Três meses após a edição de uma portaria que flexibilizou a fiscalização do trabalho escravo e que causou enorme repercussão negativa dentro e fora do país, o governo recuou em alguns pontos da nova norma. Foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira uma nova portaria que torna mais rigoroso o conceito de trabalho escravo, definindo mais claramente o que é jornada exaustiva e trabalho em condição degradante para fins de punição aos empregadores flagrados nesse tipo de crime.
A nova regra também devolve aos auditores fiscais a competência para agir e retira a exigência da autorização do ministro do Trabalho para divulgação da lista suja das empresas autuadas por manter trabalhadores em condição de escravidão.
De acordo com o texto, jornada exaustiva é ” toda forma de trabalho, de natureza física ou mental, que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarrete violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os relacionados a segurança, saúde, descanso e convívio familiar e social. O conceito de trabalho em condição degradante foi ampliado para ” qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho”.
A nova portaria foi publicada no mesmo dia da exoneração do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que pediu demissão do cargo na tarde de quarta-feira. Nogueira foi o autor da portaria editada em outubro e que causou polêmica em torno do combate ao trabalho escravo.
A portaria anterior foi um dos pontos mais polêmicos da gestão de Ronaldo Nogueira no ministério. Na época, Nogueira se defendeu e afirmou que o objetivo do texto era dar mais segurança jurídica e objetividade à atuação dos auditores.
As mudanças geraram diversas críticas, incluindo da então secretária nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos, Flávia Piovesan, que classificou a medida como “inconciliável com o Estado democrático de direito”. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se reuniu com Ronaldo Nogueira para pedir a revogação das mudanças, que, segundo ela, haviam criado um “retrocesso nas garantias básicas”.
Na decisão em que suspendeu provisoriamente os efeitos da portaria, em outubro, a ministra Rosa Weber, do STF, questionou dois pontos que foram alterados pelo novo texto: a mudança na definição de trabalho escravo e exigência de autorização do ministro do Trabalho para a divulgação da lista suja. Para a ministra, a medida comprometia “resultados alcançados durante anos de desenvolvimento de políticas públicas de combate à odiosa prática de sujeitar trabalhadores à condição análoga à de escravo”.
Na portaria publicada em outubro,para que fossem caracterizadas a jornada excessiva ou a condição degradante, por exemplo, teria que haver a restrição de liberdade do trabalhador. Ou seja, se o fiscal flagrasse essas condições, próprias de trabalho escravo, só poderia autuar em caso de restrição de liberdade do trabalhador.
Tal enunciado contraria entendimento firmado há mais de dez anos de que o cerceamento ostensivo do direito de ir e vir não está vinculado obrigatoriamente a ambos termos. Mas apenas ao trabalho forçado e à servidão por dívidas, outras condições ligadas ao delito de redução à condição análoga à de escravo previsto no Código Penal.
Com informações O Globo