O ministro Gilmar Mendes votou nesta sexta-feira (29) para, na prática, ampliar a regra do foro privilegiado de autoridades no Supremo Tribunal Federal (STF). Além do decano da Suprema Corte, o ministro Cristiano Zanin também votou por essa tese. O presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, pediu vista, mais tempo para analisar, do julgamento.

O ministro Gilmar Mendes propôs que, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido mesmo após a saída das funções. Isso valeria para casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros motivos.

Mendes também defende que, no fim do mandato, o investigado deve perder o foro se os crimes foram praticados antes de assumir o cargo ou não possuírem relação com o exercício da função.

Gilmar Mendes é o relator de um pedido de habeas corpus do senador Zequinha Marinho (PL-PA), que quer levar ao STF a competência sobre uma denúncia contra ele, apresentada à Justiça Federal. O caso está em análise no plenário virtual do STF.

Zanin destacou em seu voto que a competência de julgamento é fixada quando o crime é cometido, mesmo que a pessoa já não esteja mais no cargo no momento da análise do caso.

“A perpetuação da jurisdição para o julgamento de crimes praticados no exercício do cargo e vinculados às funções desempenhadas estabiliza o foro próprio e previne manipulações e manobras passíveis de acontecer por ato voluntário do agente público. Uma regra objetiva e consentânea com a dimensão dada ao instituto pelo Texto Constitucional também terá o condão de evitar essas nulidades”, disse.

Segundo o ministro, “é necessário reforçar que as prerrogativas instituídas em benefício das instituições públicas se consolidaram por imposição constitucional, e não por capricho de um ou outro aplicador da lei que, por deliberação autônoma e volitiva, optou por assimilar jurisdições especiais. A admissão do instituto, já pontuei no voto, foi da Constituição Federal”.

Decisão de 2018

Em 2018, o plenário do Supremo restringiu o foro privilegiado. Ficou definido que só devem ser investigados na Corte crimes praticados durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo.

Com isso, passou a valer o entendimento de que devem ser enviados para a primeira instância da Justiça todos os processos criminais que se refiram a crimes cometidos antes do cargo ou os cometidos no cargo, mas que não tenham relação com a função.

Quando o parlamentar deixa a função, os ministros repassam os casos para outra instância. Só ficam no Supremo as ações em estágio avançado, aquelas em que o réu já foi intimado para apresentar a sua defesa final.

Antes, inquérito ou ação penal que envolvia parlamentar eram repassados ao STF, mesmo que tratassem de fatos anteriores ao mandato.

Nova tese

A nova tese proposta por Mendes é a seguinte: a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.

Decano do STF, Gilmar disse que a restrição do foro privilegiado foi adotada a partir de argumentos equivocados e que é preciso retomar o sistema.

“A compreensão anterior, que assegurava o foro privativo mesmo após o afastamento do cargo, era mais fiel ao objetivo de preservar a capacidade de decisão do seu ocupante. Essa orientação deve ser resgatada”, disse.

Para o ministro, “o entendimento atual reduz indevidamente o alcance da prerrogativa de foro, distorcendo seus fundamentos e frustrando o atendimento dos fins perseguidos pelo legislador. Mas não é só. Ele também é contraproducente, por causar flutuações de competência no decorrer das causas criminais e por trazer instabilidade para o sistema de Justiça”.

Em seu voto, Mendes disse que o foro privilegiado é uma prerrogativa do cargo, e não um privilégio pessoal, portanto, deve permanecer mesmo com o fim da função.

“Afinal, a saída do cargo não ofusca as razões que fomentaram a outorga de competência originária aos Tribunais. O que ocorre é justamente o contrário. É nesse instante que adversários do ex-titular da posição política possuem mais condições de exercer influências em seu desfavor, e a prerrogativa de foro se torna mais necessária para evitar perseguições e maledicências”, disse.

Segundo o ministro, “essa justificativa é ainda mais adequada no contexto atual. Numa sociedade altamente polarizada, marcada pela radicalização dos grupos políticos e pelo revanchismo de parte a parte, a prerrogativa de foro se torna ainda mais fundamental para a estabilidade das instituições democráticas”.

O relator afirmou ainda que o julgamento das ações penais dos acusados de executarem os atos golpistas do dia 8 de janeiro mostra que o Supremo fez avanços estruturais para evitar atrasos nos processos, como análises pelo plenário virtual.

“A eficiência do Poder Judiciário deve ser fomentada não pela restrição de prerrogativas instituídas em benefício das instituições públicas, mas sim por alterações estruturais que tragam mais racionalidade para a tramitação dos processos. O Tribunal tem promovido constantes reformas regimentais para alcançar esse objetivo”, disse.

E completou: “As medidas implementadas produziram resultados tangíveis, como demonstram as ações penais sobre os ataques de 8 de janeiro, cuja instrução ocorreu num bom ritmo, sem sobressaltos e com rigorosa observância do direito de defesa. A experiência recente revela não somente que o Tribunal está preparado para instruir e julgar ações penais complexas, envolvendo detentores de prerrogativa de foro. Ela também comprova que o exercício dessa competência não engessa o funcionamento da Corte nem ofusca suas demais funções institucionais, como a jurisdição constitucional”.

Mendes disse ainda que o objetivo do foro é “a proteção da dignidade de determinados cargos públicos, garantindo tranquilidade e autonomia ao seu titular. Tenho para mim que argumentos pragmáticos, como a pretensão de maior eficiência, não autorizam que a previsão do foro especial seja esvaziada pela via interpretativa”.

Virtual

Os ministros julgam a proposta de Mendes no plenário virtual. Os votos podem ser inseridos até o dia 8 de abril.

O caso envolve um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (PL-PA), que pediu para ter sua situação analisada no Supremo.

Ele é réu na Justiça Federal do DF sob acusação de que, entre 2007 e 2015, no exercício do cargo de deputado federal, teria exigido que servidores de seu gabinete depositassem mensalmente 5% de seus salários nas contas do partido, sob pena de exoneração.

A defesa alega que o STF é o tribunal competente para julgar o caso porque ele ocupou sem interrupção funções com foro, exercendo mandatos de deputado federal (2007-2011 e 2011-2015), vice-governador do Pará (2015-2018), e senador da República, a partir de 2019.

Para o ministro, o caso de Zequinha Marinho revela os problemas do atual sistema do foro.

“No total, da instauração do inquérito policial até hoje, já se passou mais de uma década, mas ainda não se concluiu a instrução processual. Não houve nem mesmo o interrogatório do réu. Esse andar trôpego é um retrato sem filtro dos prejuízos que podem ser gerados pelo entendimento atual, que, com a devida vênia, traz instabilidade para o andamento das investigações e ações penais.”

Mendes diz que “é necessário avançar no tema, para estabelecer um critério geral mais abrangente, focado na natureza do fato criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado (permanência no cargo)”.