O designer Marcos Araújo, 47, está sem trabalhar há dois anos, desde que foi demitido de uma indústria têxtil. De lá para cá, já usou todas as suas economias para pagar as contas e hoje deve R$ 5 mil para vários bancos. “Nem bicos consigo direito. Só aparece um trabalho a cada seis meses. É muito pouco”, diz. A situação dele só não é ainda mais difícil porque mora com a mãe e a irmã e, portanto, as contas acabam sendo divididas.

Histórias como a de Marcos se repetiram nos últimos anos diante da forte deterioração do mercado de trabalho. Em junho, 13,3% dos brasileiros queimaram reservas financeiras para bancar as contas do dia a dia, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Embora a parcela de brasileiros que use recursos guardados já tenha sido maior, sobretudo quando a crise econômica estava mais intensa, os últimos meses têm mostrado uma resistência à queda do indicador e até mesmo uma leve piora.

A pesquisa do Ibre/FGV leva em conta todos os tipos de reservas financeiras. Para a caderneta de poupança, os dados do Banco Central até mostram que os valores depositados superaram os saques em R$ 5,6 bilhões no mês de junho. No entanto, a economista do Ibre pondera que isso indica apenas que quem ainda tem folga no orçamento está preferindo guardar dinheiro do que gastar.

Mercado de trabalho tem frustrado

Os últimos dados do mercado de trabalho frustraram os analistas. A expectativa era de que a economia brasileira cresceria mais neste ano e, consequentemente, a criação de emprego teria uma recuperação mais robusta, aliviando o orçamento das famílias.

No trimestre encerrado em maio, a taxa de desemprego ficou em 12,7% e atingiu 13,2 milhões de pessoas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em junho, os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que levam em conta apenas os emprego com carteira assinada, também mostraram um quadro ruim: a destruição de 661 vagas.

“O mercado de trabalho continua muito ruim. Mesmo com a criação de vagas, milhões de pessoas seguem desempregadas”, afirma a economista-chefe do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) Brasil, Marcela Kawauti.

Números do SPC Brasil também mostram um comportamento parecido com os do Ibre. Em maio, a entidade apurou que 40,5% das pessoas consultadas fizeram uso de reserva financeira para diversas finalidades. Desse total, 4,5% utilizaram as reservas porque ficaram desempregadas e 7,4% porque não tinham dinheiro suficiente para pagar as contas.

“Nem sempre o uso de reservas é ruim. Na compra de item de um maior valor, por exemplo, é natural que se use a reserva. O problema é quando essa reserva para a ser usado constantemente e aí a pessoa tem de partir para o crédito”, diz Marcela.

O uso de reservas financeiras para o pagamento das contas acaba levando parte dos brasileiros, sobretudo os mais pobres, para um caminho sem volta: o do endividamento.

Em junho, o levantamento do Ibre apontou que 9,8% dos consumidores se declararam endividados. É um indicador que também já foi mais alto, mas tem piorado nos últimos meses.

A análise detalhada dos números mostra que os mais pobres são os mais endividados, enquanto os ricos são os que mais queimam poupança porque têm folga no orçamento. Em junho, na faixa da renda dos que ganham até R$ 2,1 mil, 8,2% usaram reservas para despesas e 15,1% se declararam endividados. No outro extremo, entre os ganham acima de R$ 9,6 mil, 16,1% usaram as economias próprias, mas apenas 3,7% tinham dívidas.

Estresse financeiro dos brasileiros em junho

Faixa de renda Gastam poupança com despesas Estão endividados
Até R$ 2.100 8,2% 15,1%
De R$ 2.100 a R$ 4.800 16,3% 15,5%
De R$ 4.800 a R$ 9.600 15,0% 8,4%
Acima de R$ 9.600 16,1% 3,7%

Com informação do Jornal O Globo