Principal ligação entre Fortaleza e a região Norte do Ceará, a rodovia BR-222 apresenta, nesta semana final do segundo turno das eleições, uma paisagem um pouco diferente. Da via, é possível ver um outdoor com uma foto gigante de Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência, na entrada da cidade de Irauçuba, a 150 quilômetros da capital cearense.
A imagem surpreende quem chega por lá e conhece o perfil dos eleitores da cidade, que tem apenas 24 mil habitantes: apenas 9,8% dos votos foram ao candidato do PSL no 1º turno. Ciro Gomes (57%) e Fernando Haddad (31,3%) foram os preferidos, e a população apoiou em massa a reeleição para governador do petista Camilo Santana (quase 95%), que se dividiu entre os palanques de Ciro, seu padrinho político, e Haddad. “Tenho ouvido muita gente que apoiava Ciro que diz que vota em Bolsonaro agora. Acho que ele terá uma votação surpreendente por aqui”, disse Jango Beltiman, 26, mecânico na oficina de motos de Luis Carlos da Silva Mota, um dos patrocinadores do outdoor.
Um grupo de comerciantes de Irauçuba decidiu fazer uma vaquinha para colocar a placa no ponto estratégico. A empresa de Mota foi escolhida porque era o ponto mais alto e mais próximo da rodovia. Pela legislação eleitoral o outdoor nem poderia estar ali. Se o TSE decidir intervir, caso haja denúncia, quem o colocou pode pagar multa que pode chegar a R$ 25 mil. No momento, porém, não há investigação aberta. “Pessoal passa, brinca, mas com respeito”, disse Mota, 36, que diz votar em Bolsonaro porque acredita que ele vai acabar com a corrupção e cobrar menos impostos de comerciantes.
A votação expressiva de Camilo Santana na cidade, dizem alguns moradores, ocorreu principalmente devido à promessa de asfaltar duas estradas que ligam a BR-222 a distritos mais afastados, como o de Missi. No caminho de terra que leva até lá, se vê muitas faixas e adesivos de Ciro Gomes, várias do PT e nada de Bolsonaro.
“Não sei se o pessoal daqui vota no PT por causa do asfalto, mas eu não vou votar em quem não tem proposta alguma [se referindo a Bolsonaro]”, disse Kellyson Barbosa, 31, que vive na Fazenda São José, povoado próximo a Missi onde se vê pouco comércio, uma igrejinha e um campo de futebol sem grama alguma.
A 78 km de Irauçuba, sempre pela BR-222, está Sobral. Com mais de 200 mil habitantes é o berço político dos Ferreira Gomes, que tem como principal representante Ciro, terceiro colocado no primeiro turno presidencial em 2018. Na terra de Cid, Ciro e Ivo, o beco do cotovelo, no centro, é uma pequena via fechada a carros com lojas e lanchonetes e onde todo mundo sabe de tudo.
E por ali há quem admita que a migração de votos de Ciro Gomes pode não ir nem para Bolsonaro nem para Haddad. “Muita gente aqui que é Ciro dizendo que pode votar branco ou nulo. Não concorda com Bolsonaro e com o PT. Tudo muito dividido, mas pela minha preferência é o Haddad”, disse Expedito Vasconcelos, 72.
Ele é dono do Café Jaibaras, tradicional ponto de encontro no beco do cotovelo que tem fotos espalhadas pelas paredes de famosos que já visitaram o local, como a escritora cearense Rachel de Queiroz, e guarda um espaço nobre para os Ferreira Gomes. Estão lá Ciro, Cid (ex-governador e senador eleito) e Ivo (atual prefeito de Sobral).
A poucas quadras do beco está a clínica e pet shop na qual trabalha a médica veterinária Fabia Karennina Mendonça Passos Braga, 40. Não por acaso ela foi escolhida, ou decidiu ser, a líder do PSL na cidade dos Ferreira Gomes. Ela é filha de Fabio Passos da Silva, amigo de longa data de Bolsonaro, e personagem em evento importante na migração de militar para político do deputado federal.
Nos anos 1980, Jair e Fábio, na época colegas na Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), foram apontados como autores da ideia de colocar bombas em quartéis como protesto aos baixos salários dos militares. Ambos negaram o plano e, julgados, foram absolvidos em última instância pela Justiça Militar. “Sou fã do Bolsonaro desde os oito anos de idade. Quando ele se filiou ao PSL eu fui a Brasília no mesmo dia para me filiar também. Ele vai ser o melhor presidente do Brasil”, diz Fabia, que não se intimida ao ouvir que pessoas dizem que Bolsonaro é racista e homofóbico.
“Olhe meus traços. São de negro. Meu pai é negro, e era um dos melhores amigos de Bolsonaro”, disse Fabia, que tentou vaga na Assembleia cearense mas teve pouco mais de 800 votos e não se elegeu. Mesmo assim a campanha em Sobral surpreendeu até mesmo representantes do PSL. Ciro, como esperado, venceu na cidade com 60,2% dos votos, mas Bolsonaro ficou com 20,68%, à frente de Haddad (16,08%), em um dos melhores desempenhos do capitão reformado no interior cearense.
Em Caucaia, segunda cidade mais populosa do Ceará, com mais de 360 mil habitantes. O mercado central está repleto de ambulantes, que vendem de tudo, de peixe a bugigangas de R$ 0,99. Uma única barraca vende um item com alta procura por R$ 25 (negociáveis): a camisa com a foto de Bolsonaro. “Está vendendo bem a camisa. Minha mãe não queria colocar, por medo que alguém não gostasse, fizesse algo, mas meu pai fez questão. Ele vota no Bolsonaro”, explicou Fernanda da Silva, 17.
Logo atrás da barraca está a pastelaria de Elmo Rodrigues da Silva, 52, a “Senhor Pastelmo”. Evangélico que frequenta a Universal do Reino de Deus, que teve o fundador Edir Macedo declarando voto em Bolsonaro, Silva diz que vota no candidato do PSL porque acha que ele vai resgatar os valores da família.
Caucaia é uma das cidades do Ceará com maior número de evangélicos, quase 25% da população, segundo o IBGE, um pouco acima do número nacional, de 22,2%, e bem acima do percentual estadual, de 14,5%. Por ali Bolsonaro ficou em terceiro no primeiro turno (29,4%), mas bem próximo de Ciro (32,1%) e de Haddad (32,7%).
O petista tem como principais apoiadores na cidade comitês populares, como dos indígenas e dos quilombolas, que têm organizado carreatas e caminhadas pela cidade. “Tiraram a Dilma, não foi justo. Estou sem receber devido a um acidente de trabalho, então a ajuda do governo é o que nos sustenta. Voto no Haddad porque a vice dela é uma mulher, não é. Não acho que uma mulher vai tirar o presidente”, disse Regisvan Moraes, 36, que vive à beira de uma pequena estrada que liga o centro de Caucaia à BR-222, no loteamento Jardim Planalto.
Sua casa de dois cômodos, onde vive com a mulher e dois filhos, foi feita de base para o comitê popular dos povos originários do Ceará. Da estrada se vê faixas pró-PT e pedindo a liberdade de Lula. “Nossa vida melhorou com o PT. Por que mudar?”, perguntou Moraes.
Com informações do Jornal Folha de São Paulo