Se você tem 30 anos ou mais provavelmente já sentiu uma certa inveja da rapidez com que adolescentes e crianças teclam em seus smartphones ou da facilidade com que fazem várias coisas ao mesmo tempo – ouvir música no Spotify, “curtir” postagens no Facebook, conversar pelo WhatsApp, ver vídeos no YouTube – tudo pelo celular. Mas essa intimidade com a tecnologia não garante só vantagens aos “centennials”, como são chamados os nascidos entre 1996 e 2010. Também conhecida como geração Z, essas pessoas, hoje com 22 anos no máximo, também sofrem os efeitos da digitalização crescente do dia a dia.
Com mais adolescentes interagindo por mais tempo pelo celular, em vez de encontrar-se pessoalmente, os “centennials” estão menos sujeitos a acidentes de carro e outros incidentes típicos da idade, observa a psicóloga americana Jean M. Twenge, professora da Universidade Estadual de San Diego, em artigo publicado recentemente pela revista “The Atlantic”. Do ponto de vista físico, eles são a geração mais segura que já existiu. Mas a dependência do smartphone e das redes sociais também os tornaram os mais vulneráveis da perspectiva psicológica.
A conclusão é contundente: aparelhos como smartphones e tablets estão tornando os iGen, como a especialista os chama, “seriamente infelizes”. A geração está à beira da pior crise mental em décadas nos Estados Unidos, diz ela, e grande parte dessa deterioração pode ser atribuída aos telefones e à mídia social.
No Brasil, 35% da geração Z alega já ter sofrido depressão em alguma fase da vida – um número alarmante para crianças, adolescentes e jovens de vinte e poucos anos – e 57% diz conhecer alguém da sua idade que sofre da doença, segundo uma pesquisa inédita da consultoria Consumoteca. Ao todo, 55% dos entrevistados se definem como “ansiosos” ou “muito ansiosos”.
O motivo dessa ansiedade se deve, em parte, às postagens que se multiplicam em redes como Instagram e Facebook, nas quais as pessoas sempre se mostram em situações felizes, como viagens, festas e compras. “Eles são bombardeados por vidas esplendorosas. É a pressão da vida perfeita”, diz o antropólogo Michel Alcoforado, sócio da Consumoteca. Da mesma forma que as mulheres das gerações anteriores se sentiram pressionadas a ter corpos perfeitos, como as supermodelos, os “centennials” se sentem obrigados a ser felizes o tempo todo, mesmo sabendo que a web não reflete a vida real.
Há outra fonte de ansiedade, afirma Alcoforado. É a necessidade de opinar sobre qualquer assunto que a rede de amigos considere importante, mesmo que o indivíduo não conheça muito do tema ou se importe com ele. Para 52% dos entrevistados, o Facebook é, hoje, a principal fonte de notícias diárias, revela a pesquisa.
Não importa muito qual a fonte da informação consultada, mas a quantidade delas, porque é essa miscelânea que vai permitir esboçar uma opinião na internet. “É a geração do ‘textão'”, diz o antropólogo, sobre os comentários enormes que acompanham postagens mais polêmicas. E como o que entra na web dificilmente desaparece, há um receio generalizado de se arrepender mais tarde do que foi dito ou mostrado. Novamente, a pressão é para ser perfeito.
O problema ganha relevância diante de uma combinação de fatores – além de passar mais tempo na internet, a geração Z inicia a vida digital mais cedo. Um estudo divulgado em novembro do ano passado, pela empresa de pesquisa Kantar, mostra que os “centennials” passam 4 horas e 17 minutos por dia na web via celular.
Para comparar, a geração Y, que a antecedeu (nascidos até 1995), navega cerca de 40 minutos a menos – 3 horas e 37 minutos. Os brasileiros também são precoces. Outro levantamento, do instituto iStart, mostra que enquanto na América Latina 60% das crianças ganham o primeiro celular aos 12 anos, no Brasil a idade média é de 8 anos.
A conexão constante com a internet transfere para a web experiências que, antes, eram vividas de maneiras bem diferentes. Na pesquisa da Consumoteca, 58% dos participantes disseram se considerar militantes, ativistas ou simpatizantes de alguma causa. Mas há uma enorme diferença entre simpatizar e militar. Para citar dois casos, na política 91% se disse simpatizante e apenas 9%, militante. No feminismo, a diferença é de 86% para 14%.
Mesmo quem milita faz isso principalmente on-line: 68% participa de debates nas redes sociais, 45% cria ou compartilha conteúdo na mídia social e 42% integra grupos de WhatsApp. Participar de manifestações, protestos ou ocupações – o modo tradicional, digamos – só aparece em 5º lugar (40%). “É a primeira geração que faz diferença entre simpatia e engajamento. Eles são simpáticos a muitas causas, mas o engajamento é baixíssimo”, diz Alcoforado.
É preciso cuidado, claro, para não demonizar o celular e as redes sociais, ou detratar os adolescentes. O fato de a geração Z ter nascido no mundo digital – em vez de se adaptar a ele, como as gerações anteriores – também tem características positivas, em particular no consumo.
Questões de ética como trabalho infantil ou escravo, corrupção e respeito ao ambiente pesam para esse consumidor, diz Tracy Francis, sócia sênior da consultoria McKinsey. “É uma questão de coerência. As empresas não podem mais falar uma coisa e fazer outra”, afirma.
A facilidade com que as informações se disseminam na web ajuda nessa vigilância, diz Paula Engert, presidente e sócia da empresa de pesquisas Box1824, que no ano passado traçou um perfil da geração Z com a McKinsey. Hoje, nada que ocorre dentro das empresas é mais privado, afirma a executiva.
Uma companhia não pode defender publicamente a igualdade de gênero e ter um conselho de administração exclusivamente masculino, exemplifica. Bastaria a alguém publicar uma foto mostrando só homens na reunião para levantar suspeitas sobre o comprometimento real da companhia com o tema.
Em abril do ano passado, a United Airlines perdeu US$ 250 milhões em valor de mercado em um único dia depois de mandar arrastar um passageiro para fora de um avião para acomodar funcionários em um voo lotado nos EUA. O episódio, que chocou o público, provavelmente não teria maiores consequências sem a instantaneidade do smartphone e da mídia social. É o que Tracy, da McKinsey, chama de “consumo da verdade”.
A expectativa é que com a geração Z as empresas não tenham só dificuldade para vender seus produtos diante de uma eventual inconsistência entre discurso e prática, mas também em contratar e reter pessoal. “O trabalho só pela remuneração não existe mais”, diz Paula, da Box1824.
Na pesquisa da Consumoteca, 72% dos entrevistados disseram acreditar que fazer o que gosta é mais importante do que ganhar bem. O que não exclui uma certa contradição. Para a maioria (37%), ter o próprio negócio é a melhor maneira de atingir a vida profissional ideal, mas só 3% escolheram a opção de trabalhar em uma startup. A lição é que o empreendedorismo é bom desde que se seja o patrão.
“A geração Z não procura uma vida idealizada como a dos ‘millenials’, mas querem sucesso rápido”, afirma Alcoforado. “Se um ‘millenial’ queria virar diretor em quatro anos, na geração Z o estagiário quer virar presidente.”
Com informações do Valor Econômico