A MP 905/2019, que cria o Programa Verde e Amarelo, promove amplas mudanças na legislação trabalhista e, por isso, pode ser devolvida ao menos em parte ao Executivo pelo Congresso Nacional. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, pediu à Consultoria e à Advocacia da Casa estudos técnicos e jurídicos para entender quais mudanças promovidas pelo governo podem ferir a legislação brasileira, quais delas são realmente de competência do Poder Executivo e o que pode ou não ser alterado por meio de medida provisória. A expectativa é de que o parecer seja apresentado nesta terça-feira (3).
Não dá para devolver de uma vez uma medida provisória, instrumento usado por todos os presidentes. A gente precisa de uma avaliação eficiente da assessoria do Parlamento. Já há entendimento de todos os líderes em relação àquela cobrança dos empregados que foram demitidos, do desconto do seguro-desemprego. Todo mundo contra, explicou o presidente do Senado.
O grande alcance da medida provisória, que recebeu 1.930 emendas, tem gerado debates no Congresso Nacional antes mesmo de a comissão mista de deputados e senadores ser instalada para analisar o texto.
Nota técnica
Na semana passada, a consultoria da Câmara dos Deputados divulgou uma nota técnica sobre as adequações orçamentária e financeira da proposta, apontando restrições em alguns pontos do texto enviado pelo governo federal ao Legislativo.
Segundo os consultores, por exemplo, o Ministério da Economia apresentou a estimativa de renúncia de R$ 7,47 bilhões ao longo de três anos com o benefício fiscal de tributos sobre a folha de pagamentos no contrato de trabalho Verde e Amarelo. No entanto, “não expôs as premissas adotadas em tal exercício nem seus fundamentos econômicos, de modo que se possa apreciar o grau de confiabilidade das renúncias”.
A nota técnica aponta também que, segundo o governo, as mudanças no cálculo dos juros dos débitos trabalhistas trarão economia de R$ 37,7 bilhões em cinco anos no custeio do conjunto das empresas estatais federais. Todavia, “não há informação sobre a parcela desse total correspondente às empresas estatais federais dependentes [do Tesouro Nacional], cujo custeio tem impacto fiscal direto”. Embrapa, EBC, Conab, Valec e Codevasf são algumas dessas estatais.
Outra questão apontada no estudo é que a possibilidade de ingresso no seguro-desemprego dos contratados no Programa Verde e Amarelo aumenta potencialmente a despesa do benefício com esse contingente de novos trabalhadores, e tal incremento não foi previsto pela equipe econômica do governo.
O documento produzido pela consultoria da Câmara aponta ainda outra restrição a um item do último artigo da medida provisória, que condiciona a validade de alguns de seus dispositivos a um ato do ministro da Economia, Paulo Guedes. Tal ato deve atestar a compatibilidade com as metas de resultados fiscais previstas na LDO:
“Não há previsão constitucional de condição de tal natureza para o início da produção de efeitos fiscais decorrentes de lei, constituindo, com toda clareza, mero artifício inadmissível visando a contornar exigências legais de adequação e compatibilidade financeira e orçamentária”, aponta o documento.
Prazos
A MP 905/2019 foi publicada em 12 de novembro no Diário Oficial da União. A partir de 6 de fevereiro do ano que vem entra em regime de urgência. O prazo para emendas já foi encerrado, e os partidos estão indicando integrantes da comissão mista que vai analisar o texto.
Principais pontos da MP 905/2019 | |
Contrato de trabalho | — Os beneficiários do Contrato Verde e Amarelo são jovens entre 18 e 29 anos de idade, ficando essa modalidade de contratação limitada por até 24 meses e a 20% do total de trabalhadores da empresa. A referência é a média do total de empregados registrados na folha de pagamentos entre 1º de janeiro e 31 de outubro de 2019.
— Ao fim de cada mês, o empregado recebe o pagamento das parcelas referentes à remuneração, 13º salário proporcional, férias proporcionais com acréscimo de um terço, e se acordado entre patrão e empregado, a indenização sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), cuja alíquota mensal de contribuição será de 2% sobre a remuneração. |
Isenções | As empresas ficam isentas do recolhimento da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, salário-educação e contribuição social para os integrantes do Sistema “S”, Sebrae e Incra. |
FGTS | — A multa do FGTS paga pelo patrão ao empregado demitido sem justa causa cai de 40% para 20%; a alíquota de contribuição do Fundo também foi reduzida de 8% para 2%. |
Trabalho aos domingos | — Retira remissão ao domingo para o descanso semanal remunerado, permitindo, na prática, o trabalho aos domingos em todos os setores econômicos. Também fica autorizado o trabalho nos bancos aos sábados, salvo para os caixas.
— No caso dos professores, por exemplo, a MP revoga o artigo 319 da CLT, que veda ao magistério a regência de aulas e de trabalho em exames, aos domingos. |
Adicional de periculosidade | — O empregador pode contratar, mediante acordo individual escrito com o trabalhador, seguro privado de acidentes pessoais em substituição ao adicional de periculosidade. Caso o empregador opte pela contratação do seguro, permanecerá obrigado ao pagamento de adicional de periculosidade 5% sobre o salário-base do trabalhador. A lei hoje prevê pagamento de adicional de 30% sobre o salário, a título de periculosidade. |
Multas na CLT | — Harmoniza os valores de multas na CLT e em grande número de leis trabalhistas esparsas, eliminando referências ao salário mínimo, a moedas antigas e a unidades de referência de valor não mais existentes.— Introduz na CLT o artigo 634-A, estabelecendo escala baseada na gravidade das infrações (de leve a gravíssima) na ocorrência da infração (em caráter único ou per capta, com referência a cada empregado afetado).
— As multas variam de R$ 1.000 a R$ 100.000 no caso de multas de aplicação única por infração e de R$ 1.000 a R$ 10.000, no caso de multas com aplicação per capta e são reduzidas pela metade no caso de empresas individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, empresas com até 20 trabalhadores e empregadores domésticos. |
Juros de dívidas trabalhistas | — Estabelece que os juros incidentes em débitos trabalhistas de qualquer natureza (mesmo em decorrência de condenação judicial ou acordo) são equivalentes aos aplicados à caderneta de poupança. Atualmente, o juros correspondem ao IPCA calculado pelo IBGE para débitos anteriores à condenação e a 1% ao mês para os posteriores à condenação judicial. |
Seguro-desemprego | — Estende a capacidade de efetuar o pagamento do seguro-desemprego a todas as instituições financeiras, não apenas aos bancos oficiais, como é feito hoje.
— Determina a incidência de contribuição previdenciária de 7,5% sobre o seguro-desemprego. Em contrapartida, mantém o beneficiário na condição de segurado durante o período de recebimento. Em consequência, o tempo em que o beneficiário estiver recebendo passa a contar para o cálculo de aposentadoria. |
Auxílio-acidente | — Estabelece que a concessão do auxílio-acidente seja condicionada à conformidade das situações previstas em regulamento a ser emitido pelo Poder Executivo, atualizado a cada três anos.
— Os acidentes ocorridos nos trajetos de ida e volta entre a casa e o local onde o profissional atua não são mais considerados acidentes de trabalho. |
Participação nos lucros e resultados | — Modifica a Lei 10.101, de 2001, para alterar regras de programas de participação nos lucros e resultados (PLR), de forma a excluir a participação sindical obrigatória na comissão de negociação da participação nos lucros e resultados; a ampliar as possibilidades de pagamento e a dificultar a desconsideração da natureza da PLR em caso de pagamento em desacordo com a lei. |
Profissões | — Revoga a obrigatoriedade de registro para a atuação profissional de jornalista, corretor de seguros, sociólogo, arquivista e outras categorias. |
Reabilitação de trabalhadores | — Cria o Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho, com a finalidade de financiar o serviço de habilitação e reabilitação profissional prestado pelo INSS, além de programas e projetos de prevenção e redução de acidentes de trabalho. |
Bancários | – Altera a jornada dos bancários de forma que a jornada de seis horas seja válida somente aos que exerçam exclusivamente a atividade de caixa. Os demais bancários passarão a ter jornada regular de 8 horas, sendo considerado trabalho extraordinário apenas aquele exercido além da 8ª hora. A alteração de jornada deverá ser precedida de aumento salarial, sob pena de caracterizar redução salarial vedada pelo inciso VI do artigo 7º da Constituição. |
Fiscalização trabalhista | — Aumenta o número de hipóteses que exigem a dupla visita de fiscais. A inobservância ao critério de dupla visita implicará nulidade do auto de infração lavrado, independentemente da natureza principal ou acessória da obrigação. |
Gorjeta | — Estabelece que a gorjeta não constitui receita própria dos empregadores, mas se destina aos trabalhadores, segundo critérios definidos em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
— As empresas do Simples Nacional devem lançar a gorjeta na nota fiscal de consumo, facultada a retenção de 20% da arrecadação correspondente, para custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas. As demais empresas podem reter até 33%. — Na hipótese de não existir previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, os critérios de rateio e de distribuição da gorjeta e os percentuais de retenção serão definidos em assembleia geral dos trabalhadores. |