Cair na conversa de um estelionatário e perder uma quantia em dinheiro pode gerar consequências graves, não só para o bolso, mas para o psicológico da vítima. De acordo com dados obtidos pelo Correio por meio da Coordenação de Repressão aos Crimes contra o Consumidor, Ordem Tributária e Fraudes (Corf), a quantidade de ocorrências cresceu. Em 2022, foram registrados 59.726 casos e, em 2023, foram 62.135, o equivalente a um aumento de 28%. Boa parte deles, frutos de armadilhas on-line.

Quando pessoas lhe contavam que tinham caído em golpes, a autônoma Lara (nome fictício), 63 anos, se perguntava: “Mas como?” Até que, no começo deste ano, ela própria foi vítima de estelionatários. “Ligaram dizendo que era do banco e que havia uma compra de alto valor feita com o meu cartão em São Paulo. Confirmei o número e era o mesmo que estava na minha agenda. Acabei seguindo todas as instruções do golpista”, relembrou.

Passados alguns minutos, uma nova ligação. Dessa vez, realmente da instituição bancária, informando transferências de alto valor supostamente feitas por ela. “Aí, já era tarde. Levaram todas as minhas economias, quase R$ 70 mil. Denunciei na polícia e estou travando uma guerra com o banco para ser ressarcida. Consegui reaver R$ 20 mil. Espero conseguir o resto de volta”, disse.

Lara começou a ter transtornos do sono e crises de ansiedade. “Até hoje me pergunto se eu teria evitado se estivesse mais atenta. Por ora, estou medicada e tentando me reerguer. Acredite, todo cuidado é pouco. É preciso desconfiar de tudo”, aconselhou.

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golpe online fraude(foto: pacifico)

Armadilhas on-line

Em relação a faixa etária, 51,46% são mulheres, e dessas, 15% estão acima de 59 anos. Os homens correspondem a 45%, dos quais 5,3% estão acima de 60 anos. A delegada Isabel Moraes, da Corf, afirma que, quando se fala em estelionato, não é um crime violento, mas traz graves sequelas mentais nas vítimas. “Já chegaram à delegacia vítimas que se separaram por perder todo o dinheiro que juntaram durante uma vida juntos. Há também relatos de suicídios. É um crime que, com certeza, acarreta em depressão”, descreveu.

Ainda de acordo com Isabel Moraes, os golpes digitais mais comuns são; o novo número por aplicativos de mensagens, solicitando dinheiro com emergência; página de venda falsa; falsos leilões; falsos investimentos; venda de bolsa de valores; golpe do acesso remoto ao banco; e cliques em links maliciosos. Ela aponta que, entre as regiões do Distrito Federal com os maiores índices de golpe, estão a zona central de Brasília e Ceilândia.

A delegada conta que os criminosos mudaram as estratégias de estelionato depois de 2020, começando a ser feitas em grande maioria pela internet. “Os crimes digitais começaram a valer muito mais a pena, eles estudam o comportamento das vítimas e usam de uma engenharia social para atingir essas pessoas, em grande maioria, os idosos, que gostam de conversar e eles usam da empatia, do acolhimento para atrair”, detalhou.

As pessoas se sentem incapazes ao cair em um estelionato e começam a se martirizar. Para a psicóloga Roselene Espírito Santo Wagner, superar um golpe financeiro é um momento desafiador, mas requer decisões necessárias e urgentes. “E importante administrar a crise de forma realista para tomar consciência do momento emocional. O desespero e a falta de discernimento aumentam o nível de estresse, ansiedade e comprometimento da saúde mental. Organize seus pensamentos, busque ajuda”, orientou a especialista. “Lembre-se que isso é apenas uma fase, um momento ruim. A vida é sempre maior que um momento”. 

Manipulação

“Eu tinha bastante controle financeiro, e posso dizer que, até hoje, não me recuperei do golpe, nem psicologicamente nem financeiramente”, conta a radiologista Amanda, 24, (nome fictício), que perdeu R$ 15 mil ao cair no golpe de um anúncio de carro (clonado) na internet.

Nesse tipo de golpe, o estelionatário engana as duas partes: a que vende o carro e a que compra. A vítima, ao entrar em contato pelo número do anúncio clonado, é coagida a olhar o carro pessoalmente com a suposta cunhada do impostor. Porém, o estelionatário também entra em contato com o verdadeiro anunciante do carro e diz que tem uma conhecida interessada em comprar e que ela irá olhar o veículo e, quando isso ocorrer, ele pede para o proprietário do carro falar que eles são cunhados, porque o interessado na aquisição do bem estaria devendo um dinheiro para ele. O golpista afirma ao anunciante que, no momento da compra, o valor será repassado para a conta dele (estelionatário) em que ele vai tirar sua parte do dinheiro e, posteriormente, enviará o restante para o dono do veículo.

Amanda narra que viu o carro pessoalmente. “Olhamos o carro, andamos, vimos que os documentos estavam mesmo no nome da proprietária e nos dirigimos ao cartório”, relatou. O que a poupou de um dano financeiro maior foi que, ao tentar transferir o valor de R$ 28 mil para o criminoso, o banco travou a transferência por conta alto valor. “Foi então que decidi fazer as transferências de forma ‘picada’ e acabou que só consegui transferir o valor de R$ 15 mil para o Pix do cara”, explicou.

A vítima acrescenta que pediu a um conhecido transferir o restante do valor. “Chegando na casa onde iríamos finalizar as transferências, minha irmã questionou à dona do carro se o homem era realmente seu cunhado e ela disse que não. Nesse momento, não fiz mais nenhuma transferência e percebemos que tínhamos caído em um golpe”, resumiu. “É um valor que, para muitos pode não ser tão alto, mas era de um sonho”, ressaltou.

Emocional abalado 

A psicóloga e neuropsicóloga Juliana Gebrim alerta que um golpe financeiro pode ter um impacto profundo no estado psicológico de uma pessoa. “A perda financeira resultante e a incerteza em relação ao futuro podem causar estresse extremo, levando a sentimentos de ansiedade, depressão e até traumas relacionados ao dinheiro. Além disso, a pessoa pode questionar sua autoestima e confiança, sentindo-se tola ou culpada por ter sido enganada”, analisou.

Gebrim conta que, em casos mais graves, isso pode desencadear problemas de saúde mental, como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) ou ideação suicida. Para superar esses efeitos psicológicos, é essencial buscar ajuda profissional, como psicólogos e psiquiatras, que podem oferecer apoio emocional e, se necessário, tratamento medicamentoso, auxiliando na reconstrução da saúde mental e na prevenção de futuros golpes.

Para a especialista, para ultrapassar um trauma ligado a golpe é necessário recuperar a confiança em si mesmo e em sua capacidade de lidar com desafios financeiros — um processo gradual, mas fundamental para a recuperação. “Estabelecer metas realistas e desenvolver habilidades de resiliência emocional também são aspectos importantes nesse processo, proporcionando um senso de controle sobre a situação e ajudando a manter a motivação”, orientou a psicóloga.

(*)Com informação do Jornal CB