Um levantamento realizado pelo Jornal O Globo, a partir da lista de dirigentes federais disponível no Portal da Transparência, aponta que apenas quatro mulheres são presidentes de órgãos estatais no Brasil, mesmo número de postos ocupados por homens de nomes Ricardo ou Paulo, por exemplo.

As profissionais Ana Paula Teixeira de Sousa, da Besc Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (subsidiária do Banco do Brasil), Nadine Oliveira Clausell, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, Adriana Denise Acker, do Grupo Hospitalar Conceição (também na capital gaúcha), e Maria da Glória Guimarães dos Santos, do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), são as únicas mulheres no topo da hierarquia de estatais, de acordo com a lista, cuja última atualização é de outubro.

Esse dado é só uma ponta da disparidade de gênero na administração federal no Brasil: dos 425 cargos, 36 são ocupados por mulheres, 8,4% do total. O montante leva em conta dirigentes que acumulam posições em diferentes empresas da administração pública. Se considerados apenas os postos de presidente, a fatia cai para 5%.

A dificuldade para que mulheres alcancem posições de comando não é exclusiva da administração pública, pois esse quadro se repete no setor privado. De acordo com o Panorama Mulher 2017, pesquisa do Insper com a consultoria Talenses, somente 8% das empresas são presididas por mulheres, uma diferença pouco relevante do ponto de vista estatístico, de acordo com Regina Madalozzo, uma das coordenadoras do estudo.

Em 2015, uma pesquisa da Universidade de Michigan publicada pelo Jornal The New York Times mostrou que havia menos mulheres no comando de empresas americanas do que homens chamados John ou David.

Viés inconsciente favorece homens

No caso brasileiro, a pesquisa levou em conta 339 empresas e indica um possível círculo vicioso que, assim como na administração pública, impede que mulheres cheguem ao topo da hierarquia. Segundo Regina, embora a meritocracia esteja mais vinculada à iniciativa privada, a forma de indicação de mulheres para cargos de presidência não difere muito entre as duas esferas. “No setor privado, para chegar ao cargo de presidência, também há um jogo político que não favorece as mulheres”, disse.

Regina também é coordenadora do mestrado profissional em Economia no Insper e do Núcleo de Estudos de Gênero do Centro de Estudos em Negócio. Ela lembra que, nas empresas, o processo de escolha geralmente passa pelos conselhos de administração, que costumam ser compostos majoritariamente por homens. Na administração pública, os cargos são objeto de indicações dos partidos políticos, também comandados por homens.

A situação no Brasil é ainda pior: nas eleições de 2014, a bancada feminina eleita para a Câmara foi de 9,9% dos deputados federais, o segundo país com menor índice de mulheres parlamentares na América Latina, onde a média é de 22%. Segundo Regina, a sub-representatividade em conselhos de administração e na política cria um círculo vicioso em que menos mulheres são indicadas para posições de poder e, com isso, elas não conseguem promover o crescimento de outras mulheres dentro das empresas.

Regina afirma ainda que pesquisas indicam que indivíduos têm um viés inconsciente que favorece os candidatos mais parecidos com eles. Esse tipo de comportamento também favorece homens sobre mulheres em áreas que não são culturalmente identificadas com o gênero feminino, como é o caso das ciências exatas. Segundo a coordenadora do Insper, o viés inconsciente foi constatado até em pessoas que acreditam que mulheres são capazes de exercer as mesmas funções que homens. “Se na escola os professores disserem que os homens são melhores em matemática, quando houver uma tarefa que envolve cálculo ou raciocínio lógico, inconscientemente muitos preferem contratar um homem”, explica.

A presidente do Serpro, Maria da Glória Guimarães dos Santos, é uma das quatro mulheres em cargos de presidência na administração pública brasileira. Dos quatro postos, dois estão ligados à área de saúde. Maria da Glória diz que, durante sua carreira, sempre percebeu que tinha de demonstrar muito mais conhecimento do que seus colegas homens para ser reconhecida. “A mulher, quando ela fala uma coisa, tem que provar, comprovar e “recomprovar”, tem que mostrar o conceito, a abordagem sistêmica. Os homens, quando eles falam, eles falam uma vez, e está falado”, diz.

Ela conta que, em muitos casos, precisou tomar “posturas desnecessárias” para demonstrar seu conhecimento, o que, por sua vez, gerou preconceito com sua personalidade. “Eu tinha um chefe que dizia ‘A Glória é muito incisiva’. Mas, se você não for, vai cair em descrédito, porque a pressão masculina é muito forte”, pontua.

A presença de mulheres, como Maria da Glória, em postos de hierarquia mais elevada é um dos fatores que podem contribuir para o maior equilíbrio entre homens e mulheres em cargos de chefia, de acordo com o Panorama Mulher.

Governo não se posiciona

A fração de mulheres nos conselhos, vice-presidências e diretorias nas empresas estudadas aumenta sempre que a presidência é ocupada por uma mulher. No Serpro, 31,6% dos funcionários são mulheres e, do contingente feminino, 15,6% ocupam funções de confiança. No caso dos funcionários do gênero masculino, 15,2% ocupam cargos de confiança. A empresa também oferece, desde 2015, o programa “Menina do TI”, para estimular o interesse delas pela área de tecnologia. Hoje, apenas 15% dos alunos da área nas principais universidades do Brasil são mulheres.

Para Regina, do Insper, o incentivo à igualdade de gênero no comando das empresas deve ser feito com muito acompanhamento, além de ser tratado como política institucional. Ela cita práticas como selecionar currículos sem o nome dos candidatos ou exigir que a fase final da seleção seja feita entre um homem e uma mulher. Outra política indicada é adotar a licença-paternidade, para que os homens também acompanhem os primeiros meses do bebê em casa.

Segundo a coordenadora do Insper, um dos principais pontos que favorecem um viés inconsciente contra as mulheres no mercado de trabalho é a maternidade, cujo peso é atribuído em maior grau às mães do que aos pais. Para ela, a licença-paternidade diluiria a responsabilidade familiar. “São coisas que não são necessariamente intencionais por parte de quem contrata. Mas se a gente verifica que há só quatro mulheres em cargos de presidência, o desbalanço é tão grande que temos que investigar o que está acontecendo. Não é simplesmente meritocracia. Não é porque faltam mulheres. Tem alguma coisa acontecendo, e possivelmente é uma coisa com a qual não lidamos de forma racional”, afirma.

Perguntada sobre a forma de escolha de dirigentes, os motivos para a sub-representação de mulheres em cargos de chefia e sobre uma possível meta para diminuir a disparidade entre homens e mulheres, a Presidência da República afirmou que não gostaria de se posicionar sobre o assunto.

Com informações do Jornal O Globo