ofessor de ciências Wemerson da Silva Nogueira conhece bem os desafios enfrentados nas escolas públicas e os impactos que projetos polêmicos discutidos ao longo de 2016 em Brasília, como a PEC do teto dos gastos e a reforma do ensino médio, podem trazer para dentro da sala de aula.
Formado em uma faculdade à distancia, Nogueira pagava a mensalidade de 190 reais (valor da época) com o dinheiro que ganhava vendendo picolés e colhendo café na roça da família, em Nova Venécia, no norte do Espírito Santo. Hoje, aos 26 anos, e com apenas cinco anos de formado, ele já ganhou dez prêmios nacionais — incluindo o de “Educador do ano 2016”.
As premiações mais recentes foram em reconhecimento ao projeto “Filtrando as lágrimas do Rio Doce”, desenvolvido em fevereiro de 2016 com 50 alunos do 8º ano do ensino fundamental da Escola Estadual Antonio dos Santos Neves, em Boa Esperança, também no norte do Espírito Santo.
Nogueira transformou as águas do Rio Doce, afetadas pelo rompimento das barragens de Mariana, em Minas Gerais, em um verdadeiro laboratório de química. No início, a ideia era apenas identificar os poluentes presentes na água. Mas os alunos perceberam que a necessidade de ajudar a comunidade ribeirinha era muito maior que apenas aprender a tabela periódica. “As famílias não têm saneamento básico, e o rio era a única fonte de água daquela população”, diz Nogueira.
Após aprenderem a analisar os poluentes, os estudantes desenvolveram filtros de retenção de areia capazes de limpar a água poluída pelo maior desastre ambiental ocorrido no Brasil. Mais de 500 filtros já foram distribuídos de graça à população ribeirinha de Regência (ES). “O projeto continua até que todas as famílias afetadas ganhem um filtro.”
Nogueira ganhou visibilidade internacional. Ao lado do professor amazonense Valter Menezes, ele está entre os 50 finalistas do prêmio Global Teacher Prize, atualmente considerado o “Nobel da Educação” – uma das premiações mais importantes da área. Os dois brasileiros foram selecionados entre mais de 20 mil candidatos de 179 países.
Em entrevista à DW Brasil, Nogueira critica a falta de investimentos do governo nas escolas públicas e o baixo reconhecimento dos professores. “Me sinto desvalorizado pelo meu país”, diz. “Venho conquistando todos esses prêmios porque acredito na educação. E não porque meu país acredita nela.”
DW Brasil: Você é um professor muito jovem e já bastante premiado. Qual é o segredo para fazer a diferença?
Wemerson Nogueira: Eu busco ser um aprendiz dentro da sala de aula. Tento falar a mesma linguagem dos meus alunos e proponho projetos práticos para ensinar conteúdos científicos, que muitas vezes são tidos como chatos e difíceis de aprender. Eu só ensino assim. Primeiro, exponho minhas ideias de projetos aos alunos, para cativá-los, para despertar o interesse deles no tema. Só depois vem a teoria. Os projetos envolvem de paródias de músicas sobre elementos da tabela periódica a atividades fora da escola.
Como é ser professor de escola pública no Brasil?
É algo muito desafiador. A maioria das escolas sofre com tanta falta de recursos e infraestrutura que o professor vai ficando desestimulado em dar aula. O aluno percebe e fica desanimado. Apesar de todas as dificuldades, nós, professores, tentamos encontrar formas de motivar os nossos alunos a quererem aprender mais, a fazer coisas novas. Mas isso tem ficado cada vez mais difícil diante da crise que estamos enfrentando no país, com o governo querendo congelar os investimentos em educação. Essa conjuntura gera um desinteresse geral na rede pública.
Como você avalia os impactos da PEC 55 na educação?
Não há dúvida de que é necessário reajustar as contas do nosso país, mas não concordo em mexer na educação. O governo deveria olhar para educação como a principal prioridade. É na educação que o país vai formar cidadãos capazes de contribuir com outras áreas importantes, como saúde e segurança. Daqui a 20 anos, teremos uma nova geração de alunos, e a demanda por uma educação mais moderna. Congelando investimentos na área, como vamos alcançar o desenvolvimento de duas décadas?
O Brasil teve desempenho fraco no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em 2015 e dificuldades de alcançar as metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A falta de investimentos é suficiente para explicar os resultados ruins?
É difícil generalizar. Tem um ou outro estado que está se destacando, como o Espírito Santo [que teve o melhor desempenho no Pisa], mas sei que a realidade da minha escola é muito diferente das do interior do sertão, que muitas vezes não oferecem nem uma folha de papel para os alunos escreverem a prova. Os baixos resultados do Brasil nos rankings são consequência direta da falta de investimentos na área. Até tem investimentos sendo feitos, mas a sensação é que eles são precários e não chegam a todas as escolas do país. E para funcionar direito, a escola precisa de 100% de investimentos. Menos que isso não dá conta.
Eu, por exemplo, recebi muito apoio da minha prefeitura e da secretaria de educação do ES para implementar meu projeto. Mas será que um professor lá no interior do sertão teria o apoio que eu tive? Eu me sinto valorizado pelo meu estado, pelo meu município e pela minha escola. Mas me sinto desvalorizado pelo meu país. Venho conquistando todos esses prêmios porque acredito na educação. E não porque meu país acredita nela. O Brasil tem hoje dois finalistas no maior prêmio de educação do mundo. Os dois de escola pública. Os governantes deveriam olhar para nós como exemplos, e investir mais, para que mais professores possam promover projetos diferenciados. Está acontecendo o inverso e isso me entristece.
Caso os investimentos em educação sejam, de fato, reduzidos pelos próximos anos, que iniciativas podem ser tomadas para melhorar a educação no país?
O governo poderia criar laboratórios de ciências e de informática nos estados e municípios que pudessem ser usados por várias escolas ao mesmo tempo, por agendamento de turmas. Acho que não sairia muito caro. Se eu vencer o prêmio mundial [o primeiro colocado receberá 1 milhão de dólares], vou construir na minha cidade um laboratório de informática e de ciências, para que os alunos carentes possam ter aula de experiências e fazer pesquisas na internet. Também pretendo abrir a minha própria fundação, com a oferta de bolsas de estudo para quem quiser seguir a carreira de professor e orientação de professores para trabalharem com projetos práticos. Se eu sozinho, com esse prêmio, poderia fazer isso, imagino que o governo tenha recursos para fazer muito mais.
Qual é a necessidade de aumentar a atratividade da profissão de professor entre os jovens?
Nós precisamos inovar em educação. Essa inovação não virá dos professores antigos, que estão perto de se aposentar. Com tudo o que tem sido discutido, muitos alunos perdem a vontade de seguir a carreira de professor. Na semana passada, dei uma palestra para 750 alunos do ensino médio. Perguntei quantos já tiveram vontade de ser professor. Quase metade do grupo levantou a mão. Quando perguntei quem toparia se tornar professor hoje, apenas cinco se manifestaram. Eles não estão errados. A realidade hoje no Brasil é muito difícil para professores e alunos da rede pública. No final da palestra, depois de falar da minha trajetória e conquistas, repeti a pergunta. E todos levantaram a mão. Foi emocionante. O Brasil precisa disso. Motivar os nossos alunos a serem professores.