A sanção do projeto de lei que libera a terceirização para todas as atividades de empresas, poderá, na avaliação de especialistas, levar à redução de concursos públicos na área da educação e fortalecer a administração de escolas por Organizações Sociais (OS), que poderão também cuidar da contratação de professores.  A questão gera polêmica entre sindicatos, que temem uma desvalorização dos docentes, e desperta discussões jurídicas sobre a viabilidade desse tipo de contratação.

Aprovado esta semana pela Câmara, o projeto, que aguarda sanção presidencial, prevê que a contratação terceirizada de trabalhadores poderá ocorrer sem restrições em empresas privadas e na administração pública. O empresariado apoia a medida e avalia que ela poderá ajudar na recuperação do emprego no país. Mas para o diretor do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), Cleber Soares, a medida poderá ter um impacto negativo na educação com a redução de investimento e precarização do trabalho.

“O trabalhador passa a ser descartável. O reflexo, em um primeiro momento, é que o professor vai trabalhar muito, mas não se sabe quanto tempo conseguirá manter o ritmo, vai adoecer e vai acabar sendo demitido. E vai sair sem nenhum amparo”, avalia.

A situação do magistério no Brasil é frágil, sobretudo na educação básica: o professor brasileiro recebe menos que a média mundial e as avaliações mostram, ano a ano, que a qualidade do ensino precisa melhorar para garantir a aprendizagem. A rotina de trabalho dos professores, em muitos locais do país, é estafante. Dados da última edição da Prova Brasil, em 2015, apontam que a maioria dos professores trabalha 40 horas ou mais (66%) e que 40% deles lecionam em duas ou mais escolas. Pelo menos um terço (34%) tinha remuneração básica menor do que a determinada pela Lei do Piso (Lei 11.738/2008) para aquele ano, que era de R$ 1.917,78.

Para o professor Remi Castioni, da Universidade de Brasília (UnB), especialista em políticas públicas em educação, a terceirização deverá ocorrer nas escolas por meio da parceria com as chamadas OSs, algo que não é novo no setor. Essa possibilidade foi estabelecido na Emenda Constitucional 20/1995, julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado. Segundo ele, com a emenda, o projeto aprovado semana passada pouco deverá mudar o cenário público juridicamente.

Segundo Castioni, no entanto, em um cenário de crise econômica, municípios e estados podem acabar recorrendo às OSs ou à terceirização por questões financeiras, por já terem atingido os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e por não poderem abrir novos concursos. “Você diminui o comprometimento com pessoal e recorre a pessoas jurídicas para continuar ofertando o serviço. Estados e municípios vão lançar mão disso. É muito mais por necessidade de diminuir [gastos] e não sofrer sanções por parte do Tesouro. Acaba sendo melhor terceirizar ou contratar OSs”, diz.

Recentemente, o governo de Goiás propôs um sistema de administração de escolas por OSs. O anúncio da medida gerou uma onda de ocupações e manifestações de professores e estudantes. As OSs são entidades privadas, sem fins lucrativos. Neste modelo, os repasses públicos passam a ser feitos às entidades que são responsáveis pela manutenção das escolas e por garantir o bom desempenho dos estudantes nas avaliações feitas pelo estado. Elas também ficam responsáveis pela contratação de professores e funcionários.

Escolas

A diretora da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pacios, diz que o setor privado ainda analisa juridicamente o que pode ocorrer com a nova medida. Ela ressalta, no entanto, que deve haver um cuidado grande na hora de contratar profissionais terceirizados. “As escolas têm resistência em contratar funcionários terceirizados, vão ter também com professores”, diz. Segundo ela, na educação básica há uma resistência à terceirização exatamente pela importância do contato dos funcionários com os alunos. “É importante que porteiros, faxineiros conheçam os estudantes, as famílias”, explica.

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Idilvan Alencar, defende também o vínculo do professor. “Pela natureza das escolas públicas, é muito importante o vínculo efetivo dos professores para que seja possível o contínuo processo de formação em serviço, motivação para atuar em todo o território nacional entre outros fatores que tornam o fortalecimento da carreira docente estratégico para se garantir uma educação de qualidade”, diz.

Legislação

Para a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio Juliana Bracks, o texto aprovado  pela Câmara ainda precisará de esclarecimentos para que se possa avaliar o real impacto da medida na educação. Juridicamente, explica, caso uma escola privada queira terceirizar professores terá que obedecer a algumas regras. Se o professor for cobrado em relação ao cumprimento de horários ou outros comportamentos, isso configurará uma relação direta. Ele poderá então recorrer à Justiça trabalhista. “A partir do momento que o contratado trata com contratante com horário, por exemplo, acabou, o professor passa a ter vínculo direto”.

A questão muda no setor público, uma vez que não há relação direta entre o trabalhador e o ente federado.  “Temos um problema grave se os entes públicos saírem terceirizando à torto e à direita em vez de fazer concurso público. Não posso substituir a força de trabalho por concurso e terceirizar, criando uma relação mais leve e isenta de algumas responsabilidades”, diz.

A situação se agravará, segundo Juliana, caso seja aprovado pelo STF, o Recurso Extraordinário (RE) 760931, que discute a responsabilidade subsidiária da administração pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa terceirizada. O RE chegou a ser votado e houve empate. O desempate caberá ao ministro recém-empossado, Alexandre de Moraes. “Se a terceirizada quebrar e sequer o Estado tiver responsabilidade, os trabalhadores estarão abandonados”, diz.