Ceará é o único estado que ainda mantém ativa uma comissão para julgar processos de anistiados políticos. A informação é de Mário Albuquerque, 70, presidente da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou (Ceaws). “Apenas a daqui está em funcionamento, mas há articulações em diversos estados para a continuidade das apreciações”, revela Albuquerque, também ex-preso político e anistiado há 40 anos pela Lei 6.683, de 28/8/1979. Legislação polêmica e assinada pelo general João Batista Figueiredo — último dos presidentes dos vinte e um anos de ditadura militar no Brasil (1964-1985).
>> AI-5: ecos da Linha Dura
Desde a instalação da Comissão no Ceará, em 2002, até o mês passado, foram protocolados 487 pedidos de indenizações por conta de denúncias de perseguições políticas em território cearense no período de 1961 a 1979. No entanto, apenas 285 processos foram deferidos com o pagamento total de R$ 7.162 milhões.
No começo deste mês (9/8), um projeto de Lei do governador Camilo Santana (PT) propondo a reestruturação da Comissão de Anistia Wanda Sidou foi aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa do Ceará. Criada pela Lei 13.202/2002, a Ceaws tinha data para acabar.
De acordo com Mário Albuquerque, uma emenda do deputado estadual Renato Roseno (Psol) eliminou o “prazo para entrada de pedido de indenização — que já havia expirado desde 2004 deixando prejudicadas diversas pessoas”.
A Comissão, conta Albuquerque, “continuou funcionando por causa da dificuldade dos requerentes em fazer prova do alegado. Boa parte dos arquivos dos órgãos estaduais locais, que atuaram na repressão política aos opositores da ditadura, continuam fechados. Caso da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, sem falar em muitos documentos inacessíveis do Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Federal”.
Com a mudança do prazo, “a qualquer tempo, quem se julgar vítima e conseguir provar os abusos cometidos durante os anos de chumbo pode protocolar o pedido. Como ocorre com a lei federal que não estipula intervalo para a demanda de reparação”, compara Mário Albuquerque que foi conselheiro da Comissão de Anistia do Governo Federal.
Outro argumento que serviu de base para a reformulação da Lei, foi o fato da “tortura ser crime de lesa humanidade e portanto imprescritível”.
O Projeto de Lei original do governo cearense também incluiu um representante do Conselho Regional de Psicologia e um da Universidade Estadual do Ceará (Uece) entre os, hoje, 13 membros da Comissão Wanda Sidou. À Uece, detalha Albuquerque, caberá a sistematização da “memória produzida” pelas narrativas e documentos gerados. “Sem exclusão do engajamento de outras universidades”.
Segundo O Povo, o Conselho Regional de Psicologia, à missão de avaliar os enredos e a repercussão de supostos atos de “torturas” e outros “traumas” relatados pelas as vítimas nos processos e depoimentos. Além disso, a Ceaws passou para o guarda-chuva da Secretaria Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS). Antes, estava subordinada à Secretaria da Justiça, que foi extinta.
Mário Albuquerque, que foi condenado a 34 anos de prisão em 1971 por envolvimento com ações do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), critica quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) “usa de má-fé e manda que o requerente escolha uma comissão para entrar com o pedido”.
Além de tratarem de casos de natureza diferentes, “os estados são entes jurídicos distintos e autônomos”, diz. A Comissão Federal “tem caráter de reparação das perdas econômicas e trabalhistas”. Já a Estadual, “exclusivamente, de indenizações por prisão e tortura”. Quando a Lei da Anistia chegou, Mário Albuquerque tinha cumprido nove anos de presídio (IPPS). “Era pra ter saído no dia 28 agosto de 1979, mas só sai dois meses depois”, ressente.
Entenda a diferença
COMISSÃO FEDERAL DE ANISTIA
A indenização federal tem caráter de reparação pelas perdas de natureza econômicas e trabalhistas. É o caso de quem foi demitido ou compelido a abandonar emprego ou deixou de ser contratado por motivos, exclusivamente, políticos. O anistiado terá direito a: Prestação Mensal Permanente e Continuada (PMPC) ou a de reparação Prestação Única (PU), valor mínimo de 30 salários mínimos a no máximo 100.000,00. É aplicada a, excluída a hipótese anterior, quem sofreu perseguições de caráter geral, inclusive prisão, exílio, clandestinidade, exclusão escolar e outras, que lhe trouxeram prejuízos na sua vida civil.
COMISSÃO ESTADUAL DE ANISTIA
É de caráter indenizatório, exclusivamente, por prisão e tortura, não abrangendo, pois, as perseguições de outras naturezas, razão, inclusive, pela qual os estados a considerem como de caráter meramente simbólico, variando de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00. Além de se tratar de casos diferentes, os estados são entes jurídicos distintos e autônomos, não procedendo, pois, o entendimento do atual governo de mandar o requerente optar entre uma e outra.
Montante de indenizações
R$ 3.647 mi
Foi o total pago no governo Lúcio Alcântara
R$ 1.945 mi
Foi o que pagou o governador Cid Gomes aos anistiados
R$ 1.570 mi
É o valor pago até aqui no governo Camilo Santana. O governador teve de pagar indenizações referentes a casos julgados na gestão de Cid Gomes
R$ 7.162 mi
É valor total pago de indenizações a anistiados políticos (1961-1985) até agora no Ceará
Processos julgados por governo no CE
138
processos foram julgados durante o governo Lúcio Alcântara (2003-2007)
117
casos foram finalizados no período do governador Cid Gomes (2007-2010/2011-2014)
29
é o número de pedidos de indenização do governo Camilo Santana (2015-2019/2019 – )
4
Processos foram julgados este ano
Conselho
Órgão de caráter consultivo, o Conselho da Comissão de Anistia é composto por 27 membros. Entre as mudanças estabelecidas pela nova gestão, uma das principais diz respeito ao número de recursos cabíveis às decisões
Anistia e indenização no Ceará
487
é quantidade de processos protocolados até 2004 na Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou, no Ceará
287
é o número de processos julgados até 10/7/2019 na Comissão de Anistia do Ceará
285
pedidos de indenização foram deferidos pela Comissão de Anistia instalada no Ceará
62
processos estão em andamento para serem julgados no Ceará
138
casos não foram concluídos por falta de provas sobre as prisões