários de sucumbência apenas para os casos de comprovada má-fé. |
Agentes públicos | São definidos como agentes públicos o político, o servidor público e todos que exerçam, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas. As disposições previstas no projeto são aplicáveis também aos que, não sendo agente público, induzam ou concorram dolosamente para a prática de ato de improbidade. |
Atos contra princípios da administração pública | ara atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública será exigido dano relevante para que sejam passíveis de sanção. |
(*) Com informações da Agência Senado