Gustavo Bebianno, presidente em exercício do PSL, não sabe se tomou a decisão certa ao ficar na sala de cirurgia onde estava o presidenciável de seu partido, Jair Bolsonaro (PSL), estava sendo operado depois de levar uma faca na última quinta-feira, 6, em Juiz de Fora (MG).
Segundo Bebianno, naquele momento, ele foi tomado por “um sentimento de raiva muito grande”. Sentiu ódio. “Tem um ditado que diz que o que os olhos não veem, o coração não sente. Eu não sei se eu cometi o erro ou o acerto de ficar dentro do centro cirúrgico com o Carlos [um dos filhos de Bolsonaro, que é vereador do Rio de Janeiro]. Naquele tumulto, ficamos”, conta Bebianno, que também é advogado.
Depois de vestir às pressas os trajes hospitalares e uma máscara, ele viu um dos médicos da Santa Casa de Juiz de Fora colocar toda a mão dentro do abdômen de Bolsonaro para retirar um órgão. “Abaixa a cabeça, só reza pelo teu pai”, disse a Carlos. Durante a cirurgia de quase quatro horas, ele diz ter percebido médicos se emocionarem.
No meio do relato, feito à reportagem do Portal Uol Notícias na tarde do último domingo, 9, em um restaurante dentro do hospital Albert Einstein, em São Paulo, Bebianno coloca as mãos no rosto, abaixa a cabeça e não contém as lágrimas. “Hoje que eu estou conseguindo chorar porque o sentimento de ódio estava muito grande. Posso dizer que eu tenho amor por ele.”
Sentado à mesa depois de almoçar, ele iniciou a conversa avisando que apresentaria o seu ângulo sobre uma coisa que acredita. Não estava interessado em falar sobre política, que desgosta e sobre a qual diz não entender nada, e muito menos sobre a corrida eleitoral que pode levar Bolsonaro ao Palácio do Planalto – “a campanha que se foda!”.
O mais influente auxiliar do presidenciável convidou a reportagem para expor sua visão sobre o Brasil e o que crê ser uma “força do mal” que está “acabando” com o país. O relato começa em 1971. Hoje com 54 anos, Bebianno era criança e lembra do pai assistindo ao “Pinga-Fogo”, famoso programa de entrevistas da época, exibido pela TV Tupi.
A memória de Gustavo ficou marcada por duas entrevistas concedidas pelo médium Chico Xavier (1910-2002). O Brasil vivia sob regime militar e o expoente do espiritismo saiu em defesa da “custódia” das Forças Armadas, para que “não venhamos a descambar para qualquer desfiladeiro de desordem”. Nas lembranças dele, Xavier disse que havia uma “nuvem negra” sobre o Brasil, com forças muito negativas contrárias.
Os anos se passaram e, na avaliação do advogado, “o país foi assaltado, tomado por uma corja de hipócritas, de sanguessugas, gente com objetivo de extrair o máximo para si, em causa própria”.
Rejeição à política
Autodefinido como um “garoto de classe média, morador do Leblon”, na zona sul do Rio de Janeiro, ele estudou direito na tradicional Pontifícia Universidade Católica da capital fluminense. Por três vezes durante a conversa, mencionou que “não era um cara politizado”. Mas se incomodava com certas coisas. Instintivamente, conta, ele olhava com muita desconfiança para tudo o que eu via. Nunca viu nada no “doutor Ulysses Guimarães”, diz, enfatizando o título pelo qual o presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 era conhecido.
Primeiro presidente civil eleito – indiretamente – após 21 anos de ditadura militar, Tancredo Neves morreu, segundo Bebianno, “para a sorte da história dele”. “Se ele tivesse permanecido vivo a história sobre ele não teria sido a mesma, porque também não era essa oitava maravilha do mundo que dizem por aí”, diz.
Na universidade, o incômodo era mais intenso. “As minhas aulas de direito constitucional na PUC eram só ‘viva Lula, o PT, dono da moralidade, o PT, o PT, o PT, o PT'”, relata. O então líder estudantil e atual senador do PT pelo Rio de Janeiro, Lindbergh Farias, era para Bebianno um “arruaceiro” que invadia a PUC vez por outra e interrompia as aulas. “Essa gente me incomodava muito porque para mim era nítida a hipocrisia, a falsidade, a mentira ali”, constata.
“Collor foi um homem corajoso”
Quando o então governador de Alagoas, Fernando Collor, se tornou nacionalmente conhecido no fim do governo do presidente José Sarney, Bebianno confessa ter enxergado no “caçador de marajás” um caminho a ser seguido. “Era um cara que empolgava, pela juventude, pelo vigor da fala”, avalia. Alvo de impeachment em 1992, o ex-presidente, hoje senador e candidato ao governo alagoano pelo PTC, é mencionado de forma elogiosa pelo atual dirigente do PSL. Ele lembra, por exemplo, que Collor conseguiu combater a hiperinflação ao topar passar pelo “suicídio político” de bloquear os ativos financeiros da população.
Para Bebianno, a queda de Collor foi “uma pena, porque ele foi um homem corajoso naquele momento”. Sua visão era que, se o ex-presidente fosse igual aos demais, “teria feito acordos aqui e ali, colocado panos quentes e não teria sido ‘impichado'”. O diagnóstico é que ele “desagradou o sistema de alguma forma” e pagou um preço muito alto.
Bebianno refuta, entretanto, semelhanças de Bolsonaro com o ex-presidente. “O Collor foi governador, teve família rica, é um cara estudado, teve apoio da Globo”, aponta. “Eu enxergo o mal” A conversa agora ganha ares mais esotéricos. Bebianno menciona “alguns assuntos esquisitos” que vieram à tona após o impeachment de Collor e fala em relatos de magia negra e sacrifícios de animais que seriam feitos na Casa da Dinda, residência do ex-presidente em Brasília, segundo a mulher dele, Rosane.
“Quando eu ouvi falar disso, no primeiro instante eu achei aquilo tão bizarro que eu fui estudar um pouquinho o assunto. Eu me interesso por assuntos de natureza espiritualista”, conta o pesselista.
Encontrou e se chocou com algumas coisas “que aparentemente são verdadeiras”. Certa vez, conversando com “uma pessoa muito influente de Brasília”, cujo nome disse não poder revelar, ele ouviu que “não fazia a mínima ideia do que é o jogo pelo poder”. “Isso aí do Collor é fichinha perto do que o PT faz. É sacrifício de elefante, de baleia, é negócio pesado”, relatou o interlocutor, segundo Bebianno.
Ele diz ter ficado tão impactado que duvidou. Mas então lembrou da tal “nuvem negra” citada por Chico Xavier. “Todo ser humano nasce com um radar chamado pele, que talvez seja o órgão de maior sensibilidade que a gente tem, mas que a gente aprende a ignorar”, comenta.
“O colégio ensina a gente a racionalizar e a gente meio que desaprende a seguir os instintos. O que é que faz você ter afinidade ou não com uma pessoa? É pele, é energia. Isso vem de algum lugar, tem algum motivo, sei lá o que é. E essas coisas que eu comecei a perceber, a ouvir, coisas começaram a bater na minha pele. Instintivamente eu senti aquilo”, afirma.
“Eu olho para a cara do Lula e vejo o mal naquele cara. Eu olho para a cara da Dilma e enxergo o mal. O mal no sentido mais amplo possível, de ruindade, de mentira”, disse Gustavo Bebianno.
A sensação dele é que os ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff quem implantar “um projeto maligno” no país, e que a intenção de ter proveito próprio é “um pedacinho de nada”. Diz ainda enxergar “um processo de idiotização das mentes, em que falta o mínimo de bom senso”.
A reportagem então pergunta o que ele sente dos concorrentes de Bolsonaro na disputa pela Presidência da República. Bebianno também vê o mal em Marina Silva (Rede) – “um negócio tão ruim que eu não queria sentir. É tão esquisito, é tão… eu não sei explicar”.
“Eu sinto essa força de mal muito forte no [Guilherme] Boulos (PSOL). Ciro Gomes (PDT) é um cara esquisitíssimo também. Dali, engraçado, o [Geraldo] Alckmin (PSDB) eu acho um bobão. Um cara que talvez até tenha um desejo de fazer o bem… não sei, não conheço ele”, continua.
A certeza dele é que “a força do mal existe”. “Enxergo que o Brasil está mergulhado debaixo de uma nuvem negra. Dizem por aí que uma das maiores fontes de alimento do mal, de energias negativas, das trevas, são os abortos que são feitos aqui. É o país em que mais se aborta no mundo”, explica.
Vontade de chorar
Quando Bebianno fala de Bolsonaro, de quem se aproximou há apenas um ano e meio, o tom do relato se altera e sua voz às vezes fica embargada. “Ele é um cara que para mim é uma honra servir. Eu nunca vi… criança adora o Jair, chega, olha, se emociona. Adolescente… Você fala: ‘caramba, de onde vem isso?’. É a aura luminosa do Brasil que precisa voltar a brilhar”, declara.
Apesar da gravidade do ferimento, ele diz não ter sentido em momento algum que o presidenciável fosse morrer. Ao observá-lo, enxerga nos olhos de Bolsonaro “um cara que foi escolhido, que tem uma missão de se confrontar com essas forças tão malignas, tão negativas que estão acabando o Brasil”.
“O Brasil precisa ganhar inocência de novo. A gente foi muito longe em certas coisas”, afirma. Ele conta ainda que ninguém chegou a pedir que Bolsonaro desistisse da candidatura. “O preço é muito alto. Ele está pagando um preço muito alto”, justifica.
Se o presidenciável do PSL não for eleito em outubro, Bebianno promete ir embora do Brasil. Praticante de jiu-jítsu, ele já morou nos Estados Unidos e chegou a abrir uma academia do esporte na Flórida. O advogado diz admirar a coragem de Jair e ter vergonha de ser um “cara tão frouxo e tão mesquinho” quando se compara a ele.
“Porque quando a gente diz que é capaz de derramar sangue pela bandeira do seu país, na retórica é bacana. Isso que aconteceu com ele, ele já sabia que ia passar por isso.” afirma. “Tantos foram os alertas, tantos, tantos”, repete, batendo na mesa. “Eu cansei de falar. E disse: vão te dar uma estocada num negócio desse e a gente não vai nem ver quem foi”.
Segundo Bebianno, na maioria das vezes, Bolsonaro simplesmente mantinha o silêncio. Quando muito, falava: “mas a gente precisa fazer”. Ele rememora então momentos em que acompanhou o presidenciável nas chegadas a aeroportos. “A porta fechada de vidro, aquela multidão”, conta, parando para chorar por quase 30 segundos. “…do lado de fora. Ele olha para minha cara e dá uma profunda suspirada como quem diz assim: ‘vamo lá, seja o que Deus quiser'”.
Irritou-se quando amigos e aliados como o senador Magno Malta (PR-ES), por exemplo, começaram a visitar Bolsonaro no hospital e fazerem transmissões ao vivo pela internet. “A gente proibiu todo mundo de entrar”, comentou. “Ah, mas a campanha…”, diz, imitando um interlocutor imaginário. “A campanha que se foda!”, responde.
Ele admite ter personalidade forte, e seu comportamento centralizador tem causado conflitos entre integrantes da campanha do presidenciável. Bebianno minimiza e costuma dizer que inveja ou ciúmes ocorrem até mesmo numa mesa de jantar em família. Sobre a relação com os três filhos de Bolsonaro que são políticos, e principais articuladores do pai, ele demonstra preferência por Carlos.
“É o mais sensível, o mais apegado. Eu adoro o Carlos. É coração puro. É o que eu tenho mais afinidade”, diz. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) é para ele o mais frio, “mais distante um pouco”. Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), deputado estadual e candidato ao Senado, é “o mais maduro sob o ponto de vista político”.
Advogado por mais de dez anos do escritório de advocacia Sérgio Bermudes, um dos mais renomados do Brasil, Gustavo já admirava Bolsonaro havia anos e, apresentado por um conhecido, ofereceu-se para atuar em processos judiciais dele, de graça. O presidenciável já estava em pré-campanha acabou incorporando Bebianno no seu círculo mais próximo.
“Eu não sei o que eu tô fazendo aqui, nunca me envolvi em política, não entendo nada de política, não tenho perfil político, sou um cara impaciente. Não era para estar aqui, não era para estar aqui. É inexplicável”, diz o presidente do PSL.
No acordo que ajudou a costurar para que Bolsonaro entrasse no partido, ele prometeu devolver o cargo assim que acabarem as eleições ao fundador, Luciano Bivar, que está licenciado. Várias vezes, Bebianno conta que se detém olhando nitidamente para Bolsonaro sente vontade de chorar, mesmo em momentos mais calmos. E é isso o que o advogado faz novamente ao relatar sua sensação.
Ao ser indagado sobre o que motiva esse impulso, ele diz se emocionar por fazer parte de “um negócio tão histórico”. “É uma sensação de ser uma gota no oceano, e que você vai ao sabor das ondas. Você é conduzido […] E aí ao mesmo tempo que eu não acredito que eu estou envolvido nisso de alguma forma, me emociona pensar que eu tenho alguma possibilidade de ajudar o Jair num caminho que ele trilhou sozinho”, afirma. No fim da conversa, antes de se despedir e subir até o quinto andar do hospital para visitar Bolsonaro na UTI, Bebianno exprimiu um desejo. “Seria tão bom se as conversas fossem mais honestas.”
Com informações do Portal Uol Notícias