A reação do corpo para se proteger do vírus da dengue também pode servir de escudo contra o zika durante a gravidez, segundo cientistas americanos. Em experimentos com ratas, eles observaram que os fetos de cobaias que tiveram dengue e, depois, foram infectadas pelo zika ficaram livres de problemas de má-formação cerebral, como a microcefalia. Para os pesquisadores, isso ocorreu graças a uma resposta imune desencadeada nas fêmeas na primeira infecção. As descobertas, publicadas na última edição da revista Nature Communications, poderão ajudar na criação de vacinas mais eficazes contra o zika vírus.

“Uma questão-chave dessa pesquisa foi entender por que apenas um subconjunto de mães expostas ao zika em países endêmicos, como o Brasil, deu à luz crianças com defeitos congênitos”, explica, em comunicado, Sujan Shresta, pesquisadora do Laboratório do Instituto La Jolla de Alergia e Imunologia, nos Estados Unidos, e principal autora do estudo. Em 2017, Shresta e sua equipe iniciaram a busca por essa resposta constatando que camundongos adultos infectados com dengue exibiam imunidade contra a infecção pelo zika vírus. A equipe descobriu que o fenômeno ocorria devido ao aumento de células-T chamadas CD8+.

Dando início à investigação, eles partiram para novos experimentos com roedores. Analisaram ratas que tiveram dengue, engravidaram e foram infectadas pelo zika logo no início da gestação, na fase embrionária. O resultado mostrou que fetos dessas cobaias não apresentaram problemas cerebrais. O efeito foi contrário ao do grupo de controle, que tinha como base ratas que não haviam sido anteriormente infectadas pelo vírus da dengue (Veja infográfico). Análises mais aprofundadas mostraram que havia grande quantidade de células CD8 na borda placentária das ratas do primeiro grupo, sinalizando que as reações do corpo à dengue também protegem contra o zika. Para dar mais validade à constatação, os pesquisadores eliminaram as CD8 das cobaias, o que as tornou mais vulneráveis à destruição cerebral provocada pela infecção pelo zika.

“Essas células-T reconhecem o zika e são as responsáveis por proteger os fetos”, explica Shresta. A autora do estudo destaca que ainda não é possível explicar por que essa proteção ocorre, mas ela especula algumas razões. “Agora, nosso trabalho está voltado para a compreensão dos mecanismos pelos quais essas células agem contra o zika. Por exemplo, elas matam diretamente as células maternas ou as células fetais infectadas por vírus? Elas produzem citocinas antivirais? Temos muitas possibilidades para explorar.”

Semelhanças

Para Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, a proteção observada no estudo americano pode estar ligada à semelhança entre os vírus. “Ambos são da família de flavivírus, e o que vemos é uma espécie de imunidade cruzada”, diz. “Nós temos várias células imunes no nosso corpo, e essas CD8 se ativam mais quando há uma doença, como a dengue. Ao ser exposto ao vírus, você ativa esses anticorpos, que agem como protetores quando expostos ao zika, que tem muitas similaridades com a dengue”, explica.

Os pesquisadores acreditam ser possível provocar essa espécie de proteção por meio de uma vacina contra o zika e ressaltam que esse é um dos objetivos da equipe. “Nos próximos estudos, vamos entender como essas células-T CD8 estão fornecendo essa proteção. Queremos entender como elas são geradas para que possamos usar e melhorar essa resposta imune”, diz Shresta.

Werciley Júnior acredita que a imunização contra a dengue seja um bom ponto de partida e que os pesquisadores americanos devem pensar na possibilidade de uma fórmula que provoque proteção dupla. “Ainda não temos uma vacina para o zika, e acredito que demorará alguns anos para que isso ocorra. Mas temos a vacina para a dengue. Seria um bom ponto de aprofundamento observar se, assim como quem já teve dengue, quem recebe a vacina contra ela pode estar protegido dos danos provocados pelo zika”, explica.

 

Com informação do Correio Braziliense