O Governo Federal ainda não conseguiu cumprir todas as promessas feitas aos caminhoneiros, menos de uma semana depois do fim da greve que paralisou o País e provocou uma grave crise de desabastecimento. Ele ainda indicou que terá de recuar de algumas promessas. Uma delas diz respeito ao frete, cujo tabelamento provocou fortes críticas do agronegócio.

Diante disso, os ministros da Agricultura, Blairo Maggi, e dos Transportes, Valter Casimiro, informaram que os valores definidos pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) serão ajustados e, em alguns casos, devem cair. A nova tabela deve ser publicada nesta quinta-feira, 7, e, na próxima semana, o órgão irá abrir uma consulta pública sobre o assunto.

Além disso, os preços do diesel ainda não tiveram a redução de R$ 0,46 por litro prometida nas bombas. Embora a equipe econômica tenha assumido uma conta de R$ 13,5 bilhões para bancar uma redução e um subsídio ao combustível, alguns postos afirmam que a queda total só pode ser repassada se os estados baixarem o ICMS.

Outro recuo foi na anistia a multas por obstrução de rodovias, prometida pelo presidente Michel Temer. O relator do projeto que cria uma espécie de marco legal do transporte de cargas, Nelson Marquezelli (PTB-SP), decidiu nesta quarta retirar esse benefício do texto. A anistia deverá constar de uma Medida Provisória (MP). Essa mudança atendeu a um pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que considerava o tema muito polêmico para ser tratado no meio de outros assuntos do setor de transportes.

‘Já que veio tabela, que contemple os dois lados’

Também instituído por Medida Provisória, o tabelamento do frete foi duramente criticado por produtores rurais e outros setores da economia. O argumento é que a tabela, que entrou em vigor em 30 de maio, elevou os custos em mais de 100%. Antes, não havia um preço mínimo e as negociações eram feitas caso a caso. A Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec) estima que os produtores de grãos (soja, farelo de soja e milho) terão um custo extra de US$ 3,7 bilhões (US$ 2,8 bilhões este ano e mais US$ 900 milhões em 2019) caso a tabela não seja revisada. E alertou que pode recorrer à Justiça.

“Fechamos nossos custos para o ano inteiro com base em preços da Bolsa de Chicago. Não se pode introduzir um elemento surpresa, como fez o governo. Fixar preços é inconstitucional em uma economia de livre mercado. Nossas margens de lucro são muito pequenas. Nosso ganho vem do volume exportado. Essa tabela significa a falência do setor”, afirmou o diretor-geral da Anec, Sergio Castanho Teixeira Mendes.

Segundo o ministro dos Transportes, a primeira tabela da ANTT considerou apenas com um tipo de caminhão. Isso fez com que o custo fixo do frete fosse diluído em um menor número de eixos do veículo e, assim, elevasse o preço dos transportes. A nova tabela contemplará todos os tipos de caminhão. “O preço vai ser modificado. Quando dilui o custo fixo em um caminhão que tem mais eixos, você vai realmente diminuir o preço por eixo nessa carga”, disse Casimiro.

Pela tabela atual da ANTT, os preços para o frete variam de R$ 0,57 a R$ 2,10 por quilômetro por eixo do caminhão. Os valores caem conforme aumentam as distâncias percorridas e variam segundo o tipo de carga. O ministro disse que a nova tabela irá atender às reivindicações do agronegócio, que se reuniu com Maggi.

“Ao fazer as contas, esse negócio ficou fora de qualquer padrão de controle, subindo até duas vezes, duas vezes e meia”, disse Maggi. “Não há possibilidade de ter um frete tão caro assim. Quem vai pagar a conta é o consumidor, com a inflação violenta que virá pela frente. Eu sempre achei que não deveria existir tabela, mas, já que veio tabela, que contemple os dois lados”.

Parlamentares da bancada ruralista na Câmara já avisaram que o governo terá dificuldade em aprovar a MP que tabela o frete. Segundo os deputados ouvidos pelo Jornal O Globo, os valores que entraram em vigor na semana passada já afetaram o escoamento da safra de grãos, especialmente milho e soja.

“O governo conseguiu bagunçar o transporte brasileiro. No fim, para os caminhoneiros, é melhor cobrar um frete mais barato do que não ter o que transportar. Tem empresas que já pensam em comprar seus próprios caminhões e verticalizar o transporte”, disse o deputado Valdir Colatto (MDB-SC).

Para a presidente da Frente Parlamentar da Agricultura, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), a forma de cálculo trouxe confusão. “É uma tabela complexa, com dúvidas, por exemplo, sobre a quantidade de eixos dos caminhões. O que o governo precisa fazer não é um recuo, mas uma adequação”, disse a parlamentar.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou em nota que a tabela mínima para o preço do frete provocará prejuízos “extremamente danosos” para a economia e terá “efeitos imediatos no bolso dos consumidores”. A entidade calcula que o transporte de arroz pelas rodovias do país terá aumento de 35% a 50% no mercado interno e de 100% para exportações. Na indústria de aves e suínos, o impacto do tabelamento sobre o custo do transporte foi calculado em 63%. O frete de rações tende a aumentar 83%, segundo a CNI.

A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) anunciou que entrará nesta quinta-feira na Justiça com um mandado de segurança contra o tabelamento do frete. A CNI disse que também avalia medidas judiciais, não só quanto ao frete mas com relação à redução da alíquota do Reintegra aos exportadores e à reoneração da folha de pagamento.

Caminhoneiros ameaçam novas paralisações

Os caminhoneiros, porém, já avisaram que não aceitarão redução nos valores mínimos do frete. Ivar Luiz Schmidt, representante do Comando Nacional do Transporte (CNT), disse que a revogação da tabela poderá causar novas paralisações. “A gordura que a gente tinha foi sugada e agora não temos mais renda. Mas o setor agropecuário se acha prejudicado. Se a tabela for derrubada, a gente não vai aceitar”, disse.

Já o presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Diumar Bueno, negou que possa haver outra greve. Em São Paulo, antes da decisão do governo de revisar a tabela, associações de empresas que utilizam o transporte rodoviário já procuravam grandes escritórios de advocacia para tomar medidas judiciais.

Segundo advogados ouvidos pelo Jornal O Globo, os preços tabelados não poderiam ser aplicados a contratos já fechados, ou seja, não seriam retroativos. E ressaltaram que a decisão do governo de fixar preços fere os princípios da livre iniciativa. “O direito dos transportadores de negociarem valores abaixo dos fixados na tabela não pode ser afetado. Além disso, a tabela de preços é questionável do ponto de vista jurídico porque os preços foram estabelecidos pelo governo sem que o mercado fosse ouvido”, observou o advogado Fernando Villela, do escritório Siqueira Castro.

Com informações do Jornal O Globo