Mulheres heterossexuais de diferentes idades estão escolhendo tirar uma espécie de período sabático de relacionamentos românticos com homens. É o que mostram centenas de vídeos publicados no Tik Tok com os termos “boy sober”, ou “detox de homem” em português.
É o caso da dermatologista Jamile da Silva, de 30 anos, que em 2023 passou três meses em um processo que consistiu em parar de flertar e sair em dates.
“Queria que fosse mais tempo, mas a libido atrapalhou”, relembra. Segundo o relato de Jamile, as vantagens da prática foram além de ter mais tempo livre.
“O maior benefício foi não ter que lidar com determinadas situações. Percebi que desejo ter um companheiro para vida, mas que o preço que se paga pra estar num relacionamento heterossexual é mais pesado para a mulher, e talvez eu não esteja tão disposta a passar por certas situações novamente.”
Jamile diz que aderiu à prática após se frustrar com atitudes machistas em relacionamentos afetivos. “Optei por me poupar do desgaste de, ao tentar dar mais uma chance a alguém, me deparar com o mesmo modus operandi.”
Mulheres não são ‘provedoras emocionais’, diz psicóloga
Em entrevista a psicóloga Anne Crunfli diz que não é incomum ouvir queixas como a que levou Jamile a tirar o relacionamento com homens da sua lista de prioridades.
“Detox é um termo criativo para falar sobre algo que não está fazendo bem”, diz. “Questões como aceitar traições, distanciamento emocional e dificuldade de comunicar seus sentimentos deixam de ser toleradas.”
Para Crunfli, a tendência está ligada ao processo de independência financeira feminina, no qual a mulher começa a se destituir do papel de “provedora emocional”.
“Mulheres hoje que estão mais focadas em si, em seu autodesenvolvimento, são mulheres que começaram a entender que não é o seu dever ocupar a responsabilidade de desenvolver, estimular, incitar ou despertar no homem a inteligência emocional.”
Namorar sem ‘levar a sério’
Nos Estados Unidos, a tendência também é conhecida como o ato de “descentralizar os homens” das relações afetivas. Uma postagem com mais de 200 mil visualizações na rede social X (antigo Twitter) dá exemplos práticos para as mulheres que querem fazer o detox.
“Acho que não morar com parceiros homens é uma forma ENORME de as mulheres descentralizarem os homens”, diz o comentário do perfil @ceciATL. “A nossa vida doméstica é uma área onde as mulheres tendem a ser sugadas pelo desempenho patriarcal. Não presuma que porque você ama um homem ou namora um homem, viver com ele é o melhor ou o próximo passo.”
Para mulheres como Irene Gonçalves, de 72 anos, a autonomia afetiva sempre esteve entre as prioridades, ainda que não em sua época não tenha tido contato com rede sociais.
“Sempre fui fora da curva nesses quesitos. Aos 13 anos já falava que não queria filhos, então foi muito fácil decidir”, diz a funcionária pública aposentada em entrevista ao g1.
“Fui a primeira mulher da minha família a entrar numa universidade. Namorava sim, mas não levava à sério”.
Irene diz que seu sonho era viajar o mundo – já passou por toda a Europa e países como Turquia Japão e Marrocos – mas se considera uma pessoa conservadora.
“Admiro os casais que formam famílias lindas, mas penso que é uma escolha individual e não deve ser imposta por nenhuma ideologia”, alerta. “Espero que as jovens tenham a maturidade necessária para fazerem escolhas próprias, sem seguir modismos impostos pelas redes sociais.”