As cenas de vandalismo e a identificação dos golpistas que atacaram as sedes dos três Poderes no último dia 8 mostram que os jovens, que costumam ser a ponta de lança de movimentos contestatórios de políticas e governos, não predominaram na Esplanada dos Ministérios, mesmo considerando que o ex-presidente Jair Bolsonaro tem um volume razoável de eleitores de até 30 anos. Entre os presos, 70% têm mais de 40 anos de idade. A faixa até 30 anos não passa de 9,6%, segundo a lista divulgada pela Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal.
Ainda que não se tenha um perfil detalhado dos detidos, especialistas em movimentos sociais ouvidos pelo GLOBO apontam algumas explicações. Uma das principais é que, embora pais e educadores se assustem com o número de horas que adolescentes dedicam à internet, são os mais velhos que têm se mostrado fissurados por aplicativos de mensagens e estão mais distantes dos relacionamentos presenciais.
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Com uma rede de relacionamentos menor, em geral formada por pessoas que compartilham as mesmas ideias, eles se tornam mais propensos a acreditar em teorias da conspiração. Aceitos em grupos de WhatsApp ou Telegram, têm suas vozes ouvidas de alguma forma. Na prática, em troca do senso de pertencimento ao grupo, não podem discordar. Opiniões divergentes são rechaçadas pelos administradores e não raro resultam em ataques pessoais e exclusão.
— O controle exercido nos grupos de mensagem funciona bem para o radicalismo. É uma chance de ter voz, mas é controlado. Se alguém for contra, rapidamente é calado ou retirado do grupo, considerado traidor ou “comunista”. É como se o grupo tivesse acesso à grande verdade e, ao tirar os que contestam, ele se fortalece — afirma Hilton Fernandes, professor de Análise Política e Opinião Pública da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Fernandes afirma que os grupos formados em aplicativos de mensagens exercem forte efeito manipulador e de animosidade com os que pensam diferente dos líderes. Como as pessoas falam apenas entre elas mesmas, reforçam suas convicções, aumentando o poder da “bolha social” e a capacidade de inflar os ânimos. Na prática, não há margem sequer para pensar na possibilidade de estarem errados.
Moyses Pinto Neto, doutor em filosofia e professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), compara a participação frenética em grupos de aplicativos de mensagens a uma epidemia e afirma que os idosos são mais vulneráveis à intoxicação pelas plataformas digitais.
— Temos preocupação com crianças e adolescentes, mas não olhamos que os idosos estão com uso desregrado de aplicativos e redes sociais e pouca capacidade defensiva. É um processo análogo ao da dependência química em relação a esses dispositivos. Uma espécie de epidemia de adição que torna as pessoas pouco críticas e sugestionadas. Basta ver a profusão de golpes aplicados por meio de aplicativos de mensagens durante a pandemia, e muitos caíram — diz o professor.
A linguagem dos jovens nos aplicativos de mensagens é outra e, mesmo que sejam conservadores, eles têm contato na escola, no trabalho ou em grupos de amigos com opiniões mais diversas e com grupos LGBTQIAP+. Ou seja, têm acesso ao contraditório de suas próprias crenças, o que leva a serem menos suscetíveis a teorias diversas.
Os jovens, avalia o professor, são mais críticos e céticos em relação aos conteúdos digitais. Para eles, é normal conviver e aceitar novas lógicas sociais e de diversidade de gênero.
O cientista político Oswaldo do Amaral, diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp, afirma que, além da influência dos grupos, o quesito para a ida a Brasília não foi apenas o alinhamento ao pensamento radical, mas a disponibilidade de tempo e dinheiro dos participantes.
— Aparentemente são pessoas que têm uma situação financeira estável e disponibilidade de tempo. Quem tem tempo e dinheiro para ficar acampado diante de um quartel do Exército? Nas greves da década de 1980, os sindicatos arrecadavam dinheiro para manter a paralisação. Participar depende muito dos recursos à disposição. Não trabalhar tem custo — diz ele.
A antropóloga da UFRJ Roberta Guimarães lembra que muitos postaram vídeos comovidos, como se estivessem salvando a pátria:
— É preciso entender o que faz com que elas se sintam ameaçadas pelo desenvolvimento social e as pautas identitárias que avançam no país — diz ela.
(*)com informação do Jornal Extra