Os governadores eleitos nas eleições deste ano vão tomar em janeiro de 2019 como se estivessem voltando no tempo, mais especificamente, para 2014. Os chefes do Executivo estadual vão assumir estados mais empobrecidos e governarão contando com uma receita disponível praticamente igual à que seus antecessores tiveram em 2014.

Arcarão também com despesas bem maiores, principalmente por conta de servidores aposentados e dos gastos em saúde e educação, áreas em que a demanda da população cresceu com o desemprego e a recessão, mas sem que houvesse mais investimentos.

Dos 20 governadores que tentaram se reeleger neste ano, só a metade conseguiu. Em 2006, quando houve o mesmo número de tentativas, 14 venceram, o que pode ser reflexo da crise enfrentada pelos atuais governantes.

Entre as 27 unidades da federação, 25 registraram aumento dos índices de pobreza entre 2014 e 2017, considerando uma renda domiciliar per capita de até R$ 85. O Nordeste foi a região mais afetada, onde estados populosos como Bahia, Pernambuco e o Ceará viram a pobreza subir bem mais do que a média nacional, segundo dados da consultoria Tendências.

Os novos governadores contarão em seus orçamentos com uma receita média anual de R$ 2.900 por habitante, valor menor do que os atuais tiveram no início de seus mandatos. Em 2014, a receita equivalia a R$ 2.927 por habitante, em valores corrigidos. Ela chegou a cair para R$ 2.697 em 2016, no auge da recessão, segundo dados da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado.

Vários estados também terminarão 2018 descumprindo o teto para o crescimento de suas despesas acertado durante a renegociação de suas dívidas com a União em 2016, por um período de 20 anos. Na repactuação, que envolveu 19 estados, eles se comprometeram a limitar neste ano o aumento das despesas a um teto de 2,95% (a inflação pelo IPCA do ano passado). Em troca, tiveram redução no fluxo de pagamentos para a União de R$ 44 bilhões.

Em ao menos oito estados, Acre, aqui no Ceará, Goiás, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, as despesas crescem acima disso. Como punição, podem ser obrigados a ressarcir à União valores pagos a menos que tiveram na negociação e perder descontos futuros. O número de estados nesta situação pode ser ainda maior, segundo André Horta, coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e secretário de Tributação do Rio Grande do Norte.

Horta afirma que, na época da renegociação em 2016, não se imaginava que a recuperação da economia e da arrecadação dos estados fosse demorar tanto para reagir. “O que vimos em 2015 e 2016 foi pior do que a crise dos anos 1930 para o Brasil”. Segundo ele, os estados praticamente zeraram os investimentos nos últimos quatro anos e, mesmo assim, não conseguiram se equilibrar. “Ao contrário da União, que pode emitir títulos, os estados tiveram de fazer um enxugamento sem precedentes.”

A boa notícia neste momento é que as receitas estaduais finalmente começaram a reagir junto com a atividade econômica. O Confaz estima crescimento em 2018 de até 6,5% acima da inflação — elevando a receita disponível para patamar próximo ao de 2014. Até a posse dos atuais governadores, há quatro anos, as receitas subiram sem parar desde 2002 (com exceção de 2009, ano da crise global). Elas aumentaram mais de 50% acima da inflação no período, o que levou a um “boom” de contratações e reajustes. Quando a crise veio, em 2015, a arrecadação despencou. Mas os funcionários já estavam contratados e a demanda da população que abandonou escolas e planos de saúde particulares disparou.

Para piorar, houve aumento no número de servidores que pediram aposentadoria — e cerca da metade deles poderá deixar o setor público nos próximos dez anos. Além de terem envelhecido, 51% dos funcionários nos estados têm direito a aposentadorias especiais. Policiais militares, por exemplo, se aposentam aos 49 anos, em média. Isso faz com que a Previdência dos servidores estaduais consuma, em média, cerca de 22% da receita corrente líquida dos estados e que haja mais gastos com inativos do que com os que ainda trabalham.

Além da recessão, que afetou a arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), os governadores também sofreram diminuição de repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que obriga a União a destinar 21,5% do Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) aos estados.

“Como houve forte aumento das renúncias fiscais da União nos últimos anos, e sem evidência de que isso contribuiu para melhorar a atividade econômica, a arrecadação menor afetou os repasses aos estados”, diz Gabriel Leal Barros, diretor da Instituição Fiscal Independente. Entre 2010 e 2017, foram instituídas quase 300 desonerações tributárias na área federal, que somaram R$ 270 bilhões no ano passado.

Barros lembra ainda que a trajetória de forte aumento das receitas dos estados desde 2002 foi atípica, por conta do “boom” dos preços das commodities na década passada. “Não era um ponto de equilíbrio, mas os estados acabaram torrando muito dinheiro.” Durante a crise, estados industriais ou com maior dependência no petróleo, como São Paulo e Rio de Janeiro, foram mais afetados. Outros, de base agrícola, menos —como os do chamado “Matopiba”, acrônimo com as iniciais de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

“Neste momento, todos estão meio que saindo do buraco, com as receitas aumentando. Mas não há grandes perspectivas à frente, justamente em função dos gastos crescentes com as aposentadorias”, diz Claudio Hamilton dos Santos, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Além de uma reforma da Previdência que englobe os servidores estaduais, uma das alternativas que os estados consideram é constituir fundos com ativos próprios que serão capitalizados para lastrear títulos a serem vendidos no mercado — cuja remuneração sairia da gestão e valorização dos ativos nos fundos. E o dinheiro arrecadado pode ser usado na Previdência. O especialista em contas públicas Raul Velloso trabalha no Rio de Janeiro pela criação de um fundo desse tipo, que pode englobar royalties de petróleo, a dívida ativa do Estado e imóveis.

Cinco estados têm eficiência

Ferramenta lançada pelo Jornal Folha de São Paulo e o Instituto Datafolha neste ano possibilita acompanhar quais estados do país entregam mais educação, saúde, infraestrutura e segurança à população utilizando o menor volume de recursos financeiros. O Ranking de Eficiência dos Estados – Folha (REE-F) considera 17 variáveis agrupadas em 6 componentes para calcular a eficiência na gestão dos estados e detalha a situação das finanças de cada um.

Numa escala de 0 a 1, cinco estados ultrapassam 0,50 e, por isso, podem ser considerados “eficientes” —Santa Catarina, São Paulo, Paraná, Pernambuco e Espírito Santo. Outros seis mostram “alguma eficiência” no uso de seus recursos e os demais 15 podem ser considerados “pouco eficientes” ou “ineficientes”.

O objetivo do REE-F é quantificar o cumprimento, pelos governos, de funções básicas e previstas em lei segundo seus recursos financeiros. O trabalho traz ainda um amplo panorama das dificuldades dos estados, com a queda na receita e investimentos e a explosão das despesas. O REE-F será atualizado periodicamente para aferir a evolução na gestão estadual.

Com informações do Jornal Folha de São Paulo