O Ceará, juntamente com o Pernambuco e Rio de Janeiro, são os únicos estados do país, com mais de 80% dos seus municípios com Conselhos Municipal de Idosos funcionando. A lei brasileira que pela primeira vez trouxe uma lista de direitos específicos para as pessoas com mais de 60 anos foi criada em 1994, quando o país era governado por Itamar Franco. Um dos artigos determinou que cada cidade abrigaria um Conselho Municipal do Idoso, com a incumbência de fazer os novos direitos valerem e impedir que o poder público e a sociedade continuassem atropelando os idosos.
Prestes a completar 25 anos, a lei só é cumprida pela metade das cidades brasileiras. Em pior situação está Alagoas, onde apenas 16% dos municípios contam com conselho. No Pará, no Amapá e em Roraima, 27%. Na Bahia, no Piauí e em Minas Gerais, 34%. Os dados são do IBGE.
Em razão das limitações de saúde típicas da idade, os idosos dificilmente conseguem se mobilizar para formar ONGs que militem por seus direitos — ao contrário de outros grupos sociais também ignorados, como o dos negros, o dos portadores do HIV e o das pessoas com deficiência física, que têm mais força para conseguir políticas públicas.
A lei de1994 foi criada para atender ao artigo da Constituição de 1988 que diz que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas”. Ela, contudo, vinha sendo ignorada sem pudor. Por isso o Congresso Nacional aprovou em 2003 o Estatuto do Idoso, bem mais abrangente, detalhado e punitivo do que a lei anterior. Com o estatuto em vigor, os conselhos municipais do idoso tiveram a sua utilidade reforçada.
Em Brasília, por exemplo, o Conselho do Idoso pressiona o governo local a abrir vagas na educação de jovens e adultos (EJA), o antigo supletivo, especificamente no período diurno. Há poucos idosos matriculados na EJA porque as aulas quase sempre são ministradas à noite, nas mesmas escolas que durante o dia oferecem o ensino regular a crianças e adolescentes. Os mais velhos evitam sair à noite por motivos como a escassez de transporte público, o risco aumentado de assaltos e até mesmo a friagem, que lhes ameaça a saúde.
A demanda por escola na velhice não é pequena. Enquanto a taxa de analfabetismo da população brasileira como um todo é de 7%, o índice sobe para 20% entre os idosos e chega a 30% no caso dos idosos negros. Quando faltam políticas públicas, o conselho municipal do idoso aciona a prefeitura e os vereadores. Quando elas existem e são desrespeitadas, recorre à polícia e ao Ministério Público.
As leis permitem que cada conselho crie um fundo, alimentado com dinheiro público e doações, para financiar projetos na cidade que beneficiem a população idosa. O conselho de representação dos idosos é formado por funcionários da prefeitura e cidadãos comuns, que atuam de forma voluntária, sem salário. Mesmo havendo conselheiros indicados pelo poder público e sendo as despesas administrativas custeadas pelos cofres municipais, o órgão não é subordinado à prefeitura.
Outra missão dos conselheiros é fiscalizar os asilos, sejam eles públicos, filantrópicos ou com fins lucrativos, de modo a ver como os idosos são tratados. O asilo que não cumpre os padrões de qualidade do conselho municipal do idoso não obtém autorização para funcionar.
A lei de 1994 determinou também a criação de conselhos semelhantes nas esferas nacional e estadual. Diferentemente dos municípios, todos os estados cumprem a lei. No nível federal, há o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, mantido pelo Ministério dos Direitos Humanos.
Em junho, a pedido do conselho nacional, o ministério anunciou que providenciaria equipamentos necessários ao pleno funcionamento de 23 conselhos municipais e 18 estaduais, incluindo carro, computadores e móveis. Para mostrar o caminho às cidades que ainda não se estruturaram, o conselho nacional elaborou uma cartilha que explica como abrir e conduzir o conselho municipal do idoso.
A presença de Conselho Municipal do Idoso em apenas metade das cidades fica ainda mais preocupante diante do ritmo vertiginoso de envelhecimento do país. Em 1980, os brasileiros com mais de 60 anos representavam meros 6% da população. Atualmente, são 14%. Dentro de apenas quatro décadas passarão de 32%.
A pirâmide demográfica (com a base de jovens alargada e o topo, de idosos, afunilado) já está ganhando a forma de uma “torre demográfica” (com a base e o topo simétricos). O estreitamento da base se deve à redução do número de bebês que as famílias resolvem ter. O inchaço do topo, por sua vez, se explica pela longevidade dos idosos proporcionada pelos avanços da medicina.
Os países da Europa passaram por essa transição devagar, no decorrer de mais de um século, o que lhes deu tempo para fazer com calma todas as adaptações necessárias à inclusão social dos mais velhos. No Brasil, o envelhecimento está chegando de uma vez e sem que o país tenha se preparado para abrigar tamanho número de idosos.
A coordenadora-geral do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Eunice da Silva, afirma que quem ainda está longe da velhice também precisa se mobilizar, inclusive participando dos conselhos locais. Ela entende que a juventude ainda não se deu conta de que, quando luta pela população idosa, acaba agindo em causa própria. Os direitos que os jovens derem agora a essa população serão desfrutados por eles próprios lá no futuro. “Os jovens de hoje são os idosos de amanhã”, concluiu.
Com Agência Senado