Os médicos cubanos foram pegos de surpresa com o anúncio feito nesta quarta-feira, 14, pelo governo de Cuba de interromper a parceria com o programa Mais Médicos, vigente desde 2013. Profissionais não haviam sido avisados por seus supervisores sobre a decisão.

“Fiquei sabendo pelos sites de notícias. Não recebi nenhum comunicado e ainda não tenho informação de como vai ser esse retorno”, disse um cubano, que pediu anonimato. Ele trabalha há quatro anos em uma aldeia indígena no Amazonas. “Antes de eu chegar, a aldeia não tinha médico. Meu contrato, teoricamente, ia até 2020.”

A médica cubana Yasmilsi Zaldivar Silva soube pelo Estado que o governo cubano decidiu deixar o programa Mais Médicos. “Não é possível, não me disseram nada ainda. Estou muito nervosa com essa notícia”, disse. Ela tinha acabado de sair da Unidade Básica de Saúde (UBS) de Tapiraí, cidade de 8 mil habitantes, no interior paulista, e pretendia viajar para a casa de amigos em São Paulo, onde passaria o feriado. “Não sei o que dizer. Tenho minha casa, meus pacientes aqui no Brasil. Tenho uma programação de trabalho”, afirmou.

Em um grupo no Facebook que reúne médicos cubanos que atuam no Brasil, o sentimento também era de surpresa e insegurança. “Só quero que me avisem quando será o transporte massivo para nos prepararmos. Temos coisas aqui que precisaremos vender, não é algo que se faz de um dia para o outro”, disse outra médica cubana na página.

Pelo Twitter , o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, saiu em defesa dos médicos cubanos que participaram do programa Mais Médicos. Ele afirmou que os médicos prestaram um “valioso serviço ao povo brasileiro” e que atitudes assim devem ser “respeitadas e defendidas”.

Setores de saúde já davam como certo o encerramento da participação de Cuba no programa desde a confirmação da eleição de Bolsonaro para a Presidência. Durante a campanha, o então candidato Jair Bolsonaro havia proposto mudanças que sabidamente não seriam aceitas pelo governo cubano.

Preocupadas com a possível interrupção do atendimento em milhares de postos de saúde pelo País, entidades que representam municípios brasileiros defenderam uma solução do governo brasileiro para manter os médicos cubanos.

Em nota conjunta, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o Conselho Nacional dos Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) afirmam que a rescisão do contrato aponta “para um cenário desastroso”, e pedem que o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro(PSL) reveja seu posicionamento sobre as mudanças no programa. “Em caráter emergencial, (as entidades) sugerem a manutenção das condições atuais de contratação, repactuadas em 2016, pelo governo Michel Temer, e confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal, em 2017”, diz a nota.

De acordo com as entidades, a saída dos cubanos afetaria 3,2 mil cidades, com maior prejuízo para os indígenas, já que 90% dos atendimentos desse grupo são feitos por cubanos. Prefeitos e governadores também demonstraram preocupação. O governador eleito do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), disse que o fim do programa representa “mais um problema para gestores estaduais e para os municípios, que já estão quebrados.”

O prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), disse que “não é possível acabar com o programa de uma hora para outra”. “É preciso uma intervenção rápida. O governo tem o direito de mudar o programa, desde que tenha capacidade de suprir as demandas”, disse. A Bahia é o segundo Estado com o maior número de cubanos (822), atrás apenas de São Paulo (1.394). O Conselho de Secretários Municipais de Saúde de SP (Cosems-SP) também fez um apelo para que o governo brasileiro aja para tentar evitar que Cuba leve adiante sua decisão.

Alexandre Padilha, ministro da Saúde quando o programa foi implementado, no governo Dilma Rousseff (PT), lamentou a decisão. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele afirmou que nesta quarta era “um dia triste para a saúde pública e para a política externa do Brasil”.

O Nordeste será a região que mais perderá médicos com a decisão do governo cubano, com 2.817 baixas. A população local, principalmente do interior, já teme as consequências. “No posto do meu bairro, só tem um médico para todos os pacientes. Se já é difícil agendar consulta com a ajuda dos cubanos, imagina sem eles”, diz a pescadora aposentada Zuleide Santos Pinheiro, de 57 anos, moradora de Pão de Açúcar, no interior de Alagoas. Ela elogia o trabalho dos estrangeiros. “Sempre foram muito atenciosos.”

Com informaçoes Estadão