Com a oficialização de Fernando Haddad (PT) como candidato do PT à Presidência da República no lugar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve sua candidatura barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com base na Lei da Ficha Limpa, um novo questionamento começou a permear o debate político: o futuro presidente poderá dar um indulto de perdão de pena para Lula, preso desde abril?
Com base na Constituição Federal, especialistas ouvidos pelo Portal Uol Notícias afirmam que sim, embora a decisão, além de improvável, gere um debate sobre sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).
Presidente pode liberar Lula
O presidente da República (o próximo, ou mesmo Michel Temer) pode liberar Lula e qualquer outro preso, com raras exceções, quando quiser. Seu poder de graça, como é chamado, é garantido constitucionalmente. “O presidente pode dar o indulto individual ou coletivo para quem quiser, a hora que quiser. É de sua competência exclusiva, e não precisa dar satisfações a ninguém”, afirma Alexis Couto de Brito, professor de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Não há lei que o impeça.”
De acordo com a Constituição, poucos condenados fogem a esta regra. “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”, afirma o inciso 48 do Artigo 5º.
Nenhum deles é o caso do ex-presidente Lula, condenado por corrupção. Caminho para o indulto Como o indulto ao ex-presidente não fere a Constituição, o futuro presidente – ou o próprio Temer – pode liberar Lula sem muitos obstáculos, basta decretar. Os especialistas apontam, no entanto, que isso provavelmente criaria um debate no STF.
“Se o presidente assina o decreto, ele está livre. Depois disso, alguém – seja o Ministério Público, seja a PGR (Procuradoria Geral da República), seja quem for – pode questionar sua constitucionalidade no STF”, afirma o advogado eleitoral Alberto Rollo. A partir daí, o tribunal julgaria juridicamente a decisão presidencial, não se o ex-presidente merece ou não ser solto. “A jurisprudência do STF sempre foi pacífica neste assunto. O tribunal não se mete, porque é praticamente um ato político”, afirma Brito.
“Ele não se posiciona, ele cumpre.” Entre as decisões que reforçam que o presidente tem soberania em relação ao indulto estão votos dos ex-ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, e dos atuais Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e José Antonio Dias Toffoli, presidente do tribunal até 2020.
“Mas eis a questão: será que [quem já deu jurisprudência pacífica] vai votar do mesmo jeito? O ministro tem de ser coerente. Juridicamente, ele pode até mudar de opinião – e como se trata do Lula, pode ser até que aconteça –, mas ele tem de seguir uma coerência”, afirma Rollo. “Não pode mudar sua decisão só porque é um ex-presidente.”
Decisão jurídica pode virar política
Embora a decisão permeie o âmbito jurídico, Brito avalia que, pelo alvo da especulação do indulto ser um ex-presidente, o debate passa também para o meio político. E, neste caso, o STF tem interferido de forma diferente à tradicional. Em dezembro do ano passado, o tribunal interferiu pela primeira vez em um indulto dado por um presidente da República. A então presidente Cármen Lúcia suspendeu partes do decreto de Michel Temer sobre indulto de Natal, atendendo a um pedido da PGR.
“Indulto não é prêmio ao criminoso, nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta”, escreveu a ministra na decisão.
O parecer foi referendado por Luís Roberto Barroso, em março deste ano. O ministro ampliou de um quinto para um terço da pena o tempo mínimo que um preso deve cumprir para receber o benefício e manteve a suspensão do indulto para quem cometeu crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros “crimes do colarinho branco”. “Isso nunca tinha acontecido. Neste caso, o STF praticamente legislou, é uma pena”, afirma Brito.
“O Barroso fez associações e analogias para justificar, mas, no fim, isso é o que muitos entendem como ativismo excessivo por parte do tribunal.” Segundo ele, a forma de mudar isso seria por meio do Congresso. “Os parlamentares teriam de criar uma lei que estabelecesse limites para estes indultos”, afirma o advogado.
Candidatos evitam falar em indulto
Apesar da discussão sobre o assunto ter ganhado força, tanto o candidato petista Fernando Haddad, afilhado político do ex-presidente, como outros presidenciáveis que já se posicionaram contra a prisão de Lula, como Ciro Gomes (PDT), minimizaram a possibilidade de conceder um indulto.
Na sabatina promovida por UOL, Folha de S. Paulo e SBT nessa segunda-feira, 17, Haddad afirmou que Lula já disse que não trocaria sua “dignidade pela liberdade” e que espera que os tribunais superiores o absolvam. “Ele é advogado, sabe como as coisas funcionam”, avalia Brito, ao comentar a declaração do candidato do PT. “Isso causaria um desgaste muito grande.”
Em entrevistas, Ciro Gomes, que questionou publicamente a prisão do ex-presidente, também já sinalizou que, no momento, não pensa na hipótese de indulto a Lula. Em maio, em um encontro com brasileiros na Suécia, o candidato do PDT disse que esta decisão seria “uma loucura”.
“Duvido que qualquer um deles faça isso. Indultos individuais não acontecem. Os coletivos existem porque as cadeias são horríveis, desumanas. Então, você evita que uma parcela dos presos continue ali, naquela tortura”, opina Brito. “Mas um individual, neste sentido, não acredito.”
Com informações do Portal Uol Notícias