Uma pessoa que assinou contrato intermitente, mas não foi chamada para trabalhar e não recebeu salário é um empregado? Para o governo federal, sim.
Ao divulgar o dado oficial que mede o desempenho do mercado de trabalho formal, o Ministério do Trabalho tem incluído os intermitentes na estatística, mesmo sem saber se de fato trabalharam.
Esse tipo de contratação foi criada pela reforma trabalhista, em vigor desde novembro.
O contrato, também conhecido como zero hora, não prevê uma jornada fixa.
Isso significa que o trabalhador pode ser chamado esporadicamente e só recebe remuneração pelo período que prestou serviço. Se não for convocado, não tem salário.
Desde a divulgação dos dados de novembro, o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) traz a quantidade de intermitentes.
O saldo positivo dessa modalidade tem aumentado o resultado geral, apesar de ainda ser pequeno se comparado ao total do mercado de trabalho.
O presidente Michel Temer divulgou que, em maio, foram criados 33 mil novos empregos no Brasil. Mais de 3 mil, contudo, são intermitentes –quase uma a cada 10 vagas.
Procurada pela Folha, a assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho disse que, considerando “as especificidades do trabalho intermitente”, será feita uma estimativa da proporção de contratados nessa modalidade que efetivamente trabalharam.
“O ministério está estruturando uma estratégia de monitoramento da evolução dessa modalidade de emprego, baseada em amostra estatisticamente definida de estabelecimentos e trabalhadores intermitentes registrados no Caged, com objetivo de verificar a proporção dos empregados admitidos nessa modalidade que estão efetivamente trabalhando no mês de referência, com qual jornada de trabalho e remuneração”, informou.
De novembro a maio, o saldo de intermitentes divulgado pelo governo supera 20 mil.
No mesmo período, o resultado geral do Caged —ou seja, todos os tipos de contratação— é de 3,8 mil vagas. Isso significa que, sem os contratos zero hora, o saldo de novembro a maio estaria negativo.
Especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ministério do Trabalho, Marcelo de Sousa diz que a intenção é fazer mudanças que acompanhem as novidades da reforma para “preservar a fidedignidade do Caged” e deixar a estatística confiável.
A ideia, diz ele, é diferenciar os contratos zero hora para não contaminar o resultado.
“À medida que o intermitente ganhar fôlego, nossa tendência é dar tratamento diferenciado para enxergar quem está inserido como celetista tradicional daqueles que eventualmente nem trabalharam no mês”, afirma Sousa.
Outro fator que pode afetar as estatísticas é a possibilidade de um mesmo trabalhador ter diversos contratos.
O Caged contabiliza a quantidade de vagas abertas e fechadas, e não de pessoas. Isso significa que, se alguém tiver três contratos diferentes, será contabilizado três vezes.
Em maio, segundo o ministério, 25 pessoas tiveram mais de um contrato intermitente.
Como essa modalidade não garante que haverá trabalho de fato, a tendência é que os trabalhadores procurem ter vários contratos para aumentar a chance de serem chamados.
Da mesma forma, empresas devem buscar formar um banco de contratos, de acordo com o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury.
“No intermitente, tem a falta de compromisso empresarial. A pessoa não vê um empregado como alguém essencial e não cria um vínculo”, disse.
Se o contrato zero hora é um desafio para o Caged, que é um registro administrativo com dados enviados pelas empresas, a captação dessa novidade é mais difícil para pesquisas domiciliares, como a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua.
A dificuldade começa com o próprio termo, de acordo com Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento do IBGE. “Intermitente não é uma palavra que está no cotidiano. Fizemos testes e a palavra não é entendida por todo mundo. É um termo que vai pegar? Ou teremos que traduzir?”, disse.
Azeredo lembra que o morador que responde a pesquisa não necessariamente é a pessoa empregada. “Se não for, é ainda mais difícil.”
Na prática, um intermitente pode ser classificado como desempregado na Pnad, se tiver procurado um trabalho fixo e não tiver conseguido. Também é possível que ele seja classificado como subocupado, se tiver trabalhado menos horas do que desejava.
Os defensores da reforma dizem que o contrato intermitente pode reduzir a informalidade. Para os críticos, contudo, pode ocorrer apenas a troca da jornada fixa pela flexível, sem ganhos ao trabalhador.
Com informação da Folha de S.Paulo